Edição 474 | 05 Outubro 2015

Einstein – Uma vida dedicada à dúvida

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Ricardo Machado | Tradução Walter O. Schlupp

Trevor Lipscombe, biógrafo de Albert Einstein, analisa a trajetória do físico que revolucionou nossa forma de compreender o mundo

Nem sempre o mundo foi pensado como movimento. O combustível que movimenta as descobertas nunca foi a certeza, a resposta precisa e certeira, mas as dúvidas. Talvez poucas pessoas tenham sido tão questionadoras e inquietas quanto Albert Einstein, um dos cientistas mais celebrados de todos os tempos. “Einstein foi um dos melhores físicos que já viveu. É incomparável sua habilidade de olhar para o universo de novas maneiras — [investigando] se a luz é mais bem descrita como partículas ou como ondas, ou se a gravidade é mais bem concebida como força ou como curvatura do espaço”, argumenta Trevor Lipscombe, biógrafo de Einstein, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Ele usou sua fama de físico para promover causas que ele acreditava serem boas; foi um dos primeiros exemplos de celebridade que tentou usar seu status para provocar mudança”, completa.

“Einstein se atreveu a fazer grandes perguntas: E se a luz for feita de partículas, em vez de ondas (efeito fotoelétrico)? E se a teoria eletromagnética da luz estiver correta e as leis de Newton não estiverem lá muito corretas (relatividade especial)?”, coloca Lipscombe. Fugido da Alemanha Nazista, Einstein nunca foi um exemplo de pai e marido, muito antes pelo contrário, mas figura entre as personalidades mais importantes de todos os tempos. “Acho que Einstein é mais crucial para nós do que apenas suas teorias. Ele entrou num mundo da física em que muitos cientistas pensavam que havia apenas ‘meros detalhes’ para resolver. Einstein nos convida a todos a pensar de maneiras novas e emocionantes sobre o mundo que nos rodeia e a perseguir essas ideias onde quer que elas nos possam levar”, propõe o entrevistado.

Trevor Lipscombe é diretor de imprensa na Catholic University of America Press, em Washington, nos Estados Unidos. Anteriormente havia ocupado o mesmo cargo durante 10 anos na universidade Johns Hopkins, Baltimore, EUA. Antes disso, por oito anos, foi editor de publicações de física e ciências na Princeton University, na cidade homônima nos EUA. Ele é biógrafo de Einstein com o livro Albert Einstein: a Biography (Santa Barbara: Greenwood Press, 2005).

Confira a entrevista. 

 

IHU On-Line - Qual é a relevância de recuperar o legado de Albert Einstein  por ocasião da celebração do Ano Internacional da Luz?

Trevor Lipscombe - Einstein ajudou-nos a pensar de forma diferente sobre a luz e, assim, a entendê-la melhor. É graças ao trabalho de Einstein sobre o efeito fotoelétrico ultravioleta (pelo qual ele recebeu o Prêmio Nobel de Física) que agora se considera a luz como composta de partículas. Einstein também descobriu o princípio da emissão de luz que fundamenta o laser. Para pensar de forma criativa sobre o futuro, precisamos compreender melhor o passado, e podemos fazer isto ao reconhecermos o trabalho de Einstein.

 

IHU On-Line - Considerando-se o trabalho de Einstein, como sua descoberta da "Lei do efeito fotoelétrico" contribuiu para o estabelecimento da teoria quântica?

Trevor Lipscombe - Com o efeito fotoelétrico, Einstein mostrou-nos que havia uma base razoável para se conceber a luz como compreendida de partículas, conhecidas como fótons. Luz de um determinado comprimento de onda, segundo Einstein, tem uma determinada energia. E na teoria quântica os elétrons orbitam o núcleo atômico, e cada órbita também tem uma energia específica associada a ela. Graças ao efeito fotoelétrico, agora entendemos que, se os elétrons absorvem um fóton de energia adequada, o elétron vai mudar de órbita; e para se deslocar para uma órbita mais baixa, ele irá emitir um fóton de uma energia específica. As frequências de luz absorvidas ou emitidas são características do elemento químico do qual provêm — é uma impressão digital atômica. A concepção de Einstein sobre a emissão e absorção de luz ajudou a cimentar a nossa crença na quantização das órbitas de elétrons.

 

IHU On-Line - Em sua opinião, qual é a relevância de Albert Einstein para a história da humanidade?

Trevor Lipscombe - Einstein foi um dos melhores físicos que já viveu. É incomparável sua habilidade de olhar para o universo de novas maneiras — [investigando] se a luz é mais bem descrita como partículas ou como ondas, ou se a gravidade é mais bem concebida como força ou como curvatura do espaço. Ele usou sua fama de físico para promover causas que ele acreditava serem boas; foi um dos primeiros exemplos de celebridade que tentou usar seu status para provocar mudança.

 

IHU On-Line - Como era a vida de Einstein em 1905, ao escrever os artigos que o levaram à posição que todos nós conhecemos hoje?

Trevor Lipscombe - Em 1905, Einstein apresentou cinco artigos importantes que integraram seu assim chamado "Ano Milagroso". Dois deles (um artigo e um adendo, na verdade) estabelecem a relatividade especial. Outro deles foi sobre o efeito fotoelétrico, pelo qual ele recebeu o Prêmio Nobel em 1921. Outro foi sobre o movimento browniano, que continua a ser o artigo mais citado. E o último foi sua tese de doutorado, que forneceu um novo método para se determinar o tamanho das moléculas.

O que torna essas conquistas ainda mais notáveis é que nesse período ele não estava numa universidade, mas trabalhando como funcionário no registro de patentes em Berna, na Suíça. Ele estava casado fazia dois anos e seu filho Hans Albert tinha nascido em maio do ano anterior. Einstein, então, estava lutando para cuidar de sua família financeiramente e ainda encontrou tempo para fazer essas profundas contribuições para o mundo da física.

 

IHU On-Line - Como é que a Teoria da Relatividade proporcionou uma revolução não só científica, mas também paradigmática para a interpretação do universo, do mundo e das relações humanas?

Trevor Lipscombe - Esta seria uma boa pergunta a fazer ao Einstein! Ele sempre ficava perplexo que sua teoria atraísse a atenção de pessoas que não tinham facilidade em compreendê-la e que muitas vezes a usaram para seus próprios propósitos. Pode muito bem ser que a ideia de que coisas como tempo, espaço e movimento são relativas, e não absolutas, tenha cativado pessoas de forma mais geral, especialmente na Europa, onde o movimento modernista era popular. Era como se a teoria de Einstein se conectasse com alguns dos objetivos e crenças dos modernistas. Parafraseando Einstein, ele disse certa vez a um menino que segurar a mão de alguém que você ama só parece durar um momento, mas que, se você colocar a mão no fogão, parece uma eternidade. Eu acho que todos teríamos certa afinidade com isso!

 

IHU On-Line - Como é que o nazismo na Europa afetou a vida e a produção acadêmica de Einstein? Em que circunstâncias ele se mudou para os Estados Unidos?

Trevor Lipscombe - Einstein nunca se sentiu confortável na Alemanha. Ele foi ainda adolescente para a Suíça, em parte para fins de formação, mas também porque ele não gostava do militarismo da Prússia. Seus trabalhos sobre a relatividade geral, por exemplo, foram feitos durante sua permanência em Praga, Tchecoslováquia. Einstein deixou a Alemanha para sempre em 1933, depois que Hitler  chegou ao poder. Os nazistas venderam sua casa, que foi transformada em acampamento de jovens arianos. Até ali, porém, ele já tinha alcançado suas maiores realizações na ciência — exceto seu excelente artigo com Podolsky  e Rosen,  o chamado paradoxo EPR,  que sugeriu que a mecânica quântica não era uma teoria completa, que algo estava faltando em nossa compreensão da mesma.

 

IHU On-Line - Qual era a opinião de Einstein sobre o Projeto Manhattan?

Trevor Lipscombe - Einstein escreveu apoiando o lançamento da bomba atômica, mas depois teve sérias dúvidas sobre isso.

 

IHU On-Line - Qual o significado da constante cosmológica de Einstein? Por que ele considerou esta hipótese como seu "maior erro"? 

Trevor Lipscombe - Quando Einstein desenvolveu sua teoria da relatividade geral, nada sugeria que o universo estivesse se expandindo. Por isso ele queria encontrar uma solução em que o universo fosse estático, imutável no tempo. A gravidade, no entanto, faz com que as coisas entrem em colapso entre si, o que impede um universo estático. Para neutralizar isso, Einstein precisava de uma pressão cósmica, por assim dizer, que empurrasse as coisas separadas e assim contrariasse a gravidade. Este seria o caso se um dos termos matemáticos em sua equação não fosse zero, mas tivesse um certo valor pequeno. Esta foi a constante cosmológica.  

Uma vez que se soube que o universo se expandia, e cientistas como o padre belga Pe. Georges Lemaître  tinham resolvido as equações de Einstein para um universo em expansão, não havia mais necessidade de um universo estático. Então, por ter introduzido esse termo [hipotético] na equação, Einstein sentiu que tinha cometido um erro.

 

IHU On-Line - De que forma os estudos de Einstein permitem uma melhor compreensão das propriedades da luz?

Trevor Lipscombe - As teorias de Einstein ajudaram a pavimentar o caminho para o laser, por cuja invenção Prêmios Nobel foram conquistados, e o laser tem afetado profundamente o mundo em que vivemos — pense na cirurgia a laser, por exemplo. Ele escreveu sobre a opalescência (o que foi descrito como seu "artigo mais incompreensível"), a nebulosidade de um líquido através do qual passa a luz, e que explica por que o céu é azul. Ele explicou o efeito fotoelétrico que, considerando a luz como partícula, nos permite explicar mais facilmente como as partículas de matéria interagem entre si — especialmente em gigantescas máquinas de esmagamento de átomos como o Grande Colisor de Hádrons. Graças à concepção de Einstein sobre a luz, agora temos, por exemplo, a eletrodinâmica quântica (QED, na sigla em inglês), que descreve luz e matéria, em função da qual mais prêmios Nobel foram concedidos. Sua percepção de que partículas de matéria e partículas de luz têm propriedades diferentes levou à descoberta dos condensados de Bose-Einstein, para o que ainda outro Prêmio Nobel foi concedido. Nossa compreensão da textura do universo está intimamente ligada à visão de Einstein sobre a luz.

 

IHU On-Line - Por que Einstein ainda permanece não só um cientista, mas também uma figura pública de extrema importância para o mundo?

Trevor Lipscombe - Einstein é um dos cientistas mais conhecidos de todos os tempos. Eu acho que os físicos hoje estão conscientes disso e por isso ainda estamos ansiosos por tentar provar que ele estava errado, ou por encontrar algo que ligue o nosso trabalho ao dele. Os físicos, como todo mundo, têm seus heróis. Por exemplo, faz algum tempo escrevi um artigo sobre um tipo estranho de matéria chamado gás de Chaplygin, e minha principal motivação para pesquisar as propriedades desse gás foi que eu passaria a lidar com as equações de Einstein sobre a relatividade geral, que 100 anos depois continuam sendo um desafio para se resolver!

Como uma figura pública, acho que ele é de extrema importância por usar seu status como uma das pessoas mais inteligentes e famosas do planeta para argumentar em favor da paz, em vez da guerra. E, para ser honesto, seu cabelo estilo selvagem, traje desleixado, o fato de nunca usar meias e ter opiniões iconoclastas da sociedade sempre serão interessantes!

 

IHU On-Line - De que forma Einstein simboliza as mudanças radicais na ciência nos últimos 100 anos?

Trevor Lipscombe - Acho que Einstein é mais crucial para nós do que apenas suas teorias. Ele entrou num mundo da física em que muitos cientistas pensavam que havia apenas "meros detalhes" para resolver. Einstein se atreveu a fazer grandes perguntas: E se a luz for feita de partículas, em vez de ondas (efeito fotoelétrico)? E se a teoria eletromagnética da luz estiver correta e as leis de Newton não estiverem lá muito corretas (relatividade especial)? Que acontece se curvatura e quantidade de aceleração resultarem na mesma coisa (relatividade geral)? E se partículas de luz forem contadas de forma diferente que partículas de matéria (estatística de Bose-Einstein)? Einstein nos convida a todos a pensar de maneiras novas e emocionantes sobre o mundo que nos rodeia e a perseguir essas ideias onde quer que elas nos possam levar.

 

IHU On-Line - Você gostaria de acrescentar algo?

Trevor Lipscombe - Einstein foi um cientista maravilhoso. Em sua vida familiar, foi marido e pai profundamente falhos. Talvez jamais igualemos suas realizações no mundo da ciência, mas talvez todos podemos tentar ser os melhores pais e cônjuges que pudermos. ■

 

Leia mais...

- Assinado, Albert Einstein. Carta esquecida em um cofre por décadas. Reportagem com Trevor Lipscombe reproduzida nas Notícias do Dia, de 25-05-2015, no sítio do IHU.

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