Edição 466 | 01 Junho 2015

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Redação

Durante os dias 19 e 22 de maio, a IHU On-Line acompanhou as conferências e mesas de debate do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade. Confira trechos das reportagens publicadas no sítio IHU durante o evento.

Vaticano II: a crise, a resolução, o fator Francisco. Conferência com John O’Malley

Vivemos um tempo forte na nossa igreja, que começou com a vacância da sede episcopal de Roma, quando Bento XVI renunciou, em fevereiro de 2013. Desde então, a Igreja retoma pontos e tópicos da agenda pós Concílio Vaticano II, obnubilados no debate da recepção conciliar nos últimos 25 ou 30 anos. As observações são do Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ, reitor da Unisinos, na abertura solene do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, na manhã de 19 de maio, no Auditório Central da Unisinos.

Em seguida o historiador norte-americano John O’Malley, SJ, um dos nomes mundialmente reconhecidos na historiografia da Igreja, professor na Universidade de Georgetown, em Washington, iniciou sua conferência Concílio Vaticano II: Crise, Resolução, Conclusão. Segundo ele, Francisco é o primeiro papa em 50 anos que não participou do Concílio Vaticano II. “Ele marca o início de uma nova era. Para quem estuda o Concílio isso é uma oportunidade que enseja um estudo minucioso”. 

A reconciliação era o objetivo do concílio, observa O’Malley, referindo-se ao evento iniciado em 11 de outubro de 1962 pelo Papa João XXIII. Seu modo de condução era pautado pela compaixão, misericórdia e amor. “Um evento complexo assim não pode ser resumido a uma palavra e fórmula simplista. Os documentos do Concílio formam uma unidade coerente, e alguns temas e orientações o atravessam como fios condutores. Tais documentos transmitem uma mensagem maior do que seus documentos pensados isoladamente”, observou O’Malley.

 

A Gaudium et Spes 50 anos depois e o Papa Francisco como o parteiro de uma igreja global. Conferência de Massimo Faggioli

“Gaudium et Spes” 50 anos depois: seu sentido para uma Igreja aprendente foi o tema da conferência de Massimo Faggioli na manhã de 20-05-2015. Professor na University of St. Thomas, nos Estados Unidos, o historiador italiano iniciou sua fala no II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade recuperando a importância do resgate do Concílio Vaticano II por ocasião de seu 50º aniversário. 

Faggioli questionou se a eleição do Papa Francisco não mudou o papel do Vaticano II na Igreja Católica. Para ele, muitas das mudanças que temos presenciado desde sua escolha em março de 2013 estão relacionadas com o papel da Gaudium et Spes, a constituição pastoral sobre a Igreja no mundo moderno. “Agora está claro que o pontificado do Papa Francisco produziu uma das mais surpreendentes inversões de destinos referentes ao legado teológico de um concílio ecumênico, e isso se aplica especialmente à constituição pastoral Gaudium et Spes, cuja história no Vaticano II e cuja recepção após o Vaticano II são particularmente significativas para entender todo o Vaticano II.”

Documento que ficou praticamente “esquecido” durante o papado de Bento XVI, a Gaudium et Spes é citada com frequência pelo Papa Francisco. “Não há muita dúvida de que a constituição pastoral é o documento-chave do Vaticano II para orientar nossa compreensão do Papa Francisco e sua relação tanto com o próprio Concílio quanto com o período pós-conciliar. O renascimento de Gaudium et Spes é visível em tudo que ele diz e faz, e especialmente em seus dois mais importantes atos: no título do mais importante documento de seu pontificado até agora, desde a exortação Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013) até a bula Misericordiae Vultus de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (13 de março de 2015).”

 

A experiência que transforma

Para além dos documentos resultantes do Concílio Vaticano II, o foco das análises e investigações de Gilles Routhier são as vivências e aprendizados que as experiências trazem. O tema foi objeto de debate da conferência Concílio Vaticano II e o aggiornamento da Igreja. Três processos no coração da experiência: a liturgia, uma leitura contextualizada das Escrituras e o diálogo, que aconteceu na manhã de 20-05-2015, durante o II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade.

O canadense Gilles Routhier, doutor em teologia, especialista na recepção do Concílio Vaticano II, e professor na Université Laval, do Canadá, justifica sua escolha pela experiência conciliar como ponto de análise em função da importância das práticas vividas para o contexto de construção e reconstrução da Igreja. “A experiência da comunhão para a formação da eclesiologia foi fundamental no Concílio. Levou à formulação da colegialidade e produziu nos padres a diferença de horizontes culturais, a partir do convívio. Esses momentos de encontros, debates, e liturgia, os fez ‘homens novos’”, ressalta.

Para o teólogo, os participantes do Concílio tiveram uma oportunidade valiosa de sentir a universalidade e catolicidade da Igreja, além de terem se transformado nesse processo. “Até o Concílio, os padres eram marcados por uma postura anti-modernista, e depois do evento se sentiram impelidos a mudar. Os bispos também não eram mais os mesmos, descobriram-se possuidores de uma realidade própria. Os discursos saíram da defensiva e tornaram-se ofensivos de uma maneira cristã, passaram a evitar a negação e a condenação. Então, quando os debates em torno da construção dos documentos se iniciaram eles estavam transformados pela experiência da convivência, adquirindo novas conscientizações sobre os temas a serem debatidos.

 

Por uma teologia que enfrente os desafios da fé na contemporaneidade

O ato de produzir racionalidade para interpretar o mundo, compreendendo as complexidades de maneira clara e fazer as relações que nos permitam compreender o certo e errado se chama discernimento. Se fôssemos resumir os ecos e as potencialidades dos 50 anos do Concílio Vaticano II em uma única palavra ela seria justamente a junção das cinco sílabas que forma o enunciado "discernimento". Fácil de escrever, difícil de executar. Foi em torno deste eixo que Christoph Theobald, professor doutor do Centre Sèvres, Facultés Jésuites de Paris, na França, debateu os devires da Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), durante a conferência As potencialidades de futuro da Constituição pastoral Gaudium et spes. Por uma fé que sabe interpretar o que advém – aspectos epistemológicos e constelações atuais, que integrou o II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade.

Discernir é também o modo como interpretamos o mundo. Se temos uma compreensão vulgar do que isto significa, consequentemente teremos uma interpretação vulgar do que quer que estejamos olhando, seja os fenômenos culturais ou religiosos, entre tantos outros. Perceber e conhecer as dimensões históricas permite que se observe os processos históricos a partir de suas particularidades e que se leia o Concílio Vaticano II com inteligência. "O discernimento em 1965 consistia em articular as dimensões do humano e de uma outra a doutrina cristã da vocação humana, deixando transparecer no pano de fundo desta articulação aquilo que o povo chama de vocação humana da visão messiânica. Esse ponto de vista representa uma segunda potencialidade do texto hoje, que se insere em uma constelação cultural espiritual suficientemente diferente da década de 60 e do ultimo século", explica Theobald.

 

As três ecologias: Francisco, a Igreja e a Contemporaneidade

O diálogo possível entre a Igreja e a contemporaneidade conta, há dois anos, com o elemento Francisco. A simples (na verdade nem tão simples assim) escolha do nome Francisco por Bergoglio coloca na pauta uma série de elementos contemporâneos. "Quando Bergoglio escolhe Francisco ele faz isso em nome da simbologia que a nomenclatura suscita em favor da paz, em favor dos pobres e porque ele se importa com a natureza", sublinha John O'Malley, professor doutor na Georgetown University, nos Estados Unidos.

Pensar o papel de uma instituição duas vezes milenar como a Igreja Católica na contemporaneidade é um exercício não somente teológico e social muito difícil, como no âmbito comunicacional exige, ao mesmo tempo, sofisticação e simplicidade. "Ao falar sobre o mundo contemporâneo nós precisamos ter uma resposta simples, clara e direta. Mas ao mesmo tempo a Igreja precisa ser ouvinte, pois parte do ato de ouvir consiste em ler amplamente as complexidades que estão em jogo e criar uma linguagem sofisticada para a 'Inteligência'", defendeu O'Malley, referindo-se aos formadores de opinião pública, mais especificamente à revista New Yorker Reviews. Esta publicação em 50 anos publicou poucos conteúdos relacionados ao catolicismo e mesmo em relação ao cristianismo, mas em 2013 publicou uma capa com o Papa Francisco.

 

Para além dos muros do Vaticano. A periferia como o centro da Igreja

A própria arquitetura do Palácio Apostólico, cujas suntuosas portas abrem-se empurrando-as para dentro do prédio, sugere que aquele é um espaço onde as pessoas devem entrar, não sair. A estética monárquica de séculos que se ergue na margem dos tapetes vermelhos que levam direto ao Trono de Pedro, operam na contramão de um pontificado que subverte a lógica, inclusive, da arquitetura dos palácios vaticanistas e ultrapassa os muros de Roma. A Igreja, a partir do Papa Francisco e sob influência do Concílio Vaticano II (re)descobre o belo – ou o bem na perspectiva estética sustentada por Santo Agostinho – nos últimos, nos descartáveis, nos marginalizados, naquilo que a sociedade joga fora.

O hiato de 50 anos entre o Concílio Vaticano II e a atualidade é marcado por uma série de nuances e complexidades que se misturam à própria história da América Latina no contexto mundial. O próprio Papa Francisco pode ser considerado a materialidade de uma Igreja que transforma a periferia em centro, afinal é o primeiro Bispo de Roma que veio do "fim do mundo.

 

A busca pela compreensão da mensagem

Embora tenha sido assunto corrente nos três dias do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, o pontificado de Bergoglio foi dissecado durante o encontro entre Gilles Routhier, Christoph Theobald e Massimo Faggioli. E mais do que isso: os três pesquisadores refletiram sobre a conjuntura eclesial e como a chegada de Francisco movimenta a Igreja. Entender o que significa a chegada do Papa argentino e também o que de fato diz e o que quer com suas mensagens foi o exercício desenvolvido com o público ao longo da manhã de quinta-feira, dia 21-05.

Routhier, professor doutor da Universidade Laval do Canadá, deteve-se em analisar como a figura do Papa é tirada de uma centralidade pelo próprio Francisco. É a manifestação de mais um dos princípios do Vaticano II: a colegialidade. E não só uma colegialidade que divide as decisões com os pares, mas aquela que incita todos a participarem e a exercerem seu papel evangelizador. “É preciso organismos vivos no corpo eclesial”, pontua.

Theobald, professor doutor do Centre Sévres – Facultés Jésuites de Paris, seguiu numa linha similar. No entanto, destacou os desafios de se entender as mensagens de Francisco e também de tornar tais ideias ações concretas. O primeiro obstáculo é encarar o conservadorismo doutrinal. Algo que tenta minimizar Francisco, considerando-o “apenas” pastoral e pouco teológico. “É assim que se chega a um grande mal-entendido no espaço doutrinal da Igreja”, destaca, ao apontar que a pastoralidade não é contrária à ideia de doutrina.

Já o professor doutor Faggioli, da University of St. Thomas, EUA, buscou entender o atual pontificado pela perspectiva da historicidade. Por isso foi até o conclave que elegeu Bento XVI, e que teve Bergoglio entre os votados. São momentos significativos para se entender Francisco que, enquanto cardeal que perdeu o conclave, teve um tempo de preparação e maturação. Como se visse os desafios da Igreja, avaliasse as posturas de Ratzinger e pensasse como agiria naquela situação. “Por isso digo que Francisco foi um presente de Bento. E digo, também, que Bergoglio de 2013 é diferente do conclave anterior”, avalia.

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