Edição 203 | 06 Novembro 2006

Desenvolvimento sustentável: fundamentação teórico-prática

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Alternativas para uma outra economia

O próximo Alternativas para Uma Outra Economia traz o professor da UnB Marcel Bursztyn para falar sobre Desenvolvimento sustentável: fundamentação teórico-prática. O evento acontecerá dia 8 de novembro, às 19h30, na sala 1G119.

Confira a entrevista que o professor concedeu por e-mail à IHU On-Line.

Bursztyn é Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeir, diploma in Planning Satudies pela University of Edinburgh, doutorado em Developpement Economique et Social - Universiéte de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e em Economie - Université de Picardie-França (1988). É autor das obras o Semeador de Utopias (Brasília: Universidade de Brasília, 1998), entre outros. Atualmente, é professor adjunto da Universidade de Brasília, no Departamento de Sociologia e no Centro de Desenvolvimenbto Sustentável.

IHU On-Line - É possível haver desenvolvimento com sustentabilidade? A expressão "desenvolvimento sustentável" é coerente?

Marcel Bursztyn
- A evolução das trajetórias econômicas que marcaram o mundo desde a Revolução Industrial, que se iniciou na segunda metade do século XVIII, tornou necessária a definição de novos conceitos. A expressão desenvolvimento, por exemplo, começa a ser mencionada nos grandes dicionários justamente naquela época. Isso não quer dizer que fosse uma palavra nova. A novidade foi a associação do desenvolvimento a duas características que passaram a ser marcantes a partir dali: a referência a uma territorialidade e o uso como termômetro da dinâmica da economia. Antes, existia desenvolvimento como evolução, avanço, mas não como aumento das atividades econômicas. Por cerca de dois séculos, a expressão desenvolvimento foi usada quase como sinônimo de crescimento. Depois da II Guerra Mundial, tornou-se necessário distinguir o aumento geral das atividades econômicas (crescimento) da melhoria geral das condições de vida das populações (desenvolvimento). Embora o primeiro seja necessário ao segundo, não é condição suficiente. Em muitos países, notadamente no Brasil, percebia-se que a economia (no sentido de produção em geral) podia crescer, sem que os frutos de tal processo revertessem em benefícios a todos os grupos sociais.

O grande boom de dinamismo das economias, verificado nas três décadas subseqüentes à ultima guerra mundial, provocou um efeito colateral: o excessivo consumo de matérias-primas e de energia. E tal problema se agravava porque a população mundial crescia em ritmo acelerado. Por isso, alguns autores chamaram a atenção para os riscos de esgotamento de fontes energéticas (sobretudo petróleo), para a escassez de matérias-primas e para a geração excessiva de resíduos não-degradáveis na natureza. Desse modo, convergiram preocupações de diferentes meios: na academia (com a publicação de estudos que apontavam para tais riscos), nos movimentos sociais (ecologismo) e na política (uma progressiva adoção de políticas e instrumentos de gestão ambiental).

Sustentabilidade

A idéia de sustentabilidade foi resultado de um processo. Já em 1972, quando da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, ficara claro que seria preciso qualificar o “desenvolvimento”, de forma a diferenciar as práticas correntes de degradação ambiental de novos procedimentos, mais condizentes com a percepção da finitude dos recursos naturais. O conceito que se consagrou naquela época foi o de “ecodesenvolvimento”, ou seja, uma compatibilização da dinâmica da economia com os imperativos ecológicos. Quinze anos depois, já no processo de preparação da Conferência Rio-92, surgiu o conceito de “desenvolvimento sustentável”, que na prática é uma evolução daquele anterior. Nos moldes como foi definido, significa buscar o aumento na produção de riquezas, mas sem sacrificar o direito das futuras gerações ao usofruto das mesmas condições ambientais de vida atuais.

A sustentabilidade é possível, mas para isso é necessário uma radical mudança de práticas (do perdulário ao auto-suficiente), de mentalidades (ampliando o conceito de solidariedade para a dimensão temporal, incluindo as futuras gerações), de produção de conhecimentos (menos utilitários e mais coerentes com as condições naturais) e institucionais (criando mecanismos que coíbam atitudes “insustentáveis” e fomentem ações ambientalmente corretas).

IHU On-Line - Qual a avaliação que o senhor faz do governo brasileiro no manejo e uso do meio ambiente?

Marcel Bursztyn
- Não apenas no Brasil, mas em boa parte no mundo, foram criadas, ao longo dos últimos 30 anos, estruturas de governo voltadas ao controle e proteção ambiental. Nosso país criou um organismo específico para esta finalidade já em 1973: a Sema (Secretaria do Meio Ambiente, do governo federal). Em 1989, surge o IBAMA e em 1991 a questão ambiental é guindada à categoria de ministério. A Constituição Federal de 1988 é bem avançada em matéria de proteção ambiental. Ao longo da década de 1990, foram estabelecidos novos mecanismos, como uma complexa teia de áreas protegidas segundo diferentes critérios (variando do impedimento ao acesso ao uso em moldes sustentáveis), uma legislação específica para coibir crimes ambientais e um avançado sistema de monitoramento ambiental. Tudo isso não impede que o problema ambiental se agrave. O avanço do desmatamento na Amazônia é apenas um lado visível e internacionalmente reconhecido da questão. Sob a ótica humana, entretanto, as maiores mazelas ambientais do Brasil seguem sendo as de sempre: saneamento. Com mais de 80% da população vivendo em cidades, problemas como abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, drenagem de águas pluviais e coleta e tratamento de lixo são um desafio a ser enfrentado.
 
IHU On-Line - Na sua opinião, por que a questão ambiental não fez parte dos debates políticos? Como o senhor viu esta questão nas eleições entre Lula e Alckmin?

Marcel Bursztyn
- Realmente, o tema meio ambiente ficou relegado a um plano quase imperceptível nos debates políticos atuais. Evidencia-se que, se por um lado todos são “ambientalistas de carteirinha” (ninguém ousa declarar-se contra esta causa tão universal), por outro, fica claro que o consenso esconde uma perigosa complacência. É como se todos, ao se declararem a favor da causa, se eximissem de enfrentá-la. Uma constrangedora constatação é que a questão ambiental ainda permanece entendida e tratada como uma “limitação” ao desenvolvimento e não como uma condição básica a que tal processo se dê de forma durável (sustentável).

IHU On-Line - Qual seria o projeto ideal para o uso sustentável dos recursos naturais do Brasil? Quais as fontes de energia que devem ser exploradas e como fazer?

Marcel Bursztyn
- O Brasil é rico em fontes energéticas: hídrica, solar, eólica e biomassa, além da fóssil. Podemos desfrutar de uma confortável matriz energética. O ideal seria uma combinação eficiente das diferentes fontes. Isso significa que não devemos mergulhar em fórmulas que no curto prazo podem ser atraentes, mas que implicam impactos no médio e longo prazos. É o caso dos biocombustíveis, que são sem dúvida uma excelente alternativa, mas trazem em si uma armadilha: quanto maior sua produção, maior será a necessidade de abertura de novas áreas de cultivo, ameaçando a integridade de áreas ainda ricas em biodiversidade.

Projeto sustentável

Um projeto sustentável para o Brasil deve combinar nossas potencialidades energéticas e hídricas com nossa formidável riqueza de biodiversidade. Para isso, precisamos investir em ciência e tecnologia e em recursos humanos. No lugar de exportarmos madeira, devemos exportar móveis; no lugar de ervas da Amazônia, devemos exportar fármacos e cosméticos; no lugar de minerais, produtos elaborados, com alto valor agregado. Com isso, gastamos menos nosso “estoque de natureza”, com maior retorno econômico.

IHU On-Line - Qual será o nosso desafio como cidadãos na preservação do meio ambiente? Onde estamos errando?

Marcel Bursztyn
- Sob a ótica individual, como cidadãos, é preciso que cada um cumpra sua parte. Não é possível esperar que apenas os outros o façam. Isso implica mudança de conduta. Nesse aspecto, a educação é fundamental. Novas mentalidades só se conseguem com formação correspondente na escola. Até aqui, erramos em vários pontos: na educação (que não foi estendida a todos e que tem sido voltada a uma visão de mundo na qual a natureza é “matéria-prima” a ser apropriada e não um elemento inerente à própria vida; nas técnicas, que se tornaram ameaçadoras e portadoras de riscos; na regulação pública, que sofreu um período de retração (neoliberalismo), ante à crença de que o mercado por si só regula as ações humanas; no nosso afã consumista, que parece insaciável.

 

 

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