Edição 473 | 28 Setembro 2015

O reajuste que retrocede e ainda rasga a Constituição

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João Vitor Santos

Para Eduardo Fagnani, o ajuste fiscal mata a inclusão social conquistada pela geração de emprego, atacando direitos sociais assegurados pela Constituição

“É um contrassenso, porque numa fase de desaceleração cíclica da economia é feita uma política pró-cíclica que agrava a recessão. Ou seja, você corta gastos, corta investimentos, o que faz com que a atividade econômica caia, e as receitas caem muito mais rapidamente do que o corte de despesas”. É assim que o economista Eduardo Fagnani define a política de ajuste fiscal adotada pelo governo de Dilma Rousseff. Ele entende essa manobra como ação para atender a interesses de uma elite econômica e política que ainda não aceitou políticas sociais trazidas pela Constituição de 1988. “A Constituição de 1988 é um marco no processo indenizatório do Brasil. No entanto, hoje em dia, os representantes do sistema financeiro culpam a Constituição pelo problema fiscal. Estão dizendo que a democracia brasileira não cabe no orçamento. Estão dizendo que só é possível reestruturar a dívida pública se ‘rever o pacto da redemocratização’. Quer dizer, eles querem rasgar a Constituição da República”, dispara.

Ainda sobre política social, entende que o grande avanço dos últimos anos foi a geração de emprego e renda. “A melhor política social é o emprego. As conquistas recentes, do ponto de vista da inclusão social, foram apoiadas essencialmente na geração de empregos e na valorização do salário do trabalhador”, explica. Mais uma vez, vê o arrocho fiscal como ameaça a essa  conquista significativa. “Um programa recessivo desse tipo está produzindo um retrocesso no mercado de trabalho que é, na verdade, a base para essa inclusão social”, diz. Na entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Fagnani ainda avalia as políticas de inclusão baseadas no consumo. Para ele, além de estimular o investimento , é preciso pensar em baixar juros e fazer reformas estruturantes. “Tivemos a inclusão pelo consumo, mas não ampliamos de forma significativa a inclusão pela cidadania”, pontua.

Eduardo Fagnani é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, mestre em Ciência Política e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente leciona no Instituto de Economia da Unicamp e coordena a rede Plataforma Política Social.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Como analisa a discussão e a condução do ajuste fiscal do Governo Federal?

Eduardo Fagnani - O ajuste fiscal está partindo de um diagnóstico equivocado que foi divulgado por economistas liberais. Isso desde meados de 2014, a partir e em função do contexto das eleições. Esse diagnóstico se deu porque o Brasil apresentou um déficit primário de 0,6% do Produto Interno Bruto - PIB. E por isso acabaram dizendo que o Brasil vivia uma crise “terminal”. Por outro lado, atribuem exclusivamente os problemas às decisões domésticas que são adotadas. Não levam em conta a crise internacional de 2007 e 2008 e seus desdobramentos. E, mesmo com os equívocos que foram adotados, os indicadores internacionais – na comparação do Brasil com outros países – não apresentam nenhuma base para afirmar que até dezembro de 2014 o Brasil viveria uma crise.

Nós fizemos superávit primário durante mais de 14 anos, um superávit primário em torno de 3% do PIB. Em 2014, tivemos déficit primário de 0,6 do PIB. Mas quando olhamos para outros países vemos que nenhum dos países desenvolvidos, por exemplo, fez superávit primário de 2009 para cá. Em 2014 o déficit primário dos EUA foi 3,2% do PIB; no Japão, -7,1%; na França, -2,1%. A Índia não faz superávit primário desde 2009. A dívida líquida do Brasil, em relação ao PIB, caiu de 60 para 31% entre 2002 e 2013. Em 2014, subiu para 34 35%, alardeado pelos liberais como “crise terminal” da economia. Mas, mesmo assim, com relação ao passado, é uma relação confortável e também confortável na experiência internacional. A dívida líquida dos países desenvolvidos em relação ao PIB é mais que o dobro da Brasileira. Em alguns casos é mais que o triplo.   

Terrorismo econômico

Isso foi uma crise amplificada pelo terrorismo econômico. Essa visão foi difundida pelos meios de comunicação, pela mídia, como se fosse um mantra. Diante da inanição da comunicação do governo e do discurso único dos economistas escalados pela mídia, criou-se um cenário de que o Brasil está numa crise “terminal”. E, infelizmente, o governo acabou sendo “convencido” por esse diagnóstico. É o que vemos hoje. A partir de 2015, sim, temos um projeto de política de austeridade econômica, um programa de ajuste fiscal ortodoxo.

E é um contrassenso, porque numa fase de desaceleração cíclica da economia é feita uma política pró-cíclica. Ou seja, você corta gastos, corta investimentos, o que faz com a atividade econômica caia, e as receitas caem muito mais rapidamente do que o corte de despesas. Então, é um processo quase que extensivo.

E ainda não se leva em conta que o que se deve pensar é no déficit nominal. É ele quem leva em conta os juros. Por um lado, corta despesas sociais e investimentos e por outro aumenta as despesas com juros. Só para ter uma ideia: gastávamos até o ano passado cerca de 5,5% do PIB com juros e vamos gastar este ano 8 ou 9% do PIB com juros.

 

IHU On-Line - Como o ajuste fiscal está impactando os projetos sociais e as políticas públicas?

Eduardo Fagnani – Está havendo uma regressão social gravíssima. A melhor política social é o emprego. As conquistas recentes, do ponto de vista da inclusão social, foram apoiadas essencialmente na geração de empregos e na valorização do salário do trabalhador. 

Portanto, um programa recessivo desse tipo está produzindo um retrocesso no mercado de trabalho que é, na verdade, a base para essa inclusão social. Para se ter ideia: em dezembro de 2014, a taxa de desemprego era de 4,8%. Como posso dizer que um país que tem essa taxa de desemprego está em crise? No entanto, em meados de agosto essa taxa já subiu para 7,5%. Estima-se que até o final do ano chegue a 9 ou 10%. Geramos mais de 22 milhões de empregos nos últimos dez anos. Essa taxa já está sendo revertida. Para este ano, estima-se a perda de mais de 1 milhão de empregos formais. É uma política que em pouco tempo está destruindo grande parte da inclusão social que ocorreu nos últimos anos. Isso vai, necessariamente, ampliar a desigualdade no país, que é um dos mais desiguais do planeta.

 

IHU On-Line - Então, o senhor quer dizer que a política pública de inclusão está alicerçada na geração de emprego e renda?

Eduardo Fagnani – Muito se fala do Bolsa Família, que teve um papel importante na melhoria e distribuição da renda. Mas é um papel secundário. Mesmo os estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea mostram que a contribuição do Bolsa Família foi de menos de 10%. Mais de 60% da melhoria da distribuição da renda do trabalho tem a ver com mercado de trabalho, incluindo geração de emprego e elevação do salário mínimo. E os outros 30% estão relacionados às transferências de renda da Seguridade Social brasileira, que inclui a previdência urbana, rural, seguro desemprego e os benefícios de assistência social – como pensão continuada.

Ou seja, esses benefícios totalizam mais de 40 milhões que são pagos diretamente. Desses 40 milhões, 70% equivale ao piso do salário mínimo. Como o salário mínimo subiu mais de 70% acima da inflação, isso foi determinante, junto com emprego e salário mínimo, para a melhoria da renda das famílias. Assim, ao fazer uma política recessiva desse jeito, por um lado se reduz a renda das famílias, há o impacto do desemprego e, por outro lado, fragiliza o financiamento da previdência e da seguridade social em grande medida baseado nas contribuições sobre a folha de salário.

 

IHU On-Line - Quais os instrumentos legais da Constituição de 1988 que permitiram tornar o país menos desigual e como esses instrumentos vêm sendo tratados hoje no Brasil?

Eduardo Fagnani – A Constituição de 1988 é um marco no processo indenizatório do Brasil. É a primeira vez que temos a ideia de direitos sociais, cidadania social, a ideia de que os direitos são para todos, são universais. No entanto, hoje em dia, os representantes do sistema financeiro culpam a Constituição pelo problema fiscal. Estão dizendo que a democracia brasileira não cabe no orçamento. Estão dizendo que só é possível reestruturar a dívida pública se “rever o pacto da redemocratização”. Quer dizer, eles querem rasgar a Constituição da República.

Essa análise não é honesta com a História. Não é honesto atribuir à seguridade social da Constituição de 88 os problemas fiscais que o Brasil passou a ter a partir de 2015. Por outro lado, há certa desonestidade intelectual porque para provar seus argumentos - de que os gastos obrigatórios da previdência rural, urbana, da assistência social, crescem a uma taxa muito elevada - tomam como referência uma série de dados iniciada em  1993. E por que é desonesto? Porque foi exatamente a partir de 1993 que os direitos sociais de 88 passaram a ter vigor. Era a primeira vez na história que o trabalhador rural, por exemplo, tinha direito à aposentadoria. É a partir de 1995, 1996 que começa a vigorar os benefícios de prestação continuada. A partir de 1993 que começam a vigorar os benefícios de seguro desemprego e da própria previdência urbana. Entre 1995 e 1998, houve uma “corrida às aposentadorias”. Muita gente antecipou a aposentadoria porque estava tramitando no Congresso a reforma da previdência restritiva, que foi feita pelo Fernando Henrique Cardoso  e acabou sendo aprovada pela emenda constitucional nº 20, de 1998.

O que quero dizer é que há diversos fatores atípicos que não vão se repetir no futuro, mas que não são levados em conta nos cálculos, exatamente para responsabilizar a Constituição de 88 pelas questões fiscais. A desonestidade intelectual também se manifesta porque esses chamados guardiões da responsabilidade fiscal não escrevem uma só linha sobre a questão dos juros. A Previdência Social, por exemplo, custa cerca de 7,5% do PIB. Beneficia diretamente mais de 25 milhões de famílias e indiretamente cerca de 80 milhões de famílias. No entanto, este ano, vamos pagar cerca de 9% do PIB em juros que vão beneficiar, talvez, uma dezena de especuladores.

Os juros

Se estão preocupados com as contas públicas, deveriam se preocupar com a questão dos juros e com as transferências bilionárias do setor financeiro. É algo que não tem precedente no mundo. Há países que têm dívida três vezes maior do que a brasileira e pagam menos da metade dos juros que nós pagamos. Esse é o grande descalabro das contas públicas no Brasil: os juros. Não há economia que cresça com juros tão absurdos e totalmente fora dos parâmetros internacionais.

 

IHU On-Line - Qual seria a solução para atacar essa questão dos juros?

Eduardo Fagnani – Não há nenhuma razão técnica para os juros no Brasil serem essa extravagância. É uma questão de correlação política. Se nós mantivermos esse tripé macroeconômico, que é a questão de ter de fazer o superávit primário, ter o câmbio flutuante e ter a inflação dentro de determinada meta - e o Banco Central independente cuja única missão é manter a inflação dentro da meta e só tem uma bala na agulha, que é aumentar a taxa de juros –, só chegaremos a um objetivo: preservar a riqueza financeira. Esse tripé não está voltado para a questão social e para o desenvolvimento do país.

Modelo esgotado

Quando se faz recessão e para combater a inflação aumentam os juros, os ganhos dos detentores da riqueza financeira são ainda maiores. O mais extraordinário é que esse tripé ortodoxo que está sendo aplicado no Brasil já foi questionado até pelo Fundo Monetário Internacional - FMI e pelo Banco Mundial. Essas instituições já fizeram uma autocrítica. Já se fala que esse tipo de política vai levar à “estagnação secular”, num termo que eles usam. Trata-se de uma “nova mediocridade”, dizem. Diversos países no mundo já revisaram esse tripé macroeconômico. Em vários países o Banco Central tem por missão cuidar da inflação, mas também cuidar do bem-estar. O Federal  americano, que é a Meca do capitalismo, faz dois anos que anuncia que vai aumentar a taxa de juros dos Estados Unidos. Mas ele não aumenta, em parte, porque a recuperação do mercado de trabalho ainda não é consistente.. 

E, aqui no Brasil, o Banco Central só cuida da inflação. E dane-se o povo, dane-se o trabalho, o emprego. Diversos países usam meta de inflação por um período de dois anos. Não tem que fazer a inflação chegar ao centro da meta naquele ano, pode ter um período de mais de dois anos. Tem também as chamadas bandas para superávit primário, que se não der para fazer naquele ano pode fazer no outro. Muitos países ainda medem a inflação pelo que eles chamam de “núcleo de preços”; é retirar da inflação choques atípicos, por exemplo, a questão do preço de alimentos e choques externos por causa de preços. E ainda há países onde tem a recomendação para que se controle o câmbio. 

Aqui, essas ideias não chegam. Fazer o debate é algo considerado herético. Portanto, para rever os juros há várias maneiras. Mas uma delas é ao menos flexibilizar esse regime de inflação apoiado no tripé macroeconômico, que tem o único objetivo de preservar a riqueza financeira. Não há outro objetivo.

 

IHU On-Line - Voltando à questão da Previdência. O senhor fala em nova investida contra a Previdência. O que, especificamente, seria “nova investida” e quais as evidências dessa investida hoje?

Eduardo Fagnani – É basicamente essa ideia de que as despesas obrigatórias crescem numa taxa muito pesada e que se não se rever esse crescimento não vai se conseguir ter estabilidade fiscal. A maior parte dessas despesas obrigatórias está garantida pela Constituição de 1988. Mas qual é a maior? A Previdência, com 7% do PIB. Na verdade, o fato da Constituição de 88 capturar 7% do PIB nunca foi aceito pelas classes dominantes. Esse que é o ponto. Então o que faz? Demoniza a Previdência Social e cria mitos, mentiras, que são repetidas há mais de 20 anos.

Alguns mitos

A primeira mentira que existe: a Previdência tem déficit. É um absurdo. O que a Constituição fez? Copiou um modelo tripartite, um modelo clássico de financiamento da Previdência adotado na maior parte dos países capitalistas. É a contribuição do trabalhador, contribuição da empresa e a contribuição do governo através dos impostos. Nós copiamos isso e criamos duas fontes para que o governo aportasse recurso. A contribuição sobre o lucro líquido e a contribuição sobre o faturamento. Foram criadas em 1988. Mas o que se faz? O que o Ministério da Previdência faz desde 1989? Contabiliza de forma inconstitucional. Só contabiliza a contribuição do trabalhador e a contribuição das empresas. A parte que cabe ao governo, diz que é déficit. E chama esse déficit de rombo. Isso é um mito, não é honesto dizer isso. Quando você cria um rombo que não é rombo, é a parcela do governo, é fácil convencer a sociedade de que se não rever e tornar as regras da Previdência mais regressivas não vai conseguir resolver a questão fiscal.

Outro mito que passou a ser repetido de forma escancarada: de que o Brasil não tem idade mínima (para aposentadoria). Isso não é verdade. Bastar olhar o artigo 201, da Emenda Constitucional nº 20 (1998). Ele cria dois tipos de aposentadorias: aposentadoria por idade, 65 anos para homem e 60 para mulher, e 15 anos de contribuição. Mais de 60% das aposentadorias são por esse tipo. A outra forma de aposentadoria é por tempo de contribuição, 35 anos para homem e 30 para mulher. Aqui, não tem idade. Mas tem o Fator Previdenciário. E ele diz que se você tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade, você vai ser penalizado. Vai haver uma redução na aposentaria até que chegue aos 65 anos. E essa parte de aposentadoria por tempo de contribuição representa cerca de 20, 25% das aposentadorias. E tende a declinar no futuro, pois é algo de quem adquiriu esses direitos na década de 70, 80, quando ainda tinha emprego fixo. Hoje em dia, para uma pessoa ter o emprego fixo no mercado de trabalho completamente flexível, é dificílimo. E cada vez vai ser mais difícil uma pessoa do setor privado ficar 35 anos num trabalho formal com carteira assinada. 

São dois exemplos típicos de mitos que são ditos para demonizar a previdência e para culpá-la pelo desajuste fiscal. O que está em jogo aqui é fazer regredir a cidadania social assegurada pela Constituição de 88, que é um marco do processo civilizatório brasileiro.

 

IHU On-Line - Em que medida as políticas públicas brasileiras trabalham numa lógica de inclusão social pelo consumo? Quais os riscos?

Eduardo Fagnani – O que ocorreu nos últimos anos: teve aumento do emprego, da renda das famílias, tanto pelo mercado de trabalho como pelas transferências de renda. E isso potencializou a expansão do crédito. E, através do crédito, houve uma nova expansão pelo consumo. As pessoas passaram a comprar bens de primeira necessidade e eletrodomésticos. Isso é ruim? Não. Mas qual é o problema?

Lógicas da financeirização

O primeiro são as taxas de juros absolutamente exorbitantes do crédito privado. Veja o caso do cartão de crédito, que hoje está com juros de 400% ao ano. Então você dá o crédito e as pessoas têm renda e vão comprar. Mas vão comprar com o cartão de crédito ou vão fazer empréstimo no sistema bancário para poder comprar. Assim, tem uma transferência enorme de renda dos mais pobres para o sistema financeiro.

O segundo ponto é que houve um avanço na questão social, mérito dos governos recentes, mas esses governos não fizeram as reformas necessárias. Foi uma inclusão, mas sem reformas estruturais. É a reforma política, tributária... E são necessárias essas reformas para fazer a inclusão pela cidadania. Para que todas as pessoas tenham acesso aos serviços públicos essenciais básicos. Apesar de a Constituição definir que o SUS  é público e universal, na verdade, desde os anos 1990, continua havendo uma mercantilização da saúde muito grande, e acesso desigual aos serviços entre classes sociais e regiões.

Temos, ainda, a partir dos anos 1980, a privatização do saneamento básico, do transporte público. Não capacitamos o Estado, tanto do ponto de vista do financiamento como do reforço do seu papel público, para que houvesse ampliação da oferta de bens e serviços sociais básicos de qualidade para a população. Temos enormes desigualdades de acesso tanto do ponto de vista da renda das pessoas quanto do ponto de vista regional. Um exemplo, chocante para mim, é que, na média nacional, só 46% das pessoas vivem em residências com coleta de esgoto. Tivemos a inclusão pelo consumo, mas não ampliamos de forma significativa a inclusão pela cidadania.

 

IHU On-Line - Como o senhor avalia a Agenda Brasil , no sentido da revisão de alguns direitos básicos e a possibilidade de cobrança, por exemplo, pelos serviços de saúde? E o que está por trás de suas propostas?

Eduardo Fagnani – A Agenda Brasil é uma reforma liberal e conservadora, exigida pelo mercado. Ao mesmo tempo que ataca a Constituição de 88, faz necessária uma agenda para o país que é privatizante. Veja a saúde. Cogitou-se até cobrar para planos de saúde. Foi aberta a saúde para o capital internacional. Há um projeto no Congresso Nacional que obriga as empresas a terem planos privados de saúde, subsidiados pelo Estado. É toda uma agenda privatista, liberal e que vai na contramão do que está na Constituição.

Infelizmente, nós estamos passando por um período em que parece que o objetivo das elites políticas brasileiras é fazer com que os diretos retrocedam para o século XIX. A terceirização do trabalho vai retroceder à CLT  de 1943. Sem falar de outras conquistas da Constituição de 88, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e, agora, a redução da maioridade penal. Há um processo muito preocupante de retrocesso em políticas e ações que foram fundamentais para se ter um país menos desigual. Essas propostas destroem mecanismos para um projeto de desenvolvimento nacional que tenha por objetivo enfrentar a maior chaga do Brasil, que é a desigualdade.

 

IHU On-Line - Como reagir a tudo isso?

Eduardo Fagnani – A única forma de reagir a isso é tentar aglutinar o  campo progressista, tentando fazer contrapeso a essas mudanças. Vejo muita gente preocupada com isso. Recentemente foi lançada a frente Brasil Popular, e existem outras frentes se formando com esse objetivo. Hoje em dia, nenhum setor pode querer ser protagonista numa luta desse porte. Por outro lado, essas forças têm que, dentre outras medidas, solicitar e pressionar para que haja mudanças de rumo nas políticas econômicas. Sem mudança nos rumos da política econômica, dificilmente vai poder contar com o apoio da classe trabalhadora e das próprias pessoas que saíram da pobreza. É mais ou menos nessa linha que temos de agir. O que não é fácil. Procurando contribuir para este debate, um grupo de especialistas elaborou o documento “Por um Brasil Justo e Democrático”, composto por dois volumes: “Mudar para sair da crise” e “O Brasil que queremos”.  A iniciativa é um convite para o debate amplo, plural e suprapartidário com movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos, organizações da sociedade civil e personalidades do campo progressista mobilizados pela defesa da democracia, da legalidade, dos direitos sociais e civis e pela mudança imediata dos rumos da politica econômica. ■

 

Leia mais...

- Política econômica ortodoxa e a nova rodada de supressão de direitos. Entrevista com Eduardo Fagnani, publicada em Notícias do Dia, de 03-03-2015, do sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

- Fator previdenciário é uma injustiça contra os mais pobres. Entrevista com Eduardo Fagnani, publicada em Notícias do Dia, de 04-07-2012, do sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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