Edição 463 | 20 Abril 2015

Um homem de mente limpa, alma aberta e poesia no coração

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

João Vitor Santos

IHU Repórter - Luis Carlos trabalha na limpeza, mas gosta de mexer com poesia. Sua sensibilidade permite olhar para além do binarismo homem X mulher, com respeito e escuta
Foto: João Vitor Santos/IHU

Imagine um poeta. Mas não qualquer poeta. Alguém que tem pouco estudo, nem lê tanto, mas que é capaz de, através de sua sensibilidade, captar as sutilezas da vida. Esse é o Luis Carlos de Souza, de 43 anos. Provocado a pensar nas questões de gênero, olha desde sua perspectiva — afinal, é um dos poucos homens que trabalha na limpeza — para sintetizar o que acredita que deveria ser pensamento comum: homens e mulheres com direitos iguais e respeito a tudo que fugir a esses moldes. “São todos seres humanos.”

De fala mansa, voz baixa, revela candura em seu olhar. E não é por menos. Em meio a uma vassourada aqui e espanada acolá, ele acha inspiração para fazer poesia. Separado, pai de um filho de 16 anos, vive com a mãe. Na sua vida, não há muito espaço para estereótipos, afirmações que delegam o que é de homem e de mulher. O que sente não é segredo. Tem suas namoradas de vez em quando, mas não se esquece de externar com beijos e abraços seu amor de pai e de filho. Nos colegas e em cada um que passa por ele, lança o olhar fraterno de admiração e respeito. 

Na entrevista a seguir, o IHU Repórter apresenta o homem simples que diz trabalhar no lugar que sempre sonhou: o Campus da Unisinos, embora na verdade seja funcionário de uma empresa terceirizada. Gosta de estar entre os corredores, encontrando as pessoas, fazendo poesia, limpeza, falando de Deus e da importância da igualdade.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - O senhor é de onde?

Luis Carlos - Daqui de São Leopoldo mesmo, do bairro Santa Tereza, perto da Estação.

 

IHU On-Line - Começou trabalhando com o quê?

Luis Carlos - Tinha 14 anos quando comecei a trabalhar com calçado. Naquela época do calçado, tinha bem mais trabalho. Agora, quebrou as firmas e não tem mais tanto. Foi complicado achar trabalho. Trabalhei nos mercados por aí. Daí, surgiu a vaga aqui (na Unisinos) e vim pra cá. Tinha uma vaga só quando eu vim. Isso foi em 2006. No dia 2 de maio eu comecei a trabalhar. Lembro: o salário era 364.

 

IHU On-Line - E como foi quando ficou sabendo da vaga?

Luis Carlos – Tinha deixado um currículo e me chamaram. Era um sonho meu trabalhar aqui dentro. Seja em qualquer setor. E eu lembro até hoje o que eu disse: “o serviço não importa, o que me importa é ter um trabalho”. Tinha recém passado a Páscoa. Meu filho sentou com os coleguinhas e disseram que os pais trabalhavam aqui numa firma, outro em outra firma. E meu filho disse: “meu pai é desempregado”. Bah, aquilo doía em mim. O meu filho ganhou Páscoa só porque a vó dele deu. Eu não tinha condições de dar nada. Isso já aí vai fazer nove anos.

 

IHU On-Line - E tem quanto filhos agora? É casado?

Luis Carlos - Não, sou separado. Namoro, mas estou solteiro no momento. Tenho só um filho desse meu casamento. Ele tem agora 16 anos.

 

IHU On-Line – Por que era um sonho trabalhar aqui no Campus?

Luis Carlos - Não sei explicar. Ouvia falar na Universidade Unisinos, que é enorme, que é uma cidade lá dentro. Fiquei curioso. Como também escrevo, pensei: “ah, de repente coloco em algum lugar (as poesias), alguém me descobre”.

 

IHU On-Line - Como se descobriu como poeta? Quando começou a escrever?

Luis Carlos - Desde quando era casado. Colava bilhetes por tudo. Bilhetinho na geladeira, nas paredes... E fui pegando um gosto por aquilo. Fui lendo, lendo... Não que gostasse de ler poesia. Gosto mesmo é de olhar filme.

 

IHU On-Line - E sua esposa gostava disso?

Luis Carlos - Não. Ela não gostava. Dizia que era bobagem. Dizia que as minhas colegas me enganavam. Que diziam que gostavam só para me agradar. Por ela eu já tinha parado. Daí, conversando com um professor aqui no Centro 3, o Pedro Osório, ele disse: “olha, tem gente aqui com oito meses de Universidade, pagando 800 reais o curso e não consegue fazer três linhas do que tu fez”. Bah, foi um incentivo para mim. Como é que o professor vai estar errado e minha ex-mulher certa?

 

IHU On-Line - Tu tens alguma coisa contigo das tuas poesias? Te importa de mostrar para gente?

Luis Carlos – Não. Aí vai:

Simplesmente sorria

Se eu tivesse asas, eu com certeza voaria. 

Seu eu tivesse o dom das palavras, com certeza eu falaria. 

Se eu tivesse superpoderes, eu com certeza usaria. 

Mas se eu não tiver Deus sempre ao meu lado eu, com certeza, nada seria. 

Portanto, se você tiver algum tipo de tristeza, eu quero trocar por algumas de minhas alegrias. 

E se achares que não tem resposta para tudo, simplesmente sorria. 

Pois o mundo se torna mais leve se vivermos com alegria.

 

IHU On-Line - Você falou de Deus. Qual sua religião?

Luis Carlos - Sou evangélico. Mas não sou fanático. Creio que há um Deus só para todo mundo, para qualquer religião. O meu Deus está aqui, no coração. Nenhuma igreja é melhor que a outra. Para mim, a Igreja não salva ninguém. O que salva é tua fé. É acreditar em alguma coisa. E fazer alguma coisa para alguém. 

Eu penso que se tu sai da igreja e não faz nada por ninguém está morto. Morto na fé. Ah, estou com a bíblia debaixo do braço, mas não dei pão para quem está com fome, não ajudei um que estava caído, não dei água para outro que pediu. E de que adianta estar na igreja assim? Vou estar ali enganando a mim mesmo.

 

IHU On-Line - O que é o teu trabalho? O que tu faz aqui na Unisinos?

Luis Carlos - De tudo um pouco. A gente tira o lixo, o pó, limpa as mesas, o chão, varre.

 

IHU On-Line - E quando soube que iria realizar teu sonho trabalhando na Unisinos, mas no setor da limpeza, numa empresa terceirizada, qual foi tua reação?

Luis Carlos - Não tem problema nenhum. Eu quero trabalhar, independente do setor. Não vim aqui para trabalhar no escritório. Eu vim para trabalhar no que me desse para trabalhar.

 

IHU On-Line - Tem muita gente que fala que trabalho de limpeza é trabalho de mulher. O que acha disso?

Luis Carlos – Não tem problema algum. Não tenho preconceito com isso aí. Tem gente que acha que se lavar a louça, tirar um pó vai cair os dedos. Não cai não. É um serviço honesto.

 

IHU On-Line – Por que tanta mulher e tão pouco homem na limpeza?

Luis Carlos - Isso não entendo. Tem serviço. Acho que eles não procuram. O Brasil é machista. Então o homem não quer varrer, passar um paninho na casa. Quer ver o homem se sentir menos homem é colocar um avental nele. É muito machismo. Tanto que tem mulher que faz tudo que a gente faz. Única coisa que o homem não consegue fazer é ganhar filho. Então, a mulher ainda tá na nossa frente por causa disso.

 

 IHU On-Line - Você parece um cara bem sensível. Gosta de poesia...

Luis Carlos - Ah, sim. Eu tinha um sogro que dizia que se lavasse a louça era viado. Eu disse que ia lavar a louça e que o problema era dele. Meu pai também era assim. O homem chega em casa e bota o pé no sofazinho e a mulher que se vire. Mas isso não é justo. A mulher trabalha mais do que nós em casa. Tem mulheres que trabalham aqui, que ainda chegam em casa e tem filho, marido para cuidar. E sai daqui esgotada. E tem homem que não reconhece. 

 

IHU On-Line - Quando não está trabalhando, além de escrever poesia, o que gosta de fazer?

Luis Carlos - Ultimamente eu tenho feito serviço voluntário. Fazendo buraco, montando cerca, pregando, estava até fazendo uma casinha para minha sobrinha lá na Cohab. É aquele serviço voluntário para ajudar as pessoas. Nunca faço nada só pra mim. Acordo cedo. Faço o café, deixo a mesa arrumada para meu filho. Ele toma café e vou com ele até o portão. E até é engraçado. Quem olhar, pode até ter preconceito: eu do lado daquele baita homem. Mas levo ele até a rua. Lá, beijo o rosto dele, faço uma oração para ele e digo para ir com Deus. Quem vê deve dizer que é um casal gay. Beijo o rosto dele e ele beija meu rosto.

 

IHU On-Line - E ele, aceita?

Luis Carlos - Tranquilo. Os colegas dele não entendiam, pois o pai não dava abração, carinho. Ele senta no meu colo e a gente conversa. E os amigos dele diziam que era coisa de gay. Mas é preconceito. Perguntava para eles se o pai nunca tinha beijado eles e diziam que não, nem conheciam isso. Os pais diziam para eles que era coisa de viado. Não é não! É coisa de amor, de carinho! De pai e filho! E hoje, se fosse o caso, isso seria até homofobia. Eu não ligo pra isso (se a pessoa é gay ou não). Aqui mesmo, vejo muita gente e me acostumei com tudo isso. Não tenho e nunca tive preconceito com ninguém. ■

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição