Edição 467 | 15 Junho 2015

O aprendizado para além dos muros da escola

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João Vitor Santos e Ricardo Machado

Para a pesquisadora Vera Lúcia Paiva, o processo de aquisição de outros idiomas pressupõe pensar projetos educacionais baseados em interações para além da sala de aula

Superar os desafios no que diz respeito à formação de professores, em que as atratividades são cada vez menores, em um contexto de transformação constante, requer pensar os processos educativos de aprendizagem de língua estrangeira de uma maneira mais ampla. “Apesar dos avanços das tecnologias digitais, o desafio continua sendo a falta de estímulo para se usar a língua fora da sala de aula”, pondera Vera Lúcia Paiva em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

“Geralmente, todos os alunos gostam de usar ferramentas digitais. Existem muitas ferramentas de áudio e voz gratuitas que podem ser usadas para praticar as várias habilidades. Os alunos precisam apenas de orientação e apoio dos professores para utilizar essas oportunidades de prática do idioma”, avalia. Segundo a pesquisadora, a experiência de sala de aula é um momento simulado e pedagogizado, daí a importância de utilizar outros momentos de interação. “O professor pode criar projetos para seus alunos para interação oral com professores em outros países e proporcionar a seus aprendizes experiências de uso autêntico da língua”, frisa.

Recentemente o governo passou a incluir livros de línguas estrangeiras no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, o que tem sido um aspecto muito relevante. Além disso, a Internet rompeu com os muros da escola e ajudou a criar novas relações. “Os alunos mais autônomos criam suas próprias oportunidades de uso da língua na web”, destaca.

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva é graduada em Português e Inglês pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, onde também realizou mestrado em Inglês. Doutorou-se em Linguística e Filologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e fez pós-doutorado na PUC-Minas. É uma das pioneiras no ensino e pesquisa em educação a distância na área de Letras. Foi presidente da Comissão de Especialistas em Letras da SESu/MEC (2000/2002) e presidente da Associação de Linguística Aplicada do Brasil - ALAB (2000/2002). Coordena o projeto de pesquisa Aprendendo com Memórias de Falantes e Aprendizes de Língua Estrangeira - AMFALE com colaboradores no Brasil, Japão, China e Finlândia. Foi agraciada com a Medalha Santos Dumont, Categoria Prata, em 2010.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Quais são os maiores desafios para o ensino de língua estrangeira na atualidade? Há diferenças significativas entre o ensino de língua estrangeira para crianças e para adultos?

Vera Lúcia Menezes - O maior desafio ainda é a formação de professores e a pouca atratividade da profissão de professor. Ainda existem muitos cursos de licenciatura em línguas estrangeiras com atividades acadêmicas insuficientes para formar um bom professor. Muitas instituições ainda colocam profissionais no mercado sem a devida qualificação. Os concursos públicos, estaduais e municipais, não medem a proficiência oral dos professores, e aqueles que não têm domínio suficiente da língua se sentem desmotivados a investir no desenvolvimento das habilidades orais de seus alunos. Outro desafio, apesar dos avanços das tecnologias digitais, continua sendo a falta de estímulo para se usar a língua fora da sala de aula.

Ensinar adultos é bem diferente de ensinar crianças. Se, por um lado, as crianças são mais tolerantes aos erros e estão dispostas a arriscar mais, os adultos têm mais oportunidades de uso real do idioma. Criar material didático para criança é também mais complicado, pois temos que adequar os temas e atividades à idade desse público.

 

IHU On-Line - De que forma a mediação do aprendizado pela tecnologia contribui para o desenvolvimento do aluno de língua estrangeira? 

Vera Lúcia Menezes - Geralmente, todos os alunos gostam de usar ferramentas digitais. Existem muitas ferramentas de áudio e voz gratuitas que podem ser usadas para praticar as várias habilidades. Os alunos precisam apenas de orientação e apoio dos professores para utilizar essas oportunidades de prática do idioma. Em recente pesquisa que realizei com 100 alunos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, verifiquei que as tecnologias digitais estão presentes no cotidiano de nossos alunos. Eles disseram que gostam de assistir vídeos, fazer exercícios na web, usar dicionários eletrônicos, etc.  

 

IHU On-Line - Quando se fala em uso de tecnologia para ensino de língua estrangeira, especialmente o inglês, a que se refere especificamente (de que tipo de tecnologias estamos falando)?

Vera Lúcia Menezes - Eu costumo dividir as ferramentas a partir da proposta de ensino por meio de projetos de Schneiderman,  que envolve quatro etapas: coletar-relacionar-criar-doar. Os aprendizes reúnem informações; se relacionam, trabalhando em equipes colaborativas; criam; e doam seus produtos. Para coletar informações, um bom exemplo de ferramenta é o Google; para se relacionar, o Facebook, os fóruns; para criar, temos inúmeras ferramentas para produção de texto mono e multimodal, e para doar, temos os blogs, as páginas web e as redes sociais. A doação só pode ser feita se envolvermos os alunos em projetos autênticos, como, por exemplo, a construção de um guia turístico construído ao longo do ano em um blog, por exemplo, com texto, imagens, podcast, videocast, vídeos, etc. Veja uma ilustração que fiz com alguns recursos disponíveis na web, seguindo essas quatro etapas. As que se encontram em cima das linhas são aquelas que podem servir para dois propósitos. 

 

IHU On-Line - Como a tecnologia de voz funciona na promoção do desenvolvimento das habilidades orais? No que se diferencia da clássica experiência de sala de aula?

Vera Lúcia Menezes - A experiência de sala de aula é quase sempre simulada e pedagogizada. As tecnologias de voz, como, por exemplo, o Skype, o WhatsApp, dentre outras, permitem interação real e gratuita com outros falantes. O professor pode criar projetos para seus alunos para interação oral com professores em outros países e proporcionar a seus aprendizes experiências de uso autêntico da língua. 

 

IHU On-Line - Qual o papel do educador/professor em processos de aprendizagem em que a tecnologia, o ambiente virtual, funciona como sala de aula? 

Vera Lúcia Menezes - Tenho trabalhado nesses ambientes desde 1998. Minha opção é pela interação mediada pelo computador de forma assíncrona. Nesses ambientes, o papel do professor passa a ser o de moderador. Ele deixa de ser o protagonista e dá o palco para os alunos. Todos têm voz e podem participar no momento mais adequado para eles durante a semana. Mas não dá para ficar calado, pois quem não participa não se faz presente nas atividades. Não dá para ser um mero observador como comumente acontece na sala de aula.

 

IHU On-Line - De que forma as tecnologias da atualidade, Internet, redes sociais, entre outras, transformam o ambiente tradicional de sala de aula?

Vera Lúcia Menezes - A internet rompeu com as paredes da sala de aula e as redes sociais ampliaram os contatos e ajudaram a criar novas conexões. A sala de aula precisa acolher essas inovações. Os alunos mais autônomos criam suas próprias oportunidades de uso da língua na web. Os smartphones permitem que os alunos se gravem, interajam por áudio e texto e até participem de karaokê on-line, cantando com outras pessoas de partes diferentes no mundo. Um exemplo é o aplicativo Smule (http://www.smule.com/).

 

IHU On-Line – Do que se trata “as metáforas nas teorias de aquisição” nos processos de aprendizagem?

Vera Lúcia Menezes - Uma síntese de minha pesquisa foi publicada na revista Trabalhos em Linguística Aplicada.  Cada teoria de aquisição se escora em uma metáfora. A grande metáfora é a da aquisição, que dá nome inclusive ao campo de pesquisa. Cada metáfora implica um conceito de língua. A de aquisição vê a língua como uma commodity, algo externo ao aprendiz que tem que se esforçar para adquirir a “posse” do idioma. A outra “metáfora” é a da participação. Eu digo metáfora entre aspas porque, cognitivamente, participação não pode ser uma metáfora e sim uma metonímia, como defendo no artigo. Considero um equívoco teórico chamar participação de metáfora. Mas, nesse viés, a língua é adquirida em comunidades de prática, ela é socialmente construída. Temos trabalhado também com metáforas em narrativas de aprendizagem, e uma metáfora que reiteradamente aparece é a da aprendizagem como viagem. 

 

IHU On-Line - Como avalia o ensino de língua estrangeira no contexto da escola regular? Que iniciativas podem representar ganho de qualidade no aprendizado, especialmente na rede pública?

Vera Lúcia Menezes - Acredito que a iniciativa recente do governo ao estender o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD às línguas estrangeiras é uma iniciativa marcante. As exigências dos editais acabam eliminando do mercado obras de menor qualidade e os materiais selecionados apresentam abordagens de ensino que podem contribuir muito para a melhoria do ensino. O problema é que nem todo professor está preparado para usar esse novo material didático. Continuo insistindo que temos que investir na formação do professor.

 

IHU On-Line - É possível medir o aprendizado dos alunos? Qual é o melhor caminho para avaliar o aluno de língua estrangeira?

Vera Lúcia Menezes - Acho que o ideal é trocar as provas por outras formas de avaliar, como, por exemplo, os portfólios, ou a execução de tarefas e projetos. Se o aluno não se sai bem, ele tem oportunidade de refazer. Dessa forma damos prioridade à aprendizagem e não à nota. ■

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