Edição 466 | 01 Junho 2015

Esperança, reforma e comunhão. Alguns olhares sobre o pontificado de Francisco

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Leslie Chaves

As atitudes e discursos do Papa Francisco, além de simpatia, também têm desencadeado uma série de questionamentos entre religiosos, leigos, católicos ou não, e estudiosos do tema. Os gestos de Bergoglio parecem anunciar um novo tempo na Igreja, o qual simultaneamente representa a vanguarda e o retorno a valores da teologia cristã, presentes no Evangelho e sistematizados nas discussões e documentos resultantes do Concílio Vaticano II. Tais fundamentos constroem os princípios da Igreja, porém a concretização desses preceitos no exercício religioso assume diversas formas, que ora se distanciam e ora se aproximam da ontologia do cristianismo.

Certamente a essência da novidade do pensamento de Francisco reside na busca de um retorno fiel às concepções originárias da Igreja, permeado pela conciliação e o diálogo entre os diferentes, pela compaixão, misericórdia e comunhão, interna e externamente, em um esforço de inspirar nos religiosos um espírito pastoral e na comunidade um sentimento de fraternidade. Tarefa que não é simples, pois envolve a redescoberta dessas concepções, o rearranjo de estruturas de organização, poder e comportamentos.

Esse tema foi amplamente discutido no II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, realizado na Unisinos entre os dias 19 e 21-05-2015. O evento reuniu religiosos, teólogos, pesquisadores de diferentes áreas e a comunidade. Confira agora as impressões e expectativas acerca do pontificado de alguns dos participantes das reflexões e debates realizados no encontro. 

Eis os depoimentos.

 

“Para mim, é importante perceber que as discussões, em nível teológico, de estudos científicos são muito importantes, mas também que Francisco traz a Igreja para perto do povo. É uma busca que o povo tem de se aproximar dessa Igreja e de Francisco. Acredito que esse seria o principal diferencial desse Papa.”

Marli Wandelbruck, funcionária do Centro de Cidadania e Ação Social da Unisinos.

 

“Pessoalmente eu diria que é um momento de esperança, por uma série de fatores. Pela forma como o Papa age e fala, pela forma como ele tem conduzido a Igreja nesse período de pontificado. Ele faz com que retomemos questões fundamentais, coloca elementos novos, mas que são da tradição antiga da Igreja, que porém também não deixam de ser novos, como, por exemplo, a misericórdia e a acolhida, que nos estimulam muito. Naturalmente que, entre os jovens, há diferentes posições e formas de perceber. É muito comum posturas mais conservadoras também, que de alguma maneira enxergam com certa resistência a forma dele ser Papa nesse tempo. Mas, por outro lado, tem muita esperança, muita alegria, abertura àquilo que ele está propondo. É a minha reflexão pessoal, mas também de muitos que nós escutamos, de que se trata de um Papa deste tempo. Portanto, aberto, de diálogo, que se aproxima, que sabe falar a linguagem até das novas tecnologias, não só porque tem uma conta no Twitter, mas porque tem uma linguagem que consegue atingir as pessoas. Tudo aquilo que ele faz, acaba sendo também fato jornalístico, no sentido de que abre as pessoas para a reflexão por conta de romper com certas coisas; isso gera a necessidade de uma reflexão, de verificar se algo era realmente fundamental ou não. Então, eu vejo com muita esperança.”

Marciano Guerra, graduado em Teologia pela PUC-RS, atuando na Paróquia de São Marcos, Diocese de Caxias do Sul - RS. Ele será ordenado padre no dia 29-11-2015.

 

“O Papa Francisco é uma agradável surpresa, é um grande sinal de esperança para uma multidão de homens e mulheres, que talvez tenha diminuído sua presença na Igreja hoje, mas que efetivamente acredita que a Igreja deve ser luz, sal e fermento. Ele nos estimula cada vez mais a ser uma Igreja aberta para o mundo, em diálogo com a sociedade, revendo papéis e conceitos. Então eu só desejo que nós façamos uma grande corrente no mundo inteiro para apoiar as iniciativas dele, para dizer que não é só algo dele. É o desejo de tornar efetivo o projeto de uma Igreja em diálogo com o mundo, do Concílio Vaticano II. Aqui nas discussões alguém disse que Francisco é o primeiro Papa pós-Vaticano II, que efetivamente traz no seu coração e na sua prática as propostas do Concílio. Então nós queremos somar com ele, com as comunidades, com os religiosos e religiosas, com os presbíteros e os bispos nessa grande causa. Temos encontrado dificuldades efetivas e reais, não só o Papa Francisco tem encontrado obstáculos na cúria romana, como nós temos encontrado nas dioceses, e nas próprias congregações religiosas, um movimento que quer frear esse processo da Igreja com a sociedade. Mas acreditamos que isso não só é possível, como necessário. Desafios temos muitos. Eu penso que esse congresso do IHU está nos abrindo cada vez mais as perspectivas de esperança e a convicção de que temos que continuar encarando a mudança como algo necessário. Transformações nas estruturas da Igreja, na nossa percepção, na forma de realizar o diálogo com outras religiões, com outros grupos dentro da própria Igreja e com a sociedade civil.”

Afonso Murad, irmão Marista e professor de Teologia na Faculdade Jesuíta – Faje e no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA, em Belo Horizonte - MG.  

 

“Eu avalio que a figura do Papa Francisco é indubitavelmente muito positiva para a Igreja. Há, contudo, um perigo de ficarmos olhando para o Papa Francisco e não conseguirmos perceber em profundidade o que as atitudes dele implicam em mudanças para a nossa vida, porque mais do que um exemplo para ser admirado, ele é um exemplo pra ser seguido. Então, eu vejo o perigo de aplaudirmos o Papa e não copiarmos no nosso dia a dia as atitudes dele. Por exemplo, a renovação, de ir ao encontro das pessoas, conforme ele vem falando de uma Igreja em saída. Até fizemos um discurso parecido com o dele, mas não conseguimos seguir as atitudes que ele tem. Se a gente vai olhar hoje para os nossos seminários é ali que se encontra uma grande ala de rejeição à figura do Papa. Porque quando ele fala em mudança, em saída, isso pode gerar uma certa instabilidade e alguns medos, e a nossa tendência natural é quanto mais dentro de casa ficarmos, compreendendo a Igreja e a estrutura, mais seguros nós podemos nos sentir. Então percebo que, embora haja uma simpatia pelo que o Papa diz, há uma dificuldade em seguir o que ele faz. Creio que a grande questão é o contato com o mundo. Aqui na conferência se falava justamente sobre isso. O Concílio quis colocar a Igreja em consciência de que ela está no mundo, e tudo o que acontece no mundo repercute na Igreja. Então a Igreja não fala para o mundo, trabalha para o mundo, mas ela fala de dentro do mundo, de dentro do mundo ela trabalha, e tem que ter essa atitude de diálogo que só é possível estando dentro da realidade. Ser cristão não é fugir do mundo, mas é entrar no mundo. Por isso na formação dos futuros padres a gente tenta trabalhar essa parte, um profundo contato de dentro das comunidades, com as realidades sociais também e não apenas religiosas, porque onde está o ser humano, ali é o lugar da Igreja estar.”

Eduardo Haas, padre, reitor do Seminário São João Batista, em Viamão, Diocese de Montenegro – RS. 

 

“Eu acho que houve uma mudança dentro desses 50 anos do Concílio Vaticano II. É possível ver que houve uma caminhada na Igreja, claro que ainda não é uma mudança do tamanho que gostaríamos, mas no dia a dia a gente percebe os esforços do Papa Francisco para que os fiéis acompanhem as transformações. Entretanto, essa trajetória ainda deixa muito a desejar, é preciso modificar algumas coisas na Igreja, como ampliar o diálogo e incentivar mais a participação dos leigos no trabalho das pastorais, pois eles são uma grande força. Também acho que o papel da mulher na Igreja poderia ser revisto, e deveria receber mais destaque. As mulheres têm um trabalho muito importante na Igreja, que começa já nas pastorais, junto às comunidades, mas seria interessante que elas ocupassem novos espaços. Tenho esperança de que o Papa Francisco examine essa realidade e dê uma resposta para as gerações futuras.”

Maria Laura Almeida de Oliveira, teóloga e integrante da pastoral da Paróquia Santa Rita de Cássia, de Guaíba – RS. 

 

“Acho que Francisco é um Papa moderno, que está compreendendo as coisas que ainda não foram compreendidas, está querendo relê-las. É um ‘Papa pé no chão’, povo, ele é um pastor, vai ao encontro das ovelhas, dos menos favorecidos, dos pobres num sentido geral. Ele valoriza muito a mulher, o jovem e as minorias. Esse é o grande diferencial dele. As mudanças que Francisco está propondo, aos poucos já estão refletindo nos jovens, nos grupos que eles participam na Igreja. Eles estão mais alegres, mais despojados. Parece-me que após a vinda do Papa ao Brasil esses jovens se soltaram, espiritualmente eles estão diferentes, até pra tratar com as pessoas.”

Terezinha de Fátima Medina, catequista de crisma da pastoral da Paróquia Santa Rita de Cássia, de Guaíba – RS.

 

“Basicamente olhando para o Papa Francisco, penso que ele está levando muito a sério todas as intenções do Papa João XXIII. Eu diria que particularmente seriam três as grandes ênfases de revisitação do Concílio por parte de Francisco. Primeiro a questão da pobreza, a Igreja que leva a sério a opção pelos pobres, não simplesmente materiais, mas também as pobrezas espirituais. Depois, um outro aspecto é a questão da reforma. O Papa Francisco está muito preocupado com uma reforma, não só institucional, mas profundamente espiritual. A ideia de reforma que teve início fortemente com João XXIII convocando o Concílio, também é retomada pelo Papa Francisco. E um terceiro aspecto é a colegialidade. Sem dúvida nenhuma, olhando o Papa Francisco, conseguimos perceber essa intenção dele de trabalhar de forma colegial. Ele como Bispo de Roma, e assim ele se pronunciou desde o primeiro dia em que foi eleito, mas também no incentivo às conferências episcopais, e a liberdade que ele dá para o grupo dos nove que o está ajudando a governar a Igreja enquanto conselho consultivo. Pobreza, reforma e colegialidade, segundo meu parecer, são palavras chaves para entendermos que o Papa Francisco está profundamente em sintonia com as intuições de João XXIII e do Concílio Vaticano II.”

Fabiano dos Santos Barbosa, padre e professor do curso de teologia do Centro Salesiano de São Paulo – UNISAL – SP.

 

“Para mim o Papa Francisco traz à tona todo o desejo do documento Gaudium et Spes, de uma Igreja que se encarna na história, que não tem medo do mundo, apesar dos riscos que ela corre, porque uma Igreja que não corre riscos não é uma Igreja do próprio Senhor Jesus. Essa é a metáfora que ele usa de uma Igreja doente versus uma Igreja acidentada, que corra riscos, que vá para as periferias existenciais e geográficas, para que possa levar a misericórdia, a alegria do Evangelho. Então nesse sentido me parece que ele é um autêntico herdeiro do Concílio Vaticano II, por conta do seu gesto, da sua fala bem centrados na Gaudium et Spes, e isso me parece ser a grande atualização do Concílio hoje com o Papa Francisco.” 

Sérgio Ricardo Coutinho, professor de História da Igreja no Instituto São Boaventura e do curso de Serviço Social do Centro Universitário IESB, em Brasília - DF. 

 

“Acho que o pontificado do Francisco está sendo muito interessante pela quebra do estilo monárquico. Em matéria de estética e de governo da Igreja, ele está aplicando o que o Concílio Vaticano II chama de povo de Deus. Se entende o Papa não mais como um monarca, um soberano, mas como um grande Bispo que governa e ajuda a Igreja a crescer na fidelidade ao Evangelho. Esse esquema é totalmente novo, e isso está surgindo totalmente a partir de Francisco. Ele é o primeiro Papa que não esteve no Concílio, mas é o primeiro a aplicar o Concílio na prática.”

Paulo Fernando Dala Dea, professor de Filosofia da Universidade UNESP – SP.

 

“O primeiro e grande desafio desse papado é que a Igreja abra os olhos de novo, como o Papa vem fazendo, para as grandes angústias do mundo de hoje. Questões como o tema da guerra, e Francisco tem se empenhado para que converse quem não conversava, como foi Cuba e os Estados Unidos, e a mesma coisa com o Oriente, Irã e Síria; e a acolhida aos imigrantes, que passam por momentos trágicos, como o caso de Lampedusa. Então ele está convocando a Igreja para que ela se debruce sobre o grito dos pobres, que ela se torne protagonista ativa em favor da justiça e da paz, acho que esse é o grande desafio. Depois chama para uma Igreja de misericórdia, para fora e para dentro, que faça com que as pessoas voltem com alegria no coração. A sua primeira exortação, Alegria do Evangelho, conecta-se com o discurso de abertura do Concílio, que também fala da alegria, Gaudet mater ecclesia — Que se alegre a mãe Igreja. Então, tanto João XXIII quanto Francisco fazem essa ligação. Em um lugar que é alegre, aberto, misericordioso, compassivo e justo você tem gosto de ficar.”

José Oscar Beozzo, padre, teólogo, doutor em História Social, coordenador geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – Cesep e integrante do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina – CEHILA/Brasil.

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