Edição 466 | 01 Junho 2015

Pontificado de Francisco: avanços e expectativas

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Patrícia Fachin

A teóloga colombiana Olga Consuelo Velez analisa os avanços da Igreja com Francisco, mas também destaca pontos que ainda precisam evoluir

“As pessoas estão amando tanto o Papa, que parece que a Igreja é o Papa”, comenta Olga Consuelo Velez em entrevista concedida à IHU On-Line, pessoalmente, por ocasião da sua participação no Colóquio Internacional IHU - O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, promovido na Unisinos de 19-05-2015 a 21-05-2015. Em conversa com a IHU On-Line, Olga chama atenção para a tão questionada “centralidade” da Igreja de Roma antes da chegada de Francisco e enfatiza que embora o pontífice traga uma “fama” para a Igreja e indique novos ares, com tanta referência a ele “acabamos novamente marcando a centralidade da Igreja na imagem do Papa”. Segundo ela, a igreja ideal seria aquela em que “o papa não fosse o centro, mas que Jesus fosse o centro”. Diante do apreço atual que se tem com os dois anos do pontificado, ela questiona: “Quando vamos abandonar essa centralidade tão marcada? E quando a Igreja será mais autônoma?”.

As críticas da professora da Pontifícia Universidade Javeriana dizem respeito à falta de perspectivas em relação a mudanças estruturais. Contudo, Olga enfatiza que Francisco está “valorizando” a descentralização da Igreja, considerando as decisões tomadas nas Conferências Episcopais de cada país. “Na Evangelii Gaudium, ele faz referência a muitas conferências de outros países, ou seja, faz das suas palavras o que foi dito nas conferências. Isso é bom. E de algum modo ele retoma o uso do termo ‘povo de Deus’, que depois de 20 anos ficou um pouco esquecido por medo que houvesse uma identificação com o marxismo”, exemplifica. 

Durante o Colóquio, Olga participou da mesa-redonda “O novo teologizar a partir do Vaticano II” e afirmou que o Concílio “já não responde aos desafios de hoje. O que se fez, se fez, agora temos de avançar”. Para ela, passados 50 anos do Concílio, ele começa a ficar “desatualizado”. “Se no Concílio se falou de ecumenismo e do diálogo inter-religioso, hoje temos de considerar que a maioria das pessoas já não é mais católica, porque as pessoas estão migrando para outras religiões ou não estão mais crendo em Deus. Então, já não se trata mais de falar de uma abertura a outras religiões — algo que o Concílio conseguiu; agora se trata de ver de que maneira a Igreja irá falar num contexto de pluralismo religioso ou pluralismo cultural”. Ela testemunha: “Eu já fui a muitos encontros em que os indígenas dizem que não querem que a religião católica seja o que os constitui, porque querem recuperar as suas próprias crenças. Então se trata de outro contexto. Se o Vaticano II deu uma possibilidade de abertura, o mundo já mudou”.

Olga Consuelo Velez é doutora em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e autora de, entre outras obras, Reflexiones en torno al feminismo y al género (Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2004); El método teológico. Fundamentos /especializaciones/enfoques (Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2008). 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Quais os aspectos positivos dos dois anos do pontificado de Francisco e acerca de quais pontos podem se esperar melhoras?

Olga Consuelo Velez – Em geral, o Papa Francisco tem transmitido uma imagem de um pontificado próximo, simples, preocupado com os pobres. Adota outra maneira de ser, a qual não estávamos acostumados, porque Bento XVI, por ser alemão, tinha um jeito de ser alemão, mais rígido, sério. Nesse sentido, Francisco gera um impacto imediato em sua imagem. Todos os gestos que ele tem feito de se aproximar dos doentes, quebrar o protocolo tantas vezes, é um ar fresco a uma Igreja que é tão rígida.

Mas falta que tudo isso se coloque não somente na pessoa dele, mas na estrutura eclesial. Esse é o maior desafio, porque a maioria das pessoas não tem se convertido a esse jeito dele. Elas falam para observarmos o jeito do papa, ficam contentes com o papa, mas as estruturas não mudam. Ainda não vi nenhum padre amigo meu que tenha me dito para não chamá-lo mais de monsenhor. Não vejo os padres se perguntando a si mesmos como podem se tornar mais próximos, sem estar presos aos títulos. 

 

IHU On-Line – Que tipo de mudança estrutural você espera?

Olga Consuelo Velez – Mudanças na estrutura que façam com que a Igreja deixe de estar tão centralizada e possa ser um pouco mais descentralizada. Eu sei que as Conferências Episcopais de cada país têm certa autonomia, mas a mentalidade não é essa. Sinto que todas as Conferências não são capazes de mudar nada, no sentido de serem autônomas, porque sua referência é sempre ao que disse o papa, ou as Conferências têm medo de pronunciar algo que não esteja de acordo com a visão de Roma. Isso nos faz ter uma Igreja muito dependente do papado.

O Papa Francisco, neste momento, está jogando com uma linha dupla: por um lado, que bom que ele está dando uma imagem diferente à Igreja, mas, por outro, as pessoas estão amando tanto o Papa, que parece que a Igreja é o Papa. Eu gostaria de uma Igreja em que o Papa não fosse o centro, mas que Jesus fosse o centro. Em uma entrevista, Francisco disse: “não digam que amam o Papa, digam que amam Jesus”. Essa é minha preocupação: a boa fama do Papa é boa porque precisávamos, mas acabamos novamente marcando a centralidade da Igreja na imagem do Papa. Quando vamos abandonar essa centralidade tão marcada? E quando a Igreja será mais autônoma? Isso não quer dizer não estar em articulação com Roma, porque justamente o papado tenta ser um símbolo da unidade, mas uma coisa é isso, e outra coisa é a dependência absoluta. 

Encontro muitos padres, bispos e leigos que têm uma dependência absoluta do que o Papa fala. Em minhas aulas sinto isso, e, agora que o Papa Francisco fala tanto dos pobres, aproveito para dizer aos meus alunos que antes, quando eu falava dos pobres, eles diziam que eu era da Teologia da libertação, mas agora não sou eu quem diz, e sim o Papa. Mas eu digo isso para chamar atenção para a lógica com a qual eles pensam, que é de sempre afirmar somente o que o Papa diz.  

 

IHU On-Line - Que linhas gerais do Concílio Vaticano II aparecem no Pontificado de Francisco? 

Olga Consuelo Velez – O Papa está valorizando essa descentralização da Igreja com as Conferências Episcopais. Na Evangelii Gaudium, ele faz referência a muitas conferências de outros países, ou seja, faz suas palavras o que foi dito nas conferências. Isso é bom. E de algum modo ele retoma o uso do termo “povo de Deus”, que depois de 20 anos ficou um pouco esquecido por medo que houvesse uma identificação com o marxismo. Esse papa retoma esse termo e fala dos pobres com bastante força.  

Mas, por outro lado, o Concílio Vaticano II já não responde aos desafios de hoje. O que se fez, se fez, agora temos de avançar. O Concílio começa a ficar desatualizado porque agora temos uma situação muito diferente. Se no Concílio se falou de ecumenismo e do diálogo inter-religioso, hoje temos de considerar que a maioria das pessoas já não é mais católica, porque as pessoas estão migrando para outras religiões ou não estão mais crendo em Deus. Então, já não se trata mais de falar de uma abertura a outras religiões — algo que o Concílio conseguiu; agora se trata de ver de que maneira a Igreja irá falar num contexto de pluralismo religioso ou pluralismo cultural. Eu já fui a muitos encontros em que os indígenas dizem que não querem que a religião católica seja o que os constitui, porque querem recuperar as suas próprias crenças. Então se trata de outro contexto. Se o Vaticano II deu uma possibilidade de abertura, o mundo já mudou.

 

IHU On-Line – Acerca de que outros pontos o Concílio não oferece mais respostas?

Olga Consuelo Velez – Além desses que mencionei, o Concílio não oferece resposta ao tema da mulher. Esse é um tema que está pendente, porque nem o Concílio tratou muito disso. Em alguns países praticamente ainda não existem mulheres doutoras em teologia. Não há uma possibilidade total de sermos mais protagonistas. E o Concílio não falou desse tema num momento em que as mulheres haviam tomado consciência do seu papel e de não serem, como o Papa disse, “a cereja do bolo”. Não, nós não queremos ser a cereja do bolo, mas queremos ser iguais, estar aí partilhando com os homens. Essas são mudanças de mentalidade, e numa sociedade em que a mulher quer ser o centro e a substância das coisas e não somente uma participação, como a Igreja responde a isso? Esses dias o Papa comentou que as mulheres têm de contribuir a partir de seu gênero feminino, ou seja, sendo somente a “cereja do bolo”. É preciso mudar a antropologia feminina, porque o importante para a Igreja é que a mulher tenha características próprias, enquanto os homens não precisam tê-las, porque o importante para a Igreja é que nós mulheres possamos contribuir com algumas características, enquanto para os homens a situação é diferente. Eu sinto que os homens são vistos como a “base do bolo” e as mulheres são apenas o detalhe diferente. Não tem de ser assim: os dois devem ser a “base do bolo” e o detalhe diferente.  

 

IHU On-Line – De onde surgiu a necessidade de relacionar teologia com discussão de gênero? 

Olga Consuelo Velez – Isso vem da sociedade, porque em uma sociedade em que a mulher era subordinada, todos estavam tranquilos, porque isso era normal, mas depois que a mulher conquistou e reconheceu seu lugar, e quis ocupar o lugar de igual, vieram as perguntas das feministas. Elas disseram que a religião era uma das causas de manter a subordinação das mulheres. Aí, as mulheres teólogas não se tornaram feministas, mas escutaram as feministas e disseram que sim, a religião é uma das causas dessa submissão da mulher. E a partir do estudo da Bíblia e da doutrina, se concluiu que a leitura da Bíblia estava invisibilizando as mulheres. Então, começou-se a resgatar a imagem das mulheres. 

Quando estudei o catecismo, somente aprendíamos sobre a imagem dos grandes profetas, enquanto as mulheres da Bíblia eram tratadas a partir da imagem de Eva, que comeu a maçã. Parece que as imagens que conhecemos são de mulheres más. Nós não estudávamos as mulheres com tanta força como estudávamos os patriarcas. As mulheres teólogas, portanto, passaram a fazer releituras das mulheres, das doutrinas, dos tratados teológicos e se deram conta de que alguns, explicitamente, tratam da mulher como protagonistas. 

Se os teólogos e teólogas estão atentos aos desafios do mundo, têm de se perguntar como estamos vivendo e trabalhando esses desafios na teologia e aí surge a necessidade de fazer uma teologia de gênero, uma teologia feminista. Surge ainda a necessidade de fazer uma teologia que ofereça respostas às questões culturais, às questões econômicas e sociais. Um dos mandatos do Vaticano II é justamente o de escutarmos os desafios do mundo e os sofrimentos do mundo. Então, se a teologia escuta isso, passamos a fazer uma teologia ameríndia, uma teologia da mulher, da libertação, porque se escutam os clamores. E esse é um esforço a responder aos desafios do mundo. 

 

IHU On-Line – Que contribuições essa discussão de gênero pode oferecer à Teologia? 

Olga Consuelo Velez – Que possa ser uma teologia onde homens e mulheres estejam presentes. Agora, a palavra gênero tem muita complicação, e a Igreja tem muito medo dessa palavra porque, no fundo, essa categoria diz que as identidades sexuais são produto da cultura. Então, a Igreja tem medo de que a partir de agora cada um pode escolher se quer ser homem, mulher, meio homem, meio mulher. 

Eu acho que de fato essa palavra tem problemas, mas na origem, essa categoria analítica da sociologia nos chamou atenção de que muitos dos estereótipos atribuídos a homens e mulheres são culturais e não essenciais. Então que o homem não chore é algo cultural, porque comprovamos que os homens querem chorar, mas ficam reprimidos porque a cultura diz que eles não podem. Nesse sentido, a categoria gênero, na sua origem, e nesse ponto concordo com ela, serve para perguntar se os estereótipos que se atribuem aos homens e às mulheres são essenciais ou podem mudar. Eles podem mudar e de fato devem mudar. 

Essa discussão, como eu a entendo, ajuda que homens e mulheres recuperem o seu ser integral e, a partir daí, possam construir a Igreja sem que as mulheres sejam de um jeito e os homens de outro, para depois se complementarem. Ao contrário, nós somos diferentes, temos nossos dons e nos complementamos enquanto seres humanos e não por sermos homens ou mulheres.

Agora, não podemos esquecer que as teorias de gênero se estendem a outras identidades sexuais. Não sei nada disso, esse não é meu campo de estudo, mas sei que é uma realidade que está aí e que tampouco podemos fechar os olhos para ela. Na Javeriana, por exemplo, que é uma universidade católica, existem professores homossexuais e são bons professores e nós somos colegas. Por isso pensamos que temos de teologizar sobre isso. São desafios que a Igreja tem de tratar. 

 

IHU On-Line - Como o Papa está abordando tanto as discussões de gênero, chamando atenção para o que ele denomina de “colonização de gênero”, quanto as discussões feministas? 

Olga Consuelo Velez – A Igreja tem uma postura pastoral de misericórdia e acolhimento, e ninguém nega isso, ainda mais agora que o Papa fala sobre o tema. Mas quando abordamos a doutrina, temos de ver que o Papa é filho de sua época. Além disso, a palavra gênero tem um problema para a Igreja, o qual eu compreendo — será que por isso vou ser considerada tradicionalista? —, que é a pluralidade das identidades sexuais. Então, quando os bispos escutam essa palavra, eles devem pensar que se perdeu a identidade masculina e feminina. O Papa responde com um certo prejuízo a essa questão, porque se você estudar, verá que se trata simplesmente de uma categoria de análise das ciências sociais, a qual nos tem ajudado a dialogar com essa questão. 

No que se refere à mulher, o Papa, assim como muitos homens e mulheres, ainda não tem claro como falar da mulher e do homem não como a mulher sendo algo anexo ao homem, mas pensar que homens e mulheres são essenciais e suplementares. Na Igreja ainda se tem essa mentalidade de que a mulher é suplementar a algo que falta ao homem. Define-se a mulher como mãe, como esposa, como filha. A pergunta seria: Por que não definir o homem também como pai, como esposo, como filho? Parece que o homem é simplesmente homem e a mulher é sempre em relação ao homem. Não sei se Francisco vai conseguir mudar essa visão, porque ele é filho da cultura patriarcal.

O Papa é um pastoralista e não está fazendo doutrina. Teria de se aproximar mais a teologia à reflexão pastoral e continuar com mais autonomia e liberdade para falar desses temas. Ele disse que prefere uma Igreja ferida. Temos de correr o risco de dizer algo e depois ter de recuar se for preciso. Mas às vezes se tenta dizer algo novo e vem uma série de pessoas tentando calar o que se disse, porque é algo escandaloso. Eu entendo a Igreja ferida não somente como saindo para fazer pastoral, mas uma Igreja que busca também um desenvolvimento intelectual e teológico. 

 

IHU On-Line – Como a Igreja pode dialogar com o pluralismo?

Olga Consuelo Velez – A Igreja deve definitivamente deixar seu papel de se sentir protagonista, como se ela fosse o centro e os demais tivessem de vir à Igreja porque ela tem misericórdia deles. A Igreja tem de passar a falar de igual para igual, vendo o que pode aprender dos outros e o que pode oferecer a eles com gratuidade. Esse proselitismo tem de mudar, e a evangelização não pode mais ser algo como resgatar os maus que estão em outras igrejas, mas dialogar e aprender mutuamente. A Igreja tem de ser o testemunho e a clareza; não pode ser imposição, mas um fundamento.

Na universidade temos um curso de graduação de Ciências Religiosas, que tem alunos de diferentes religiões. Claro que com um bom fundamento bíblico podemos explicar — muitos são pastores e são carismáticos, mas não sabem muitas coisas sobre a Bíblia — e ensiná-los a estudar. Num primeiro momento, eles rejeitam o que falamos, mas depois, quando começam a aprender a interpretar a Bíblia seriamente, mudam de ideia e fazem algo diferente. Com isso, quero dizer que a evangelização se dá pela via do diálogo e pelo fundamento de mostrar o que os textos significam. Às vezes nós sabemos mais da igreja deles do que eles próprios, porque eles ingressaram nas igrejas à medida que foram convertidos, mas não porque sabem a gênese da sua igreja. Quando eles estudam, podem ter mais clareza não para que se tornem católicos, mas para que possamos ter consciência de que podemos aprender uns com os outros e fazer um caminho. 

 

IHU On-Line – Como interpreta a queda do número de católicos ou o crescimento de outras religiões ou até o crescente número de pessoas sem religião após o Concílio?

Olga Consuelo Velez – Esses dados mostram que o caminho do secularismo não seguiu uma linha reta. Imaginava-se que todos iriam ficar sem fé e aí teríamos de falar para os sem fé. Mas não foi isso que aconteceu. Mudamos de fé e a procura se dá de outro jeito. Minha interpretação sobre isso é de que o ser humano é definitivamente religioso e procura, a cada época, manifestações religiosas, e o que fica em crise são as estruturas eclesiásticas. Se as igrejas não são capazes de reformar suas estruturas, o pessoal não quer ficar em estruturas milenares e inamovíveis. 

O Concílio fez mudanças e tentou abrir-se ao mundo, mas a estrutura da Igreja não mudou totalmente. Logo no início, de fato, as comunidades foram para os bairros, as comunidades religiosas se renovaram. Mas, como houve problemas, ficou uma igreja ferida, como disse o Papa Francisco, porque muitas pessoas se equivocaram ou tiveram problemas e a Igreja se assustou e voltou atrás, reforçando as estruturas. Então, as comunidades religiosas saíram aos bairros, mas como tiveram problemas e tiveram de recuar, agora parecem ainda mais tradicionais do que antes. Como há medo, se afirmam as estruturas. Algumas pessoas preferem ficar fora dessa estrutura da Igreja e buscam estruturas mais flexíveis, e outras retomam essa estrutura com mais força e permanecem aí porque têm segurança. 

Isso mostra que causa e efeito não são tão claros e por isso temos de estar abertos ao que acontece amanhã, porque as coisas mudam de forma surpreendente. Pensávamos que a religião iria acabar e todos virariam seculares, mas não, surgiram novas religiões. Depois, pensávamos que a Igreja estava caminhando para um inverno eclesial, mas de repente nomearam o Papa Francisco e em dois anos parece que mudou a ideia de que estamos no inverno. Ao menos estamos na primavera e vamos ver se chegamos ao verão. Se o Papa continuar, talvez se solidifiquem algumas mudanças, mas tudo pode acontecer. Passamos do inverno à primavera, e depois podemos permanecer na primavera ou voltar para o inverno. 

 

IHU On-Line – Em que sentido a Igreja agora é diferente da Igreja comandada por Bento XVI e João Paulo II? A Igreja de fato mudou ou o que há no momento é uma expectativa em torno de mudanças por conta da figura de Francisco?

Olga Consuelo Velez – É uma primavera anunciada, mas não uma primavera concreta. Todavia, as flores não estão em todas as partes. O Papa parece um ramalhete de flores passeando pelo mundo, mas nas igrejas particulares não sei se há tantas flores. Há uns dias ouvi a entrevista de um padre no Peru, dizendo que a Teologia da Libertação não serve para nada, o que serve é o capitalismo, porque o capitalismo cria empresas que dão trabalho aos pobres do Peru. É um discurso feito no pontificado de Francisco. Então esse padre, que não é da teologia da libertação, quer desmontá-la. Não vi nenhum bispo se manifestar sobre o que esse padre falou. 

 

IHU On-Line – Se a Igreja adotasse uma postura de maior abertura, isso garantiria que mais pessoas se convertessem ao catolicismo ou que um número maior de pessoas seguisse os valores do catolicismo?

Olga Consuelo Velez – Não, acho que não, porque estamos num contexto diferente e já não temos uma cosmovisão tão marcada, mas a Igreja seria mais testemunha; é isso que a Igreja tem de ser. Às vezes penso que não se trata de ter mais adeptos à Igreja, mas que as pessoas tenham referência de valores que valem a pena serem seguidos. Então, as pessoas, embora não sejam ligadas à Igreja, podem ter uma referência de algo que vale a pena nesta vida. Com a mentalidade do pluralismo, não se trata de ter mais adeptos, mas de oferecer sentido à vida das pessoas e capacidade de fraternidade, justiça social. Se a Igreja tem mais clareza do seu testemunho, isso será bom para o mundo e é isso que interessa, porque a Igreja não é feita para ela mesma. O objetivo não é que a Igreja seja a Igreja mais poderosa como foi no passado, mas que ela faça bem a este mundo e que todas as pessoas possam gostar desse bem que a Igreja irá fazer. 

 

IHU On-Line – Além dos valores que a Igreja já prega, que outros ela pode vir a oferecer neste momento de pluralismo e multiculturalismo?

Olga Consuelo Velez – A Igreja não pode perder seu caráter profético. E profético é mais que testemunho de caridade — a Igreja tem muitas obras de caridade, o que é muito bom —, mas a Igreja tem muito medo de dizer uma palavra profética frente à realidade social e política. Romero, que será beatificado nesta semana, justamente é um símbolo de uma palavra profética que se levanta contra as injustiças. Os valores de fraternidade, por exemplo, são valores humanos, porque do contrário não viveríamos em comunidade. A Igreja tem de dar essa capacidade de profetismo e de solidariedade com os pobres, falar de uma presença do sagrado não “nas nuvens”, mas aqui nesta Terra, cuidando dos pobres e da natureza, e ser capaz de valorizar esse mundo com mais finura evangélica. O reino de Deus anunciado por Jesus é isso: uma palavra profética frente à realidade da sua época; por isso mataram Jesus. A Igreja tem de correr o mesmo risco e anunciar a palavra de Jesus. 

 

IHU On-Line - Como a Igreja na Colômbia tem recebido o pontificado de Francisco e como o pontificado reflete na Igreja colombiana?  

Olga Consuelo Velez – Com a mesma ambiguidade que está sendo recebido em todos os lugares do mundo. Ninguém vai falar mal do Papa. Então a maioria das pessoas fala bem. Mas já ouvi alguns padres dizendo que Francisco está rompendo a tradição e nesse sentido há um certo desgosto. Alguns até dizem que se nos descuidarmos ele nos levará ao comunismo ou ao marxismo. Mas isso se escuta mais nos círculos oficiais.

Por outro lado, como disse no início, não tenho visto nenhum padre ou bispo dizendo que quer abdicar de cargos e títulos e tampouco tenho visto as pessoas ou os padres deixando de ter seus carros maravilhosos. Não vejo práticas oficiais de que de fato a Igreja deva ser mais simples. 

 

IHU On-Line – Há um entusiasmo de que o Papa faça algo e assuma uma postura diferente, mas isso não significa que a postura dele será adotada pelos cristãos ou pelas igrejas no mundo?

Olga Consuelo Velez – Exatamente. Essa é a minha preocupação, especialmente na Igreja colombiana. Agora, por outro lado, o povo colombiano está contente com o pontificado. Mas a Igreja teria de se perguntar por que as pessoas estão tão contentes. 

 

IHU On-Line – Como vê o discurso de pessoas que eram contrárias à Igreja, e que agora manifestam publicamente apreço pelo Papa?

Olga Consuelo Velez – Vejo como positivo, mas é uma interpelação, porque eles teriam de dizer isso de nós. É o que mais ou menos disse Gandhi, ou seja, que gostava de Cristo, mas não do testemunho dos cristãos. Isso teria de ser uma interpelação para nós, ou seja, como as pessoas gostam tanto do Papa por ele ser tão simples, por alegrar-se com as situações simples e por ser misericordioso. É isso que teríamos de fazer. Onde estávamos que não fazíamos isso? É uma vergonha para nós o fato de não estarmos fazendo o que o Papa faz agora. É também um sinal de que as pessoas não estão esperando grandes coisas, mas que detalhes marcam uma linha e, portanto, o Evangelho pode ser significativo. 

 

IHU On-Line – Já que o Vaticano II não responde mais aos desafios do mundo de hoje, como deve se fazer teologia daqui para frente? 

Olga Consuelo Velez – Justamente vou falar que a relação entre teologia e magistério atua nesse círculo hermenêutico. Se não houvesse teólogos abertos à modernidade, o Concílio não teria acontecido. Mas o Concílio deu uma carta de cidadania à teologia, e assim a teologia produziu o Vaticano II e pode continuar seu esforço de responder aos desafios de hoje. Temos novos campos e, portanto, não precisamos só fazer memória ao Concílio, mas olhar para frente. A teologia tem de continuar fazendo seu trabalho porque, embora seja tão lenta a articulação, vai se criando uma nova mentalidade.■

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