Edição 453 | 08 Setembro 2014

A dimensão ambiental dos Direitos Humanos

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Andriolli Costa

Franclim Brito defende uma fuga da jurisdização do ambiente a partir de uma relação de autoconsciência do ser humano frente à Natureza

“Os direitos humanos e o meio ambiente estão inseparavelmente interligados”, defende o jurista e pesquisador australiano Klaus Bosselmann. Afinal, sem a defesa da integridade e do bem-estar de um, a defesa do outro não teria um cumprimento eficaz. Propõe, desta forma, não pensar em Direitos Humanos ou em Direito Ambiental, mas sim um Direito Humano Ambiental.

Segundo o coordenador do curso de Direito Integral da Escola Superior Dom Helder Câmara, Franclim Brito, no entanto, esta articulação gera uma complexidade jurídica difícil de ser resolvida. Afinal, o primeiro tem em vista um bem-estar individual, enquanto o segundo é fundamentalmente coletivo. A solução que orienta sua pesquisa é “assumir o Direito Ambiental como perspectiva dos Direitos Humanos”.

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Brito ressalta que esta reflexão não tem como objetivo deslocar a centralidade da pessoa humana, mas sim oferecer um pensamento antropocêntrico mitigado, “aquele em que o ser humano percebe o limite da sua realização ou mesmo da realização destes princípios sem promover a degradação do ambiente”. Assim, “mesmo que o ambiente continue a ser espaço de realização, ele não subverte esta ordem e não o manipula a qualquer preço”.

Franclim Brito é graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá e em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara, é doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, onde estuda os pressupostos epistemológicos na construção de um projeto socioambiental no Estado Democrático de Direito.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A partir de qual perspectiva você trabalha o Direito Ambiental?
Franclim Brito –
Eu pesquiso o Direito Ambiental a partir da perspectiva dos Direitos Humanos como plataforma emancipatória, cuja carta de princípios tem ganhado cada vez mais temas: Diversidade Sexual, Gênero, etc. O mesmo para o caso do Direito Ambiental. Existe toda uma questão sobre se devemos tratar esta perspectiva de Direito Humano Ambiental, como leciona o Prof. Klaus Bosselmann . Para mim, esta é uma controvérsia que não faz sentido. Afinal, se os Direitos Humanos enquanto tais visam ao bem-estar individual e o Direito Ambiental visa ao bem-estar coletivo, temos aí uma questão complexa, pois são dois institutos diferentes com perspectivas e racionalidades distintas. Prefiro muito mais uma imersão dos Direitos Humanos naquilo que alguns autores chamam de Socioambientalismo. Esse é o foco da minha pesquisa: uma abordagem do político ao jurídico, e não ao contrário.

Assumir o Direito Ambiental como perspectiva dos Direitos Humanos é mais interessante, pois não se retira o homem de sua matriz moderna. Nele, não se compactua com um pensamento teocêntrico, e se continua acreditando em um pensamento antropocêntrico. No entanto, é um pensamento antropocêntrico mitigado — aquele em que o homem percebe o limite da sua realização ou mesmo da realização destes princípios sem promover a degradação do ambiente. Mesmo que o ambiente continue a ser espaço de realização, ele não subverte esta ordem e não o manipula a qualquer preço.

IHU On-Line – Pensar o Direito Ambiental a partir dos Direitos Humanos tem como lastro o pensamento sistêmico e a virada não humana?
Franclim Brito –
“O mundo em que vivemos é um lugar atomocêntrico”, constata Costas Douzinas . Assim, para se pensar a imersão do Direito Ambiental, ou Socioambiental, na perspectiva dos Direitos Humanos é preciso, a meu ver, uma discussão metodológica que estabeleço em três pontos: na construção dos Direitos Humanos, que metaforizo como homem (pessoa, sujeito e indivíduo); na desconstrução dos Direitos Humanos, como caminho (cidadania; entendida pela crítica de Hannah Arendt , remanescente do pensamento Marxista); e reconstrução dos Direitos Humanos, como Espaço Público (Socioambientalismo). Esta tríade — homem, caminho e Espaço Público — deve ser entendida como desdobramento da ação política qualificada que ressignifica a cidadania (ponto cego dos Direitos Humanos) como global, sobretudo no âmbito Ambiental.

Vale ressaltar que o Direito Ambiental é um conceito muito recente, surge na década de 1950 e se estabelece mesmo na década de 1970. É algo muito novo para nós e carece de uma Epistemologia Ambiental fundamentada. Hoje se legisla muito sobre o Direito Ambiental, mas há muito pouco de uma teoria para que possamos compreender esses outros desdobramentos do campo, tanto jurídicos quanto políticos. Ainda assim, ao se pensar em uma filosofia moderna, sobretudo em Kant , percebemos que a questão ambiental é uma nova forma de racionalidade a este pensamento moderno, em um contexto histórico em que o homem deveria ser por ele mesmo protegido.

IHU On-Line – Existe diferença entre pensar direito ambiental e direito socioambiental?
Franclim Brito –
Há pouco tempo, de 10 anos para cá, vivemos um modismo em relação à sustentabilidade (termo cunhado pelo Relatório Brundtland ). Mas a sustentabilidade é um conceito; é preciso seguir uma série de requisitos para que algo seja considerado sustentável. Socioambientalismo ainda não tem um conceito delimitado — embora tratado a partir da sinergia ambiental-econômico-social —, e acredito que tudo agora se diz socioambiental justamente por esta ausência de conceitos. Por outro lado, compreendo o termo como esta fusão dos direitos sociais com o direito ambiental. E se pensarmos que a população degradadora, aquela que mais compromete o ambiente urbano, são os empobrecidos — comunidades carentes, favelização, aglomerados urbanos —, não é possível mais falar de direito ambiental sem pensar no social. É claro que o “socioambiental” vem de um lastro das conferências internacionais (sobretudo da ONU) onde este conceito aos poucos vai sendo construído, mas é sempre a partir desta perspectiva de unir direitos sociais a direitos ambientais — o que se torna uma discussão jurídica muito interessante, já que ambos são direitos fundamentais. Socioambientalismo, a meu ver, busca desarticular os pilares do desenvolvimento sistêmico que assistimos neste limiar de século, para que um novo fundamento de progresso social seja erigido em uma nova abordagem dos Direitos Humanos.

IHU On-Line – O que é o direito ambiental com perspectiva emancipatória?
Franclim Brito –
Prefiro substituir Direito Ambiental por Socioambientalismo; a discussão se torna muito mais interessante. Existe um movimento crescente de juridicizar o ambiente em nosso meio. O Brasil tem uma farta legislação ambiental que estabelece o que é permitido, o que é proibido e quais os limites da ação humana a partir de uma codificação de direitos. Eu acredito que essa não é a melhor forma de se tratar o ambiente. Penso que o ambiente não deve ser abordado de cima para baixo, através de uma imposição normativa, mas que deve ser tratado como uma autoconsciência do sujeito na ação coletiva. É aí que surge a emancipação. Quando falo em emancipação socioambiental, falo da possibilidade de uma autoconsciência (ética, política, etc.) de ação individual e coletiva. Acredito que a mitigação dos problemas ambientais está muito mais no local ao global do que o inverso.
 
Eu não acredito, por exemplo, em uma conferência da ONU que trate de forma genérica de populações que têm culturas e necessidades de relação com o ambiente totalmente diferentes. É preciso inverter esta lógica. E, ao pensarmos na Rio +20 , a grande frustração foi perceber que não houve nenhuma ligação entre a Cúpula dos Povos e a conferência principal. A Cúpula buscava um processo de emancipação a partir de uma autoconsciência, mas de forma alguma a conferência oficial conseguiu dialogar com este movimento local. E não pensamos “local” por ser do Rio de Janeiro, mas porque diversas “localidades”, de distintas necessidades, se encontravam ali para reivindicar uma forma de sobrevivência ou relação com a natureza.

IHU On-Line – Emancipação, nesse sentido, diz respeito ao ser humano ou ao meio ambiente?
Franclim Brito –
O ambiente não é sujeito de direitos, por isso não pode ser emancipado. A emancipação sempre diz respeito à ação humana. Assim, podemos pensar em uma emancipação jurídica, política e humana. A emancipação socioambiental é uma emancipação humana, na medida em que eu tenho consciência do impacto da minha ação no coletivo social. Ou melhor, autoconsciência das categorias de dependência, concessão e submissão a que estamos alienadamente remetidos; emancipação autoconsciente a partir do abandono progressivo do mito e do preconceito, e a substituição destes pela razão. 

IHU On-Line – Quais são os nexos entre os conceitos de emancipação e de sociedade de risco?
Franclim Brito
– A sociedade de risco, teorizada pelo sociólogo chamado Ulrich Beck , é fundamental para pensarmos não na perspectiva de um sujeito individual, mas de um sujeito coletivo. A modernidade reflexiva de Beck aponta uma configuração social como resquício da produção industrial, de onde advém o conceito de risco. Dessa forma, conclui que vivenciamos uma transformação dos fundamentos da transformação. A produção social de riquezas converteu-se na produção social de riscos, sobretudo os de ordem científico-tecnológicos – o que deflagra a fragilidade da nossa condição.

Já a emancipação está posta como antítese ao insaciável apetite irracional de acumulação de riquezas. Nas palavras de G. Agamben , consumir deixou de ser um ato de uso para o de destruição. Porém, defendo que essa destruição não ocorre racionalmente, mas motivada pela ideologia do progresso pragmático. É como eu, você ou outra pessoa pode se portar frente a questões sistêmicas. Ninguém tem atitudes degradatórias porque gosta, mas porque estamos inseridos em um modelo de desenvolvimento que nos leva a agir dessa forma a partir da ideia de que estamos evoluindo socialmente. No entanto, se a nossa evolução consiste em degradar o ambiente em suas várias manifestações, imediatamente produzimos um risco que se submete à limitação da nossa ação. Algo nos leva a produzir a degradação, e, porque não somos emancipados, ou porque não temos autoconsciência da nossa ação, levamos esta atitude a cabo. Basta pensarmos no que se tornou o marketing ambiental e em como há em nós uma alienação que não nos permite perceber esses limites. Penso que a emancipação entra como uma forma de descortinar uma realidade a que muitas vezes somos levados a agir como bando, não como pessoa.

IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?
Franclim Brito –
A complexificação da sociedade, desde seus habitantes até seu sistema de regras e autorregulação, acomete todas as formas de vida, humana e não humana. Palavras carregadas do sufixo ‘re’ pululam por todas as realidades que buscam [re]entender os fenômenos contemporâneos a fim de [re]orientar a existência com base em paradigmas [re]fundados. Buscam-se, por meio dos mecanismos de que dispõe a inteligência humana, respostas à pergunta crucial sobre o que é o homem, tentando compreender sua origem e destino, mas, ao mesmo tempo, olvidando-se da sua mística, que o faz humano.

Assim, a emancipação socioambiental, imersa no contexto dos direitos humanos, só poderá começar a ser compreendida no conjunto complexo de nossa sociedade, cuja especificidade está na capacidade de se compreender as exigências que se apresentam a partir das questões ambientais prementes. Ou seja, ao lançar os olhos para o ambiente, o ser humano, autoconsciente, deve se reconhecer inserido na dinâmica socioambiental.  

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