Edição 449 | 04 Agosto 2014

Hegel. Sistema, método e estrutura

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Márcia Junges e Andriolli Costa

Os filósofos Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado, prefaciadores da tradução brasileira da obra de Charles Taylor sobre Hegel, evidenciam o percurso da obra do pensador no Brasil e as contribuições que a publicação vem trazer aos estudos do iluminismo alemão no País

Em 1975, o filósofo canadense Charles Taylor escreveu a obra Hegel, analisando não apenas o pensamento do pensador alemão, como também sua relação com o espírito do tempo — traçando as bases de sua filosofia em três fundamentos: o movimento literário Sturm und Drang, o romantismo e o iluminismo. A obra chega finalmente ao Brasil em 2014 sob o título Hegel. Sistema, método e estrutura (São Paulo: É Realizações, 2014).

Os filósofos brasileiros Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado, responsáveis por escrever o prefácio da tradução brasileira obra, relatam, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que mesmo diante da grande colaboração de escritores, pensadores e tradutores, ao longo das décadas a obra de Hegel sempre foi apresentada em partes aos leitores brasileiros. “Ao apresentar o filósofo na totalidade de sua reflexão, temas e problemas, Charles Taylor ainda o logra fazê-lo expondo os termos técnicos do hegelianismo numa linguagem simples e acessível.”

Ainda de acordo com eles, a obra abre espaço para a discussão de temas como Self, a crise do espaço e do locus da religião na modernidade, a crise do sentido, a desestruturação do modelo moderno da arte, a reconfiguração comunitária e seus padrões institucionais, a reorganização do espaço do político e a relação entre razão e história. “Neste sentido, pode-se dizer que Charles Taylor foi profundamente hegeliano em suas análises, pois procurou compreender, descrever e explicitar Hegel como um filho de seu tempo, oportunizando, com as constatações e respostas hegelianas, índices para as nossas próprias constatações e respostas.”

Agemir Bavaresco possui graduação em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas - UCPel, graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e bacharelado em Direito pela UCPel. Realizou mestrado em Filosofia pela PUCRS e doutorou-se em Filosofia na Université Paris I (Pantheon-Sorbonne); seu pós-doutorado foi na Fordham University. Foi professor visitante na University of Pittsburgh e realizou pesquisa pós-doutoral na University of Sydney. Atualmente é professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS.

Danilo Vaz-Curado é graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - Unicap, onde cursou especialização em Ciências Políticas e atualmente é professor. É mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, com a dissertação Dialética, Religião e a construção do conceito de liberdade nos Theologische Jugendschriften de G. W. F. Hegel. Possui ainda doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, estudando a estrutura lógica do reconhecimento na filosofia de Hegel, com pós-doutorado na mesma universidade. É um dos autores de Carl Schmitt contra o 'Império' (Recife: EdUFPe, 2009) e escreveu A interrogação filosófica no pensamento de Hegel (Munich: Grin Publishing GmnH, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-line - Qual é o esforço e a temática centrais na obra Hegel. Sistema, método e estrutura (São Paulo: É Realizações, 2014), de Charles Taylor?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado - A obra de Charles Taylor , publicada em português pela editora É Realizações, centra-se em apresentar e avaliar o potencial hermenêutico das reflexões hegelianas assumindo um princípio interno à própria reflexão de Hegel , qual seja, a ideia de que a verdade é todo. 

Desta perspectiva, o sistema hegeliano é incitado a explicitar a produtividade de suas reflexões no contexto global da obra, sem cindir o método enquanto movimento do pensar da rede conceitual que se desvela segundo este método, a estrutura. Para atingir uma reflexão que se coloque no estágio de abarcar o todo das preocupações e traduções conceituais do tempo de Hegel, Taylor divide a obra em seis capítulos, os quais vão desde a reconstituição das demandas da razão especulativa até a interrogação acerca da atualidade de Hegel para nosso tempo. 

No percurso de explicitação global do pensamento hegeliano o tema da liberdade é focalizado em diversas perspectivas como aquela do lugar da liberdade na constituição da subjetividade, da política como topos da liberdade comunitariamente mediatizada mediante as instituições, da relação entre a razão e a história e do absoluto como o efetivamente livre.

Assim, a obra Hegel de Charles Taylor apresenta a mais compreensiva meditação, seja na extensão dos temas, como na profundidade da reflexão, do pensamento hegeliano em português.

 

IHU On-line - Em que medida esse livro traz um esforço para que Hegel seja devidamente compreendido?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado - A recepção da obra hegeliana no Brasil é muito rica. Poderíamos citar as primeiras tentativas de Lívio Xavier  em promover a recepção de Hegel ao traduzir, pela editora Athenas, a Enciclopédia das Ciências Filosóficas no ano de 1936, mesmo que de modo incompleto e sem os acréscimos e comentários de Hegel; e as originais contribuições de Cirne-Lima  e sua crítica centrada no reducionismo lógico que Hegel promove na liberdade, padecendo do vício do necessitarismo e que encontram atualização e ampliação em Eduardo Luft .

Seguindo uma perspectiva não necessariamente histórica, poderíamos situar como fundamental na compreensão de Hegel, entre nós, a reflexão de Henrique Cláudio de Lima Vaz , que busca compreender Hegel como o grande caudal no qual a metafísica ocidental se eclipsa através de seu conceito de absoluto, e têm em José Henrique Santos , Joaquim Salgado , Leonardo Alves , entre outros, seus continuadores.

Continuando este percurso, encontramos a obra de Denis Rosenfield  e sua inevitável meditação sobre a relação entre lógica e política como condição da compreensão da liberdade em Hegel, a qual se estende nas ampliações promovidas por Agemir Bavaresco, José Pertille , Inácio Helfer , Pedro Novelli , Eduardo Chagas, entre outros; e em estreita relação com as três anteriores situamos Paulo Meneses  e seu esforço por traduzir e apresentar Hegel em português e relacionar metafísica e cultura como elos indissociáveis da reflexão hegeliana e que atualmente encontra eco na reflexão de Alfredo Morais e Danilo Vaz-Curado.

Num mesmo processo, contudo agudizando verticalmente esta autocompreensão do hegelianismo, chega-se à recepção de Hegel no encontro com Kant como a vem efetivando o Prof. Juan Bonaccini  e à recuperação do potencial hegeliano na reflexão de fronteira entre a filosofia e a teologia com a obra seminal de Marcelo Aquino ; desta à escola de Campinas com Marcos Lutz Müller e seus alunos e orientandos, e mesmo dos colegas alemães que se fixaram no Brasil e deste solo refletem sobre Hegel, como Konrad Utz , Karl-Heinz Efken , Christian Iber , Christian Klotz , entre outros.

Todavia, esta recepção enquanto movimento ao mesmo tempo histórico e filosófico ainda não logrou apresentar Hegel no conjunto de sua obra, temas, problemas e aporias, e se ela auxiliou e auxilia a compreensão de Hegel, entre nós, ela se fez por partes ou tematizações aporéticas, e é exatamente neste ponto que reside a grandeza da obra Hegel de Charles Taylor, pois ao apresentar o filósofo na totalidade de sua reflexão, temas e problemas ainda o logra fazê-lo expondo os termos técnicos do hegelianismo numa linguagem simples e acessível. 

 

IHU On-line - Em que sentido Taylor relaciona Hegel à história da filosofia que o precede e, particularmente, às principais questões intelectuais e espirituais de seu tempo?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado – Na obra, Charles Taylor preocupa-se principalmente em situar Hegel, sua formação e as respostas que ele elabora no desenvolvimento de sua obra na encruzilhada de três grandes processos de autogestação da modernidade, os quais são: a Sturm und Drang , o romantismo e o iluminismo. Tal perspectiva, numa primeira análise, poderia parecer óbvia, pois numa aproximação temporal são estes os movimentos que lhe são postos historicamente, mas a própria obra de Hegel ao se estruturar impõe também numa análise imediata uma aparente rejeição destes temas. 

Taylor traça assim uma grande reconstituição da constelação dos temas e problemas destes três movimentos e os apresenta como a base e o solo para a razão especulativa, o modo próprio a que Hegel chegou em sua reflexão. Ao fazê-lo, Charles Taylor pode encontrar em Hegel e na sua tradução conceitual da realidade a tentativa de explicitar os problemas de sua época, os quais para Taylor, naquilo que eles expressam de fundamental, ainda são os problemas de nossa época. 

Assim, temas como Self, a crise do espaço e do locus da religião na modernidade, a crise do sentido, a desestruturação do modelo moderno da arte, a reconfiguração comunitária e seus padrões institucionais, a reorganização do espaço do político, a relação entre razão e história, entre outros, são os problemas, reciprocamente na análise de Taylor, de Hegel, e nossos.

Neste sentido, pode-se dizer que Charles Taylor foi profundamente hegeliano em suas análises, pois procurou compreender, descrever e explicitar Hegel como um filho de seu tempo, oportunizando, com as constatações e respostas hegelianas, índices para as nossas próprias constatações e respostas.

 

IHU On-line - Como o filósofo canadense analisa os ideais de individualidade e autorrealização no sistema hegeliano?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado - Ao descrever como em Hegel se estruturam os temas conexos da individualidade e a autorrealização, Taylor propõe que é em Herder e não em Aristóteles que Hegel principalmente se inspira, o que conduz a uma original interpretação dos temas da individualidade e da autorrealização no seio do hegelianismo. 

Na perspectiva posta por Hegel, segundo Charles Taylor, a ideia de uma teleologia do incondicionado se esvazia, abrindo espaço para uma compreensão expressivista da individualidade e da autorrealização, pois a subjetividade não se define apenas pela efetivação de propósitos, mas como efetivação e aclaração destes mesmos propósitos enquanto concretização da vida e aclaração de significados, rompendo a clássica dicotomia entre ser e significar. 

Ao conectar individualidade e autorrealização ao projeto expressivista, Taylor pôde postular uma individualidade autodefinitória sem precisar assumir uma objetivação cientificista da natureza, sem cindir humanidade e natureza, deslocando a centralidade do logos para a poiesis, reestruturando a relação linguagem e significado. Assim, Hegel, segundo Taylor, pode assumir o projeto iluminista de Kant sem precisar cindir natureza e humanidade, pode assumir as aspirações da perspectiva romântica sem cair nos unilateralismos, e mesmo incorporar as reflexões da Sturm und Drang sem renunciar à racionalidade filosófica moderna. 

Hegel assume na reflexão tayloriana o indivíduo como dotado de uma razão ampliada que incorpora a sensibilidade e a unifica sem dissolvê-las, razão e natureza, na unidade expressiva íntima a cada individualidade em seu processo de busca de autorrealização.

 

IHU On-line - Qual é a importância da filosofia de Hegel no conjunto da obra desenvolvida por Charles Taylor?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado - Charles Taylor encontra em Hegel a mais compreensiva síntese das questões e problemas de uma conflituosa época, e no seio desta reflexão sistemática vê emergir os limites de uma compreensão unilateral dos problemas especificamente humanos como propostos pela ciência, pelo capitalismo, pela psicologia behaviorista, etc. Parece-nos que Hegel adverte a Charles Taylor que os grandes e fundamentais problemas de nossa época, a de Taylor, encontram sua gestação e estruturação na época de Hegel, de forma que o diagnóstico hegeliano está repleto de acertos, mas suas propostas necessitam ser reavaliadas à luz de nossa época. E é nesta clivagem que Charles Taylor constrói sua obra filosófica dotada de originalidade e fecundidade hermenêutica. 

 

IHU On-line - Quais são as ressonâncias do conceito de aufhebung  hegeliano enquanto discurso sistemático em movimento nas obras Hegel. Sistema, método e estrutura e Hegel e a sociedade moderna, de 2005?

Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado - Tanto em Hegel, publicado pela É Realizações, como em Hegel e a sociedade moderna, publicado pelas edições Loyola, há o desenvolvimento da dinâmica do pensar segundo o ritmo hegeliano, de modo que a aufhebung emerge como uma metacategoria que perpassa tanto o todo da obra hegeliana como o todo da obra tayloriana dedicada a Hegel. 

Assim, Taylor apresenta em suas análises a letra e o espírito do hegelianismo, sem incorrer nas unilateralidades próprias da reflexão que apenas compreende a realidade à luz de contraposições e oposições, como aquelas que, por não refletirem segundo o ritmo da aufhebung, acusam Hegel de ser promotor dos totalitarismos sejam de esquerda ou de direita, ou que o acusam de ser o filósofo da identidade indiferenciada, etc.

 

Leia mais...

- O olhar de Hegel sobre a história e seus heróis. Entrevista com Agemir Bavaresco, na edição 430 da IHU On-Line, de 21-10-2013;

- O trabalho filosófico como síntese da tradição cristã. Entrevista com Danilo Vaz-Curado, na edição 412 da IHU On-Line, de 18-12-2012;

- Hegel. A tradução da história pela razão. Edição 430 da IHU On-Line, de 21-10-2013;

- Fenomenologia do espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. 1807-2007. Edição 217 da IHU On-Line, de 30-04-2007.

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