Edição 447 | 30 Junho 2014

O lugar da informação no ecossistema midiático

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Andriolli Costa / Tradução: Moisés Sbardelotto

Para Joshua Benton, a ideia de uma organização de notícias universal estará limitada a um pequeno número de grandes atores

Ao traçar um panorama do ecossistema midiático contemporâneo, o relatório Jornalismo Pós-Industrial afirma ser impossível olhar para instituições tão diferentes como o Texas Tribune, o blog da Suprema Corte dos Estados Unidos e as redes sociais e enxergar alguma coerência. Da mesma forma, é igualmente impossível lançar os olhos sobre iniciativas de jornalismo sem fins lucrativos, financiamentos via Kickstarter ou cobertura de protestos via telefone celular e convencer-se de que “tornar informações públicas ainda pode ser feito somente por profissionais e instituições”.

Neste contexto de pluralidade de emissores, em que o monopólio da difusão de informação escapa aos meios tradicionais, qual seria o papel do jornalismo? Fazer a curadoria de informações relevantes? Congregar o debate público? Atuar como mediador da sociedade? Para Joshua Benton, diretor do Nieman Lab, o jornalismo sempre exerceu diversos papéis, não apenas o de informar, e continuará a desempenhá-los. “Esse purismo em busca do fato não é útil para as publicações de notícias que tentam sobreviver à transição.”

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Benton fala da relação que sempre existiu entre jornalismo e emoção e sobre o modo como cada veículo encara suas próprias definições de “interesse público” e “interesse do público”. Trata ainda do relatório de Inovação do The New York Times, que descreveu como “um dos documentos mais importantes desta era midiática”.

Joshua Benton é graduado em História pela Yale University. Possui 10 anos de experiência como jornalista profissional, passando por veículos como o The Dallas Morning News. É fundador e diretor do Nieman Journalism Lab, laboratório de qualidade no jornalismo na era digital da Universidade de Harvard criado em 2008. Entre os projetos que desenvolve no Nieman está o Fuego, um bot que rastreia no Twitter o que se fala sobre o futuro do jornalismo (http://bit.ly/fuegonlab).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O Nieman Lab existe desde 2008, com uma equipe dedicada a pensar o jornalismo em tempo integral. De lá para cá, você percebeu mudanças na relação do jornalismo com as novas mídias? O projeto Riptide  foi capaz de dar bons insights sobre isso?
Joshua Benton -
Muitas mudanças. De modo geral, as empresas de notícias perceberam que seus modelos antigos não funcionarão para sempre e que o ajuste a um futuro digital não é uma opção, é uma necessidade. É claro que essas mudanças estão acontecendo em velocidades diferentes entre países, entre meios de comunicação e entre publicações, mas estão acontecendo em todos os lugares. Há também uma nova classe de organizações noticiosas nativas digitais que não existiam na mesma quantidade em 2008. Essas organizações estão traçando uma série de caminhos a seguir que podem ser sustentáveis.

IHU On-Line – Em texto publicado no Nieman Lab, você descreve o relatório vazado do New York Times como “um dos documentos mais importantes desta era midiática” . Em que o relatório é tão revelador?
Joshua Benton -
É revelador porque ele não era para consumo público (ou mesmo para o consumo da redação do Times), por isso ele é incomumente honesto em detalhar as questões culturais no cerne de qualquer organização noticiosa tradicional que tenta se tornar mais digital. As lutas pelo poder, as regras antigas que permanecem inflexíveis, os fluxos de trabalho e as prioridades de natureza centrada na imprensa — tudo isso existe em milhares de redações ao redor do mundo. O relatório pode servir como consultoria gratuita para as redações do mundo.

IHU On-Line - No relatório do Times, descobrimos que a maioria dos acessos do jornal não vem mais da homepage. Buscar a “primeira página”, como na lógica do impresso, ainda faz algum sentido? Em que isso pode implicar no fluxo de trabalho das redações?
Joshua Benton -
Os números variam de site para site, mas, em termos gerais, a distribuição social está aumentando, e isso acontece no nível da página do artigo com mais frequência. Então, certamente não há nenhuma garantia de que o seu leitor está acessando todo o pacote que você montou para ele. Isso sempre foi verdade — mesmo na imprensa, havia pessoas que pulavam direto da capa para a seção de esportes, por exemplo — mas, no ambiente online, isso é cada vez mais verdadeiro. O relatório do Times tem uma boa seção sobre a tirania da página 1 impressa como uma força organizadora do dia — a página inicial do site [homepage] não tem exatamente o mesmo impacto, mas ainda é uma força organizadora, cuja importância varia da redação para a audiência. Cada história, até certo ponto ao menos, luta pela sua própria vida.

IHU On-Line – Pensando nos compartilhamentos sociais como determinantes para a circulação e recirculação dos conteúdos, e tendo em vista sites como Buzzfeed e Upworthy, percebe-se que o engajamento se dá mais pelas emoções geradas  (tanto positivas quanto negativas) do que pelo valor-notícia do acontecimento. O jornalismo dos novos tempos deve redefinir seu conceito de notícia para se enquadrar na lógica do compartilhamento?
Joshua Benton -
Primeiramente, é falso acreditar que a emoção não era uma grande impulsionadora de notícias antes da web. Basta ler qualquer jornal tabloide ou assistir a um gato sendo resgatado de uma árvore em um programa de televisão. Sempre houve uma audiência que quer sua notícia de forma direta e sem emoção, mas essa audiência também sempre foi menor do que a audiência que quer algo mais. Cada organização de notícias decidirá por si mesma onde quer ficar nesse espectro. Mas, de um modo geral, a postura “objetiva” e reservada de algumas organizações tradicionais de notícias é mais propensa a ser desafiada no ambiente online. Isso não significa que todo mundo se torne Upworthy, mas significa, sim, que vale a pena assisti-los.

IHU On-Line – Se informar prova-se insuficiente, qual o papel do jornalismo hoje? Fazer a curadoria de informações relevantes? Congregar o debate público? Atuar como mediador da sociedade?
Joshua Benton -
Eu não concordo com esta premissa. O jornalismo sempre fez um monte de coisas e desempenhou muitos papéis. Ele vai continuar a fazer um monte de coisas e a desempenhar muitos papéis, inclusive os que você menciona. Esse purismo em busca do fato não é útil para as publicações de notícias que tentam sobreviver à transição.

IHU On-Line - Equalizar “interesse público” e “interesse do público” sempre foi uma constante na imprensa. É mais difícil realizar esta equação no ambiente digital com as métricas de pageviews? Como escapar da redução ao sensacionalismo, às soft news e aos fait divers?
Joshua Benton -
Novamente, eu não concordo com a premissa. Ela nem sempre tem sido uma constante. Diferentes organizações de notícias, incluindo diferentes organizações de notícias muito boas, tiveram ideias muito diferentes sobre o que era de “interesse público” ou de “interesse do público”. Os jornais publicavam horóscopos, dicas de jardinagem, anúncios classificados, receitas, colunas esportivas, histórias em quadrinhos, reportagens investigativas, relatórios de vigilância. Cada publicação terá que definir o valor que proporciona à sua audiência.

IHU On-Line – Com a pluralidade de vozes da internet — muitas destas de especialistas em seus respectivos nichos — que alcance resta a uma imprensa que ainda busca realizar uma comunicação massiva?
Joshua Benton -
A mídia de massa não está morta, mas está sendo concentrada em novas formas. A geografia, por muito tempo uma restrição para a distribuição de ambos os modelos, impresso e de radiodifusão, está diminuindo em importância, o que incentiva novos atores de nichos nacionais e globais. Em grande parte, isso é uma coisa boa, uma vez que os interesses de um indivíduo são definidos para além da sua latitude e longitude. A ideia de uma organização de notícias universal estará limitada a um pequeno número de grandes atores.

IHU On-Line – Quais ações de inovação você tem acompanhado para o jornalismo para TV ou para rádio? O futuro é a convergência para os meios digitais?
Joshua Benton -
A TV e o rádio não foram tão afetados quanto os jornais, por isso tem havido menos inovação por lá. E as primeiras gerações da web favoreceram o texto como formato, de modo que os maiores inovadores online tinham mais em comum com uma herança impressa do que com a da radiodifusão. A televisão também é protegida por um custo mais alto de acesso para a produção de vídeo de qualidade e por uma complexa rede de relações de negócios com anunciantes e plataformas de distribuição. Os próximos cinco a dez anos serão fundamentais.

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