Edição 443 | 19 Mai 2014

A produção de energia como desafio ao aquecimento global

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Patrícia Fachin

Para o engenheiro Roberto Schaeffer, a discussão sobre as mudanças climáticas ainda não ingressaram na agenda do setor energético brasileiro

O Summary for policymakers – SPM (em tradução livre para o português: Resumo para gestores públicos) do relatório de Mitigações do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - IPCC, que foi aprovado por representantes de aproximadamente 190 países no mês passado, na Alemanha, “ficou um documento frouxo, sem uma mensagem clara”. A afirmação é de Roberto Schaeffer na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line e publicada no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU em 13-05-2014. 

O resumo tem cerca de 30 páginas, é direcionado especialmente para os tomadores de decisão política, ou gestores públicos, e foi elaborado a partir das informações do relatório de Mitigações, finalizado no final do ano passado.

De acordo com Schaeffer, “as questões de como as emissões de gases de efeito estufa estão crescendo e como a maior parte do crescimento tem se dado em países de rápido desenvolvimento, como China, Brasil, Índia, foram amplamente relatadas no relatório final. Contudo, no SPM, nem China, nem Brasil, nem Índia deixaram essa informação aparecer no relatório, porque acham que isso poderia ser uma punição ou ter um peso desfavorável para eles nas negociações do clima que vão ocorrer no ano que vem em Paris, quando se negociará um regime que passará a vigorar em 2020 e substituirá o Protocolo de Kyoto ”. Para ele, com base no relatório final sobre as Mitigações, é “evidente que há um grupo de países em desenvolvimento, como China, Índia, Brasil e África do Sul, que lidera o aumento das emissões”. Entretanto, ressalta, “essa informação estava no SPM e foi vetada”.

O engenheiro Roberto Schaeffer acompanha a elaboração dos relatórios do IPCC sobre Mitigações e explica que hoje a realidade acerca dos países que mais emitem gás carbônico é diferente de anos atrás, quando foi elaborado o Protocolo de Kyoto e se dividiam os países em Anexo I, os responsáveis pelas emissões, e Não Anexo I, os que não tinham responsabilidade em reduzir emissões. Hoje, esclarece, as discussões acerca das emissões devem ser feitas a partir de dois grupos de países: os desenvolvidos e os em desenvolvimento, mas as nações que mais se desenvolveram nos últimos anos não aceitam essa alteração.

“Tivemos de apagar uma série de gráficos nos quais essa informação aparecia, porque China, Índia e Brasil não concordavam que, na linguagem do SPM, aparecesse outra coisa que não fosse Anexo I e Não Anexo I, justamente porque, quando se usa essa linguagem todos os países ficam no mesmo ‘saco’. A China, por exemplo, fica no mesmo comparativo que um país pobre da África, da Guatemala, do Haiti, que não emitem nada”, relata. Segundo ele, os representantes brasileiros também não veem com bons olhos “o questionamento à possível sustentabilidade dos biocombustíveis, porque o programa do etanol brasileiro tem um peso bastante grande, apesar de estar em franca decadência”.

Na avaliação de Schaeffer, uma das principais conclusões do relatório de Mitigações do IPCC é a de que o setor energético é o mais crítico em relação às emissões. “Se em alguns países o desmatamento era a grande questão anos atrás, hoje, no mundo como um todo, a grande questão é a da energia. Entenda-se essa questão como da energia em geral, ou seja, a energia do setor de transportes, que é basicamente o petróleo, a energia utilizada na indústria, que tem um pouco de carvão e de petróleo, a energia elétrica, a energia nuclear, etc.”, pontua.

Roberto Schaeffer é professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, com atuação no Programa de Planejamento Energético da Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia/UFRJ. Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, mestrado em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela UFRJ, doutorado e pós-doutorado em Política Energética pela University of Pennsylvania, Estados Unidos. Foi Membro do Comitê Internacional de Avaliação dos programas de pesquisa em Energia - ENE, Transições para Novas Tecnologias - TNT e Mitigação de Poluição do Ar e Gases de Efeito Estufa - MAG do International Institute for Advanced Systems Analysis, na Áustria. 

Confira a entrevista. 

 

IHU On-Line - Quais são os principais apontamentos do relatório Summary for policymakers - SPM do IPCC acerca das Mitigações, lançado em Berlim nos últimos dias? 

Roberto Schaeffer – Primeiro, gostaria de esclarecer que o IPCC tem três grupos: o grupo I, sobre “Bases Físicas da Mudança Climática”, o qual foi lançado no ano passado; o grupo II, dos “Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação”, que trata das implicações da agricultura e da saúde às mudanças climáticas, o qual foi lançado no Japão alguns meses atrás; e o grupo III, no qual eu trabalho, que é o de Mitigação, e trata do que pode ser feito para reduzir as emissões. 

Há três semanas, em Berlim, foi publicado o Summary for policymakers – SPM do relatório de Mitigações, que é um sumário para os tomadores de decisões. O SPM é um relatório de não mais de 30 páginas, ou seja, um resumo do relatório completo, o qual tem mais de mil páginas, e não é submetido à aprovação dos Estados. Esse relatório completo é elaborado ao longo dos anos, circula entre cientistas e governos, os governos se manifestam, criticam, e os cientistas acatam ou não as críticas, mas não há nenhum tipo de ingerência política sobre ele. É realmente um relatório técnico, que será lançado em setembro ou outubro, em forma de livro, e nos próximos dias deve estar disponível na internet. 

Esse relatório final sobre as Mitigações, que foi concluído em dezembro do ano passado, ainda não foi lançado porque o relatório SPM — esse de 30 páginas — tem que ser aprovado, frase por frase, por cerca de 190 governos. Então, na semana em que estive em Berlim, lemos linha por linha do que foi posto pelos governos. Se, durante esse processo, se aprova ou desaprova algo que entra em conflito com o relatório completo, pode-se vir a revisar o relatório completo, mas somente se for demonstrado que há uma incompreensão científica nele. Afora isso, o relatório completo, finalizado em dezembro, é ‘imexível’. 

O SPM foi aprovado pelos governos com uma série de cortes; não ficou do jeito que os cientistas queriam, mas eles entendem que o sumário tem, de fato, um viés político, mas nada do que foi ou não aprovado entrou em conflito com o relatório final.  

Então, tem o relatório final que ficou pronto em dezembro e será lançado na forma de livro nos próximos meses, e tem o SPM, que foi aprovado linha por linha e vai virar uma pequena publicação independente, apesar de também ser inserido no livro. Mas esse relatório tem uma ingerência política muito grande. O que estou querendo dizer com isso? Vamos supor — e é verdade — que, nesse SPM original que produzimos, apontamos que um dos problemas dos excessos de emissões de gás carbônico é o subsídio que existe no mundo hoje aos combustíveis fósseis. A Arábia Saudita não gostou do termo “subsídio” e pediu para retirá-lo do relatório. Apesar de essa palavra estar contemplada no relatório completo, o qual a Arábia Saudita não tem poder de vetar, porque se trata de um relatório de cientistas, no relatório SPM ela tem esse poder. Então, esse SPM foi um pouco censurado porque, visto que tem aproximadamente 30 páginas, é o mais fácil de ser difundido e lido pelos jornalistas. 

Até o final do ano sairá um terceiro relatório, que é o chamado relatório síntese, o qual irá sumarizar em 100 ou 200 páginas os três grupos. Então, o IPCC tem sete relatórios: um relatório completo para cada grupo, um SPM para cada grupo, e um relatório síntese que inclui todos os grupos. Neste último também não há ingerência política; é um relatório técnico. Agora que acabou o processo e foram publicados os relatórios dos três grupos, um grupo pequeno de cientistas — eu não estou incluído nesse processo — irá produzir esse relatório síntese.  

 

IHU On-Line - Quais as posições dos governos de modo geral em relação ao SPM? Quais foram os pontos de conflitos? 

Roberto Schaeffer – Quando se critica o uso de energia nuclear, o governo X não gosta. Quando se faz crítica ao uso de carvão, a China não gosta. Quando se tece algum comentário sobre a sustentabilidade dos biocombustíveis, o Brasil não gosta. Então, de fato, acaba ficando um relatório meio sem graça, porque não se pode falar nada que gere suscetibilidade de um possível governo. 

 

IHU On-Line – O SPM se descaracterizou com as intervenções políticas dos Estados? 

Roberto Schaeffer – Sim. Ficou um documento frouxo, sem uma mensagem clara. Por exemplo, as questões de como as emissões de gases de efeito estufa estão crescendo e como a maior parte do crescimento tem se dado em países de rápido desenvolvimento, como China, Brasil, Índia, foram amplamente relatadas no relatório final. Contudo, no SPM, nem China, nem Brasil, nem Índia deixaram essa informação aparecer no relatório, porque acham que isso poderia ser uma punição ou ter um peso desfavorável para eles nas negociações do clima que vão ocorrer no ano que vem em Paris, quando se negociará um regime que passará a vigorar em 2020 e substituirá o Protocolo de Kyoto.

Quando se aprovou o protocolo de Kyoto, em 1997 — que de fato entrou em vigor em 2005, para tratar do período de 2005 a 2012, e que foi prorrogado para 2012-2020 —, dividia-se o mundo em países do Anexo I e países Não Anexo I, porque havia um anexo ao protocolo de Kyoto, no qual se listavam países que teriam responsabilidades para reduzir as emissões, ou seja, basicamente os países desenvolvidos, como EUA, Alemanha, Japão, etc. Essa divisão foi feita porque se entendia, naquele momento, e era correto, que se tinham países desenvolvidos e outros em desenvolvimento, e que o verdadeiro ou o grande estoque de gás de efeito estufa que estava levando o clima a se alterar era devido às emissões dos países desenvolvidos. Assim, os países do Anexo I tinham compromisso e os países do Não Anexo I não tinham compromisso; 25 anos depois, tudo mudou, e o país que mais emite gás carbônico é a China e em terceiro lugar é a Índia. Brasil e México são países que emitem bastante. Então, no relatório do IPCC optamos por abandonar essa linguagem de Anexo I e Não Anexo I, e adotar uma linguagem utilizada pelo Banco Mundial, que é de países desenvolvidos e em desenvolvimento de alta renda, de média renda, de baixa renda.

Nesse relatório completo, agrupamos e sinalizamos como as emissões estão se dando segundo os diferentes grupos de países. Fica evidente que há um grupo de países em desenvolvimento, como China, Índia, Brasil e África do Sul, que lidera o aumento das emissões. Essa informação estava no SPM e foi vetada. Tivemos de apagar uma série de gráficos nos quais essa informação aparecia, porque China, Índia e Brasil não concordavam que, na linguagem do SPM, aparecesse outra coisa que não fosse Anexo I e Não Anexo I, justamente porque quando se usa essa linguagem todos os países ficam no mesmo “saco”. A China, por exemplo, fica no mesmo comparativo que um país pobre da África, da Guatemala, do Haiti, que não emitem nada. China e Brasil, portanto, não concordaram que fosse dado esse zoom, que mostra que dentro dos países em desenvolvimento já têm alguns que são grandes emissores, os quais devem ter mais comprometimento com a redução das emissões. 

O relatório final tem todas essas informações, mas poucas pessoas na vida terão tempo de ler um documento de quase duas mil páginas. Então, a grande negociação a acontecer em Paris pode ser enviesada pelo SPM, quando ele, de fato, não diz muita coisa. 

 

IHU On-Line – O Brasil se posicionou contrário a que outras questões apontadas pelo SPM?

Roberto Schaeffer – O Brasil não gostou do agrupamento dos países numa formulação que não seja Anexo I ou Não Anexo I. O país não quis sair nessa fotografia. O Brasil também não vê com bons olhos o questionamento à possível sustentabilidade dos biocombustíveis, porque o programa do etanol brasileiro tem um peso bastante grande, apesar de estar em franca decadência. O programa do biodiesel tem um porte razoável, mas não é verdade que todos os biocombustíveis são uma maravilha. Há alguns que têm levado ao desmatamento, por exemplo. Não é o caso do Brasil, e há certo reconhecimento internacional do etanol brasileiro, o qual se destaca em termos de sustentabilidade, porque gera emprego, não implica desmatamento. No SPM não é desejável que se dê um zoom de país por país, mas se fala que os biocombustíveis podem ser uma alternativa aos combustíveis fósseis, porém há de se preocupar com a questão da sustentabilidade. Aí o Brasil já não gostou dessa redação, porque entendeu que alguém poderia interpretar que se estava questionando a sustentabilidade do programa do álcool brasileiro.   

 

IHU On-Line – E isso teria uma implicação negativa nas vendas.

Roberto Schaeffer – Exatamente. Quando se falou que o carvão é um combustível complicado, que é preciso buscar alternativas que utilizem menos carbono, a China não gostou, porque ela é movida a carvão. As críticas mais duras em relação à energia nuclear, por exemplo, não são bem recebidas pela França, porque isso corresponde a 70% na sua matriz elétrica. O SPM é negociado entre os governos e o relatório completo não se refere a nenhum país específico, porque tem de ser relevante para a formulação de políticas, mas não pode ser prescritivo em relação ao que deve ser feito.

Então, nesse sentido, o IPCC elenca quais são os impactos, os custos e potenciais das diferentes alternativas de mitigações possíveis, sem dizer quais devem ser tomadas. Então, no caso do setor elétrico, por exemplo, para se manter a temperatura dentro de certo patamar, tem que começar a descarbonizar o setor elétrico do mundo. O que isso significa? Sair de combustíveis fósseis com alto teor de carbono, como o carvão, e migrar para combustíveis com menos carbono, como o gás natural, ou melhor ainda, para combustíveis ou fontes de energia com emissão zero, como energia eólica ou solar. Essas são opções, e elencamos quanto custa cada uma, quanto se pode esperar de cada uma, qual o potencial de cada uma. Mas é o tomador de decisão de cada país que vai decidir. Vamos supor que a tecnologia mais barata para o Brasil seja a energia eólica, mas o Brasil pode preferir a solar, porque esta vai gerar mais empregos para o país. O relatório do IPCC toma o cuidado de não ser prescritivo, mas diz que se o país quiser manter a temperatura do planeta considerada segura no século XXI, o setor de transporte terá de mudar radicalmente.

Nesse sentido, o setor de transporte precisará ou se tornar mais voltado para o transporte público, ou o setor de transporte em geral terá de se eletrificar; ele se eletrificando, será necessária uma matriz elétrica com baixa emissão de carbono, etc. 

 

IHU On-Line – Que relações se estabelecem entre planejamento energético e as mudanças climáticas? Em que consistiria um planejamento energético que leve em conta os relatórios do IPCC? 

Roberto Schaeffer – Uma das conclusões que se pode tirar do IPCC é que o setor mais crítico é o da energia. Se em alguns países o desmatamento era a grande questão anos atrás, hoje, no mundo como um todo, a grande questão é a da energia. Entenda-se essa questão como da energia em geral, ou seja, a energia do setor de transportes, que é basicamente o petróleo, a energia utilizada na indústria, que tem um pouco de carvão e de petróleo, a energia elétrica, a energia nuclear, etc.

No Brasil, até recentemente, o desmatamento era a maior fonte de emissões; já não é mais. Hoje, o setor de energia empata com o setor agrícola e pecuário, e rapidamente vai desempatar — se é que já não desempatou. O Brasil tem de começar a se preocupar com o consumo de energia, porque o setor elétrico começa a se tornar mais térmico: há uma tendência de expansão do setor de carvão e de gás no Brasil, o que significa aumento das emissões. No setor de transportes, há uma tendência de aumento da participação dos derivados de petróleo, dado que o Brasil, equivocadamente, está “matando” álcool, no sentido de que tem havido um aumento absurdo do consumo de gasolina no país. De maneira geral, o setor energético está indo na contramão no sentido de aumentar suas emissões, quando deveria reduzi-las.

Claro que há questões técnicas por trás disso: até hoje, aproximadamente 90% da energia elétrica brasileira vinha de hidrelétricas. Mas atualmente não há mais como o Brasil fazer tantas hidrelétricas assim, porque isso implica outros problemas, como a invasão de áreas indígenas, perda da biodiversidade. Obviamente que as restrições para a expansão da hidroeletricidade no Brasil explicam, em parte, a expansão do carvão e do gás natural. Mas também falta incentivo para as fontes renováveis. De fato, as discussões acerca das mudanças climáticas não entraram na agenda do setor energético brasileiro.

 

IHU On-Line – O desmatamento passou a ser um problema secundário no impacto das mudanças climáticas? Isso significa que os governos realizaram ações nesse sentido para conter as emissões?

Roberto Schaeffer – Sim, e, no caso brasileiro, há um reconhecimento internacional do trabalho feito. O fato é que houve uma crise de desmatamento no Brasil no começo dos anos 2000, e o pico da emissão brasileira foi em 2004, mas uma série de ações tomadas pelos governos, seja de policiar a Amazônia com a Polícia Federal, multar e prender as pessoas que desmatavam, ou ter uma vigilância por helicóptero e por satélite, contribuíram para mudar essa situação. Nesse sentido, segundo a Cartilha da Embrapa, não pode haver agricultura na Amazônia brasileira e isso contribui para a preservação da região. 

Há um certo entendimento de que o desmatamento no Brasil estaria controlado, o que não quer dizer que se se afrouxar a política de preservação, não se volte a ter um problema nessa área. 

 

IHU On-Line – O desenvolvimento econômico é um implicativo às mudanças climáticas? É possível desenvolver e não agravar a situação climática?

Roberto Schaeffer – Esse debate surgiu nas discussões do SPM e foi “um pouco vetado”. As duas causas das mudanças climáticas são o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico. Mas isso não significa que o desenvolvimento econômico não é desejável. 

O que gera emissões é o fato de as pessoas terem carro, mas, por outro lado, o fato de elas terem carro dá a elas uma qualidade de vida melhor do que se elas tivessem de se locomover a pé, por exemplo. Então, o diagnóstico é que o desenvolvimento econômico mais o crescimento populacional levam a mais emissão, se nada for feito. Aí entra o IPCC. Dado que essas são as duas forças motrizes para ter mais emissão de gás carbônico, a pergunta do IPCC é: como reduzir as emissões?

Nos países em que há desenvolvimento econômico, é preciso buscar ações para que cada dólar do PIB da economia emita menos. O que significa isso? Significa que cada camisa que se produz tem de ser feita com menos energia, ou com energia que emita menos carbono, de maneira que se possa ter desenvolvimento econômico com menos emissões.

O IPCC não gira em torno a uma crítica ao desenvolvimento econômico ou à população, mas, dado que existem problemas, como continuarmos fazendo as mesmas coisas com menos emissão? Então, se é para ter carro, tem de ser carro mais eficiente do que o que temos hoje. Se o carro médio brasileiro hoje faz dez quilômetros por litro, ele poderia facilmente fazer vinte ou trinta, só que ele não aceleraria de 0 a 100 em oito segundos, ou talvez não seria um carro de duas toneladas, no qual cabem seis pessoas. Então, se é para ter carro, é para ter carro eficiente, ou carro menor, ou com um motor melhor, ou rodando com um combustível melhor ou com eletricidade. Mas talvez melhor do que carro é ter transporte público. Dentre as opções do transporte público, entre ônibus a diesel e metrô à eletricidade, o metrô à eletricidade é melhor. 

 

IHU On-Line – O senhor já colaborou com organismos internacionais, órgãos de governo e empresas públicas e privadas. Como a relação entre planejamento energético e mudanças climáticas tem sido tratada nestas diferentes áreas? 

Roberto Schaeffer – Tecnicamente, a solução é muito simples. Não é por falta de tecnologia, por falta de saber o que fazer, que as mudanças não são feitas. É óbvio que todos sabem que Rio de Janeiro, São Paulo ou qualquer outra grande cidade do Brasil estaria muito melhor se tivesse um sistema de metrô sofisticado e bem feito. Agora, como convencer o prefeito do Rio de Janeiro a fazer mais linhas de metrô se o investimento inicial é absurdamente grande, se vai demorar de 5 a 10 anos para concluir a obra, e o metrô só ficará pronto quando ele, prefeito, já não será mais prefeito, e quem vai faturar em cima do fato de o Rio de Janeiro ter um belo sistema de metrô é o prefeito que irá inaugurá-lo daqui a 10 anos? 

Então, ainda que tecnicamente a solução seja quase que trivial, politicamente e economicamente ela é complicadíssima, porque estamos falando de um problema que não se resolve de uma hora para outra, que precisará ter investimentos no curto prazo. Nenhum político faz alguma coisa para entregar de bandeja para o próximo. Tudo de errado que a [presidente] Dilma Rousseff está fazendo agora é uma conta que ela está deixando para o próximo presidente. Foi, em certo sentido, o que o [ex-presidente] Lula fez com a própria Dilma. Quando o Brasil cresceu 7,5% no último ano do governo Lula, ele estava fazendo tudo errado [em termos climáticos], para o problema aparecer no governo seguinte. A discussão acerca das mudanças climáticas vai por aí, porque são decisões que afetam relativamente tudo na economia, porque, se é para ter transporte público de qualidade, será preciso mexer nas cidades, se criarão brigas com a indústria automobilística, com a indústria do petróleo, do carvão, etc., e não se verá o resultado no dia seguinte. Os governos em geral estão empurrando o problema das mudanças climáticas com a barriga. A solução técnica é trivial, mas a implementação da solução trivial não é trivial. 

 

IHU On-Line – O acordo para substituir Kyoto tende a levar em conta o limite para o aumento da temperatura climática? 

Roberto Schaeffer – Ninguém sabe qual será a “cara” desse acordo. Há um certo consenso entre os cientistas de que o limite considerado seguro para a temperatura máxima que o planeta ainda pode se elevar é em torno de dois graus em relação ao que era a temperatura do planeta na era pré-industrial. Desses dois graus, já subimos 0,7 graus centígrados. Então, teoricamente, mais 1,3 graus ainda é seguro. O que queremos dizer com a palavra seguro? Entende-se que a agricultura não será tão violentamente afetada, entende-se que a proliferação de doenças como dengue e malária poderão ser controladas, entende-se que a elevação média do nível dos oceanos será razoável para as cidades conseguirem lidar com isso. Para ficar dentro dos dois graus centígrados, há um certo consenso científico de que mais ou menos se teria de chegar em 2050 com emissão entre 50, 80% mais baixas do que são hoje — estou arredondando os dados para ficar mais simples. Mas não são todos os governos que irão querer comprar essa briga de reduzir as emissões pela metade. O que se espera para Paris é algum acordo, sim, mas se será um acordo suficientemente duro para fazer o mundo convergir para os dois graus centígrados, eu duvido um pouco.  

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