Edição 453 | 08 Setembro 2014

Da economização da ecologia à ecologização da economia

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Andriolli Costa

O economista Eduardo Barata foge do reducionismo de encarar a natureza como externalidade da economia e pondera sobre outros valores levados em conta pela Economia do Ambiente

Da necessidade de associar valores econômicos aos bens e serviços ambientais, surge a Economia do Ambiente. Responsável pela tarefa de estabelecer o difícil equilíbrio entre a eficiência e a preocupação ambiental, este ramo da ciência econômica se depara com dilemas bastante particulares. “Há uma escolha a ser feita entre um ambiente mais limpo e os custos econômicos que lhe estão associados", destaca o economista português Eduardo Barata. “Vale a pena reduzir a poluição a zero, ou devemos aceitar certo nível de emissões?”, pergunta o pesquisador. A resposta parece simples, mas tendo em vista que reduzir a poluição a zero implica em investimentos que podem ser desproporcionados para os empreendimentos, é preciso encontrar um ponto acertado na balança.

Este raciocínio, por vezes, faz com que política e juridicamente a natureza seja tratada como uma “externalidade” à economia. Isto é, os impactos ambientais das atividades produtivas e de consumo são percebidos como “falhas de mercado que supostamente, com métodos adequados, poderão ser internalizadas no sistema de preços”. Para o pesquisador, esta é uma visão reducionista, “posta em causa pela sua incapacidade para fornecer ideias sobre como formular e resolver problemas que brotam das interações entre a sociedade e a natureza”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Barata esclarece que a Economia do Ambiente enquanto motor de ação política e de legislação está profundamente ligada aos problemas de Smog, em Londres, e às discussões sobre os efeitos devastadores da pulverização indiscriminada de agrotóxicos nas lavouras. Trata, ainda, da importância dos acordos internacionais para o estabelecimento de uma Economia do Ambiente e os nexos entre o ótimo de Pareto e o desenvolvimento sustentável. Por fim, destaca outros modos de pensar a economia, que “respondem à necessidade de ponderar outro tipo de valores que não exclusivamente os valores monetários incluídos nas tradicionais medidas da atividade econômica”.

Eduardo Barata possui graduação em Economia, com mestrado em Economia Financeira pela Universidade de Coimbra e doutorado em Ciências Sociais do Ambiente pela University of Keele, no Reino Unido. Atualmente é professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste a Economia do Ambiente? Quando esta foi formulada e como se atualiza em nossos tempos?
Eduardo Barata – E
m termos muito gerais, a Economia do Ambiente analisa a forma como a atividade econômica afeta o meio ambiente em que vivemos. As atividades produtivas e de consumo geram poluição. Mas as políticas ambientais podem exigir que as empresas poluidoras limpem as suas emissões e podem incentivar as famílias a mudar os seus comportamentos. Porém, estas medidas implicam custos. Portanto, há uma escolha a ser feita entre um ambiente mais limpo e os custos econômicos que lhe estão associados. Embora com limitações, a Economia do Ambiente oferece uma importante estrutura para ponderar este tipo de escolha. Por exemplo, vale a pena reduzir a poluição a zero, ou devemos aceitar um certo nível de emissões? A ideia-chave deste debate destaca que, em regra, reduzir a poluição a zero implica sacrifícios econômicos que podem ser desproporcionados. Mas, nos nossos dias, o contrário é ainda mais relevante, ou seja, os prejuízos associados a certos níveis de poluição são economicamente irracionais, pelo que é importante procurar constantemente um equilíbrio entre custos e benefícios, sendo decisivo o modo como são percebidos e medidos todos os custos (alguns deles invisíveis para quem decide ou no momento em que se decide).

De um ponto de vista histórico, a afirmação em definitivo da Economia do Ambiente, enquanto um dos principais motores de ação política e de legislação, está profundamente ligada a dois episódios — os problemas na cidade de Londres relacionados com o smog (perigosa mistura de fumaça “smoke” e nevoeiro “fog”), no verão de 1952, e o debate que se seguiu à publicação, em 1962, do livro Primavera Silenciosa (São Paulo: Gaia, 2010), pela bióloga e naturalista americana Rachel Carson , em que se destacam os efeitos ecológicos devastadores da prática generalizada e indiscriminada da pulverização aérea de DDT (um composto químico bioacumulável) para combater os mosquitos. Estes dois episódios marcam historicamente o reconhecimento público de que os problemas de qualidade ambiental não se reduzem a questões simplesmente técnicas, mas estão no centro dos nossos estilos de vida, exigindo mudanças de comportamento que implicam escolhas, que envolvem sacrifícios que em regra são desconfortáveis. No presente, em razão da industrialização exagerada, a atualidade das preocupações com a defesa do meio ambiente é onipresente, explicando uma proeminente necessidade de mudanças econômicas, sociais e políticas.

IHU On-Line – Qual a importância do protocolo de Kyoto  e demais acordos internacionais para a consolidação de uma economia do ambiente?
Eduardo Barata –
Por um lado, as repercussões (atuais e futuras) das mudanças provocadas pela ação humana na natureza exigem um esforço global de acompanhamento, avaliação e estudo. Por outro lado, a globalização econômica e os efeitos transfronteiriços dos distúrbios ambientais realçam a importância de regras acordadas multilateralmente para o tratamento de questões ambientais globais; ou seja, problemas resultantes da ação antrópica global apenas poderão ser geridos, com possibilidades de sucesso, se envolverem soluções globais.
Inserindo a resposta a esta pergunta no contexto da mudança de paradigmas aqui invocada, destaco como um dos contributos mais marcantes do protocolo de Kyoto, nos planos político e jurídico, o princípio da “responsabilidade comum, porém diferenciada”. As assimetrias que marcam o sistema internacional requerem que os esforços que buscam lidar com as mudanças ambientais, em particular as de caráter global, levem em consideração as diferentes capacidades (e responsabilidades) das nações para responderem aos desafios colocados por aquelas mudanças (ou seja, os países industrializados têm obrigação de liderar o processo de redução das emissões globais). A relevância desta abordagem reside no reconhecimento de que é do interesse da comunidade internacional que os países em desenvolvimento orientem seu crescimento econômico e a melhoria das condições de vida das suas populações por meio do acesso facilitado às tecnologias limpas e aos recursos financeiros internacionais. Em síntese, esta abordagem permite destacar a pobreza e as desigualdades como uma das mais perigosas ameaças ao meio ambiente. Na minha opinião, sem ter em conta esta dimensão, qualquer estratégia ou acordo não reunirá nunca as condições mínimas para ter sucesso.

IHU On-Line – É adequado atualmente pensar na natureza como uma “externalidade” à economia, tendo em vista a relação sistêmica desta com a sociedade?
Eduardo Barata –
Pensar na natureza como uma “externalidade” à economia é profundamente errado, mas devemos ter consciência de que esta separação continua a ser dominante na ação política e na legislação. Assim, a iniciativa do III Congresso Internacional de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável é também mais uma oportunidade para contribuir para uma mudança cada vez mais urgente. Em síntese, é importante recordar que o modelo econômico (neo)clássico não contempla restrições ambientais. Esta visão da economia, ainda dominante, trata os impactos ambientais das atividades produtivas e de consumo como fenômenos externos ao sistema econômico, vistos como falhas de mercado que supostamente, com métodos adequados, poderão ser internalizadas no sistema de preços. Contudo, esta visão reducionista é posta em causa pela sua incapacidade para fornecer ideias sobre como formular e resolver problemas que brotam das interações entre a sociedade e a natureza. Em paralelo, vem ganhando espaço a noção de que a natureza não pode ser vista como uma fonte inesgotável de recursos e um destino sem limites para os resíduos gerados pelas atividades econômicas, o que obriga a uma mudança de paradigma que permita o abandono do tradicional reducionismo da ciência econômica em prol de uma maior abertura que poderá ser descrita como a passagem “da economização da ecologia para a ecologização da economia”. Ou seja, a escala da economia não pode ser mais vista como infinita e deve ser subordinada à sua base ecológica, sem a qual nada mais existe ou existirá.

IHU On-Line – É possível conciliar preocupação com o meio ambiente e desenvolvimento econômico?  Quais os grandes entraves para que isso se realize?
Eduardo Barata –
A sustentabilidade é uma exigência. A promoção do desenvolvimento (ecologicamente, mas também social e economicamente) sustentável dispensa adjetivos. Ou acreditamos que o ser humano, tal como é, pode construir um mundo melhor para si e para seus semelhantes, no presente e no futuro, ou seremos forçados a reconhecer o fracasso da nossa própria existência. Mas, para que tal se realize devemos começar por promover a satisfação das necessidades básicas. Em seguida virá o que parece ser ainda mais difícil: é preciso um aprendizado individual e coletivo que nos permita outras formas de manifestação concreta do modo como satisfazemos as nossas necessidades, assente numa mudança em nosso modo de viver, porventura menos dependente da sua dimensão material e mais subordinado a realidades mais abstratas, como a realização pessoal e a felicidade.

IHU On-Line – De que formas os conceitos Ótimo de Pareto e Desenvolvimento Sustentável podem ser articulados?
Eduardo Barata –
O Ótimo de Pareto é um conceito fundamental na ciência econômica. Estamos num ótimo de Pareto quando só é possível melhorar a situação de alguém piorando a de outrem. Contudo, se a promoção de algo que não prejudica ninguém é (em princípio) pacífica e desejável, as dificuldades sentidas na articulação entre este conceito e o Desenvolvimento Sustentável resultam da possibilidade deste ótimo assentar num juízo de valor arbitrário, que tendencialmente promove a manutenção do status quo nas sociedades. Por exemplo, o critério econômico para o nível de recursos a ser dedicado à redução da poluição pondera os custos de redução e os benefícios ambientais, sem considerar a forma como estes são distribuídos por toda a sociedade. Mas, muitas vezes, os custos e os benefícios são capturados por indivíduos diferentes. Em síntese, nestes contextos defendo que devem ser considerados critérios que não sejam indiferentes em relação à distribuição ou articular a aplicação da lógica de Pareto com uma grade de valores (que deve ser assumida explicitamente como arbitrária).

IHU On-Line – Como você encara propostas de financeirização da natureza, como é o caso dos créditos de carbono — tido pelos críticos como “permissões para poluir”?
Eduardo Barata –
As metodologias que possibilitam exercícios de financeirização da natureza, como é o caso dos créditos de carbono, devem ser encaradas como contributos positivos nomeadamente porque incentivam que aqueles que conseguem obter os mesmos benefícios com menos custos se substituam aos menos eficientes. Assim, os eventuais problemas associados com este tipo de instrumentos não reside na possibilidade de se poderem transacionar em mercado supostas “permissões para poluir”, mas sim na quantidade global de emissões que é autorizada. Como noutros domínios da Economia do Ambiente já citados aqui, os problemas identificados pelos críticos assumem relevância se for feita uma aplicação cega (ou “reducionista”) da teoria econômica. Pessoalmente, defendo que o debate entre os críticos e os adeptos destes instrumentos deve ser promovido de forma livre e fundamentada, nomeadamente para permitir introduzir as melhorias que forem sendo identificadas.

IHU On-Line – A análise emergética considera todos os fluxos de energia, materiais e informação que ocorrem em um sistema e os transforma em uma única base. De forma semelhante, a Produção Primária Bruta é utilizada para mensurar a eficiência dos processos de fotossíntese. De que modo a economia se apropria desses valores? Quais alternativas se podem criar a partir destes dados?
Eduardo Barata –
Propostas como a análise emergética e a Produção Primária Bruta são bons exemplos da mudança de paradigma acima descrita como a passagem “da economização da ecologia para a ecologização da economia”. Ou seja, respondem à necessidade de ponderar outro tipo de valores que não exclusivamente os valores monetários incluídos nas tradicionais medidas da atividade econômica, como o Produto Interno Bruto, superando o reducionismo de que padece a ciência econômica (ainda) dominante.

Acredito que este tipo de dados será determinante para superar muitas das limitações já aqui destacadas e dar cumprimento à mais nobre missão da ciência econômica: realizar escolhas que ponderem de modo mais pleno (completo) e equilibrado (equitativo) os custos e os benefícios envolvidos (nomeadamente muitos dos que até o presente não foi possível avaliar).

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