Edição 457 | 27 Outubro 2014

O pensamento de Feyerabend revisitado

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Ricardo Machado | Fotos: Suelen Farias

Encerrando a última manhã de conferências do XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, a professora e pesquisadora Anna Carolina Regner apresentou a conferência “Paul Feyerabend: racionalidade única, irracionalidade ou múltiplas racionalidades?”. O evento ocorreu na quinta-feira, 23-10-2014, às 10h45min, no Auditório Central da Unisinos.

Segundo a conferencista, o pensamento de Feyerabend  orbitou em torno de quatro eixos principais: razão, racionalismo, tradições e ciência. “Falar de valores é uma maneira de descrever o tipo de vida que se quer levar ou que se pensa que deveria ser levada”, explica Anna Carolina. A normatividade em Feyerabend vem dos valores, e as questões remanescentes estão no trânsito dos valores. “Há uma dimensão mais fundamental que é a distinção que se pretende ser epistemológica entre razão e irracionalidade, porém separar fatos, valores e racionalidades é um artifício”, pondera a professora.

Contra o método

“Porque Feyerabend critica a si próprio em diferentes edições de Contra o método, ele se mantém dinâmico. O autor sustenta que para salvar os valores de humanidade é preciso dar um peso à razão, não por merecimento intrínseco à razão, mas para preservar nossa humanidade”, exemplifica a professora. De acordo com Anna Carolina, Feyerabend tenta em Contra o método mostrar duas perspectivas: a irracionalidade do racionalismo e razoabilidade das contrarregras. “O que poderíamos discutir com Feyerabend hoje é se ele não tinha uma posição muito dicotômica com a racionalidade e a irracionalidade”, contrapõe.

Críticas dinâmicas

A dinamicidade do pensamento de Feyerabend tem a ver com uma postura de atualização das perspectivas críticas mesmo quando tratava de uma mesma obra. Por exemplo, na primeira edição de Contra o método, em 1951, ele tinha como eixo central de crítica o chamado “positivismo lógico”. Nas edições da década de 1970, o autor focou sua tese na contraposição ao racionalismo crítico, proposto por Karl Popper,  e o racionalismo de Imre Lakatos. Já na última versão, de 1993, sua crítica era ao racionalismo como tradição.

Naturalismo e racionalismo

“No naturalismo a experiência tem dominância na razão no sentido de modificá-la, ou seja, quando a razão não condiz com a experiência devemos mudar a razão”, explica muito objetivamente a professora. “A posição de Feyerabend era de uma relação entre duas dimensões da práxis: a diferente e a familiar. A grande questão, portanto, não é se há universais ou particulares, mas como se dá essa relação”, complementa. Para a pesquisadora, ao nos colocarmos diante dos enunciados — que é da ordem do universal — precisamos vê-los situados — ou seja, na ordem do particular. 

Disputa, discussão e controvérsia

Pensar pressupõe mais de um nível de argumentação e contraposições. Entretanto, Anna Carolina lembrou que quando o paradigma do debate se estabelece a partir da disputa não há nada de comum entre as partes; quando se estabelece em uma discussão não há nada de novo; mas na controvérsia há a possibilidade da troca aberta, isto é, significa que não temos nada previamente formulado.

“A identidade só se impõe na diferença, aí podemos distinguir. Esta distinção das diferenças nos ajuda a compreender a diversidade cultural”, explica. “Feyerabend, em sua autobiografia, nas obras finais, vai dizer o seguinte: assassinato é assassinato e ponto. Não existe diferença. E ele fala isso ao mesmo tempo em que fala de natureza humana”, finaliza.

Quem é Anna Carolina Regner

Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica - PUCRS, doutora em Educação pela UFRGS e pós-doutora pela Universidade de Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos. Integra o Colégio de Consultores da Coleção Memória e Saber do CNPq e é membro do Conselho científico de várias revistas nacionais e estrangeiras. Foi diretora da Coleção Filosofia e Ciência da editora Unisinos. É autora junto com outros organizadores de History and Philosophy of science in the South Cone (Londres: College Publications, 2013), Ciências da vida: estudos filosóficos e históricos (Campinas: Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul (AFHIC), 2006) e A filosofia e a ciência redesenham horizontes (São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2005). 

Ecos do evento

“Em que sentido a ciência é irracional? Para muitas pessoas a ciência é o exemplo máximo de racionalidade, e Feyerabend nos ajudou a ver que a ciência não é racional no sentido de seguir regras que sempre deem, mas que há uma racionalidade que aumenta a flexibilidade, que aumenta as contestações e que aumenta as improvisações. A professora Ana conseguiu lembrar os pontos em que o autor se manteve repensando até o final da vida” Alberto Cupani, professor na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

“A meu ver, a palestra foi muito interessante. Eu que já tive a oportunidade de ter aula com a professora Ana Carolina lembrei que ela abordava Feyerabend nas aulas de filosofia da ciência. E hoje refrescar a memória das racionalidades e irracionalidades foi muito importante. Ela tem um pensamento muito claro e foi válido para recuperar aquilo que ela passava em aula e trazer alguns apontamentos novos”. Neilor Schuster – Estudante de Teologia

“Hoje, mais uma vez vim assistir a palestra da professora Anna Carolina, palestra esta que é sempre muito esclarecedora. Ela que é uma conhecedora profunda do assunto, ilumina o nosso conhecimento sobre um tema que é central na obra de Feyerabend: o tema da racionalidade científica, o tema da razão. Enfim, ver a Anna Regner falar é sempre muito bom”. Luiz Henrique Lacerda Abrahão, professor no Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais – CEFET/MG

“Anna Regner é uma especialista da obra de Feyerabend e sem dúvida é sempre bom ouvi-la. O ponto mais importante abordado nesta palestra é a relação entre a razão e prática, que são duas instâncias que estão sempre em interação. É até difícil falar exatamente o que é uma ou o que é outra porque Feyerabend lutou justamente contra esse purismo da razão como ‘a razão’ e tratar de mostrar que a razão é alguma coisa contra, ou seja, é sempre dado esse encontro”. Antônio Carlos de Madalena Genz, professor de Filosofia

 

Leia mais...

- Uma nova relação entre regras e práticas. Entrevista à revista  IHU On-line, ed. 419, de 20-05-2013; 

- Ciência para a felicidade humana. Entrevista à revista IHU On-line, ed. 403, de 24-09-2012;

- "Somos melhores depois de Darwin", publicado nas Notícias do Dia no site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em 17-03-2009.

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