Edição | 03 Agosto 2015

Os conflitos pela terra no norte do país e as Irmãs de Notre Dame de Namur

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Jane Dwyer

“As pessoas entendem que a terra aqui é basicamente terra do governo e deve ser usada para os pobres na agricultura familiar. A invasão de terra de que os pobres são acusados aconteceu nas mãos dos ricos. Eles invadiram, venderam e roubaram terras do governo. As pessoas estão a tomá-las de volta rapidamente e a custo elevado para elas e há muitos riscos”, escreve a irmã Jane Dwyer. A religiosa pertence à congregação das irmãs de Notre Dame de Namur. É o mesmo grupo da missioneira Dorothy Stang, assassinada há dez anos no norte do país. Irmã Dorothy se tornou referência na luta pelo direito à terra e pela preservação do meio ambiente. Irmã Jane é uma das missioneiras que seguem o trabalho da freira assassinada. No ano em que se completam dez anos da morte de Dorothy Stang, Jane apresenta um relato da atual situação no norte do Brasil.

Jane Dwyer, Irmã de Notre Dame  de Namur, tem 75 anos. Entrou para a Congregação em 08 de setembro de 1963, no mesmo dia em que participou do "I have a dream", marcha de Martin Luther King em Washington, nos Estados Unidos. Irmã Jane está no Brasil desde 20 de janeiro de 1972.

Eis o artigo.

É evidente que o Projeto "1 Milhão de Árvores", ao qual nos propomos, já passou desse número. Mas não é um projeto, e sim um modo de vida. Aqui, todos têm seus viveiros individuais e comunitários, cheios de mudas. Nós replantamos a floresta todos os dias. Até nosso quintal. É um modo de vida.

Os conflitos de terra também fazem parte disso. As pessoas entendem que a terra aqui é basicamente terra do governo e deve ser usada para os pobres na agricultura familiar. A invasão de terra de que os pobres são acusados aconteceu nas mãos dos ricos. Eles invadiram, venderam e roubaram terras do governo. As pessoas estão a tomá-las de volta rapidamente e a custo elevado para elas e há muitos riscos. Nós acompanhamos esse movimento aqui em Anapu .

Nós, da nossa parte, não incitamos as ocupações de terra, mas quando as pessoas ocupam e mostram as suas razões, geralmente constituídas de documentação ilegal, etc., nós acompanhamos e providenciamos reuniões e espaços. Eles entendem que é a agricultura familiar dos pobres que planta e salva as árvores. A floresta só tem valor enquanto está de pé. E as pessoas lutam para manter a floresta em pé. Elas bloqueiam estradas, impedem caminhões de madeireiros, denunciam. Fazem de tudo para salvar a floresta e ocupam terras para que os madeireiros não possam usar a floresta.

Nosso povo se mobiliza para defender o pequeno agricultor, os índios, pescadores e ribeirinhos. São pessoas oprimidas e reprimidas pela represa Belo Monte  aqui em Altamira . Nós somos um dos municípios afetados. A destruição é maciça e imoral.

Ações na comunidade

As pessoas, especialmente as mulheres, trabalham com sementes, nozes, folhas e outros itens naturais da floresta para fazer biojoias, artesanato, etc. Peças extras de madeira são usadas para fazer móveis e seu acabamento. Estão educando seus filhos na mesma linha. Há uma luta constante para conseguir educação para as comunidades florestais, para que as crianças não sejam mandadas para as cidades, onde elas perdem seu senso de identidade e valor. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS Esperança agora tem 13 escolas, e não abrirá uma escola secundária. Tem sido uma longa luta, mas as crianças vão ficar junto a suas famílias.

Nós patrocinamos e ajudamos a sustentar uma Escola Agrícola Alternativa, que oferece educação alternativa para os filhos dos agricultores. Os jovens passam 15 dias na escola e 15 dias em casa colocando em prática o que aprenderam. Tudo isso é acompanhado por técnicos agrícolas e florestais. Também conseguimos obter assistência técnica para as nossas comunidades agrícolas florestais em todos os assentamentos. Atualmente, o governo deixou de pagar, mas as coisas vão mudar.

Temos reuniões mensais dos agricultores e suas famílias aqui em Anapu, com participação de cerca de 250 pessoas. Tudo isso é educacional, compartilhamento, resolução comunitária de problemas. Estamos constantemente nas comunidades, escutando, compartilhando, estando presentes.

E, claro, há a Romaria da Floresta  anual, que é uma espécie de retiro, é mística, uma experiência espiritual. Este ano, como faz dez anos do assassinato de Dorothy, as celebrações começaram com um dia de antecedência , celebrando um Dia de Memória. Muitos aqui não a conheciam pessoalmente, pois nossa população cresceu enormemente, mas todos a reverenciam e acreditam nela, sentem sua presença e importância entre nós. ■

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