Edição 202 | 30 Outubro 2006

“Estamos consumindo a Terra”

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Publicamos uma reportagem do jornal italiano Repubblica, 25-10-2006, e uma entrevista com Pascal Acot, pesquisador do CNRS de Paris e autor de livros sobre a história da ecologia. Segundo ele, o impacto do petróleo e do carvão sobre mudanças climáticas é evidente e nos constrangerá a buscar fontes alternativas. Leia a reportagem e a entrevista.

Eis a reportagem:

Em questões da natureza, como em economia, as contas devem andar equilibradas: só é possível endividar-se em condições de restituir. Ao utilizar os recursos da Terra, esta regra elementar foi negligenciada: retiramos mais água, mais minerais, mais árvores, mais peixes do que a quantidade que os ecossistemas podem produzir, ou seja, estamos comendo nosso capital, devoramos o ambiente com uma velocidade tal que terminamos com muitas das belezas que nos circundam.

Por 2050, esta voracidade terá atingido o seu acme; para sobreviver, necessitaremos de dois planetas, porque a riqueza do nosso bastará apenas para a metade da humanidade. É esta a previsão contida em Living Planet Report 2006, o último relatório do WWF. Um estudo que analisa com frieza contábil o andamento dos bens naturais, sem os quais os seres humanos não estão em condições de sobreviver. A pressão da humanidade pode ser imaginada como uma pegada ecológica, um sinal que no início era quase invisível e que hoje está gravado a fogo no avanço dos desertos, no derretimento das geleiras, no desaparecimento de boa parte dos 5 a 10 milhões de espécies com que compartilhamos o Planeta.

Em 2003, a pegada ecológica, isto é, o espaço requerido para as pastagens, as florestas, os lagos, as cidades necessárias para satisfazer a demanda de bens e serviços, era de 2,2 hectares por pessoa, enquanto a biocapacidade, isto é, a oferta do Planeta de recursos renováveis, era de 1,8 hectares por pessoa. Cobrir esta diferença de imediato é fácil, como ir ao banco e solicitar dinheiro emprestado, pelo menos até o limite que concedem.

Quando se começaram a fazer os cálculos da pegada ecológica – em 1987 – descobriu-se que o vermelho era modesto. Como se durante todo o ano conseguíssemos equilibrar as contas e somente em 19 de dezembro, encontrando-nos a zero, fôssemos obrigados a endividar-nos para as festas natalinas. Em 1995, a data em que a humanidade andava no vermelho se adiantara para 21 de novembro. Ao soar o ano 2000, encontramo-nos no aperto já em primeiro de novembro. E, neste ano, esgotamos os recursos renováveis no dia 9 de outubro. Em torno de 2050, seremos obrigados a solicitar um empréstimo no dia 1º de janeiro.

O problema é que um empréstimo deste tamanho não está disponível. Pelo contrário, os recursos naturais a obter diminuem ano após ano e por isso se torna sempre mais dispendioso arrancar o ferro, a água, o cobre e os cereais necessários para manter um duplo crescimento vertiginoso: aumenta o número dos seres humanos (se estabilizará em torno de 9 bilhões no decurso do século) e aumenta o consumo per capita (como mostra a explosão chinesa).
A amplitude do colapso dos ecossistemas, - o banco no qual até agora tomamos emprestado, - se deu pelo desaparecimento das espécies vivas, engolidas pelo abismo em que acaba o seu habitat: as florestas pluviais, os mangues, as pradarias desfeitas para dar espaço à esfera do homem. O processo cresce a um ritmo tal que impele muitos biólogos a falarem de sexta extinção em massa, a primeira causada pelos seres humanos.

Estamos eliminando a vida em um ritmo que é aproximadamente de um por cento ao ano: entre 1970 e 2003, o índice das populações de vertebrados, que compreende 1.3.13 espécies, caiu 30 por cento. E a bolsa da biodiversidade viaja em direção fixa: para baixo.

Eis a entrevista com o ecologista Acot:

“A idéia da pegada ecológica para calcular os consumos individuais é interessante, mas não basta. Não podemos limitar-nos a convidar os cidadãos a economizar luz e a reciclar a água das duchas: pode até ser contraproducente pensar que tudo depende das decisões individuais. Eu entendo que o responsável principal da destruição da natureza esteja individuado em escolhas políticas que envolvem a coletividade”.

Pascal Acot, pesquisador do CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica) e autor de livros sobre a história da ecologia, comenta de maneira crítica o Living Planet Report.

Do estudo do WWF não emerge uma responsabilidade indistinta. Antes, do cálculo da pegada ecológica se deduzem diferenças ligadas às escolhas dos vários países: um habitante dos Estados Unidos necessita de 9,5 hectares, um grego de 5, um italiano de 4, um da Somália de meio hectare.

“Por certo, uma leitura desagregada é mais útil do que uma visão que faz do homem, interpretado numa abstração anti-histórica, o responsável pela devastação da natureza. É preciso conseguir individuar os mecanismos econômicos concretos que nos arrastam para uma situação sempre mais insustentável”.

Por exemplo?

“O sistema energético baseado em combustíveis fósseis. Atualmente não há mais dúvidas sobre a influência antrópica no processo de mudança climático e esta influência se dá principalmente pelo consumo de petróleo, carvão, metano. É um quadro dramaticamente claro ante o qual golpeia a inércia do sistema político que continua não adotando as medidas necessárias para mudar este modelo suicida: relançar a eficiência energética e os renováveis, deslocar o tráfego sobre as linhas férreas e o da navegação, construir edifícios mais inteligentes”.

Não pensa que também milhões de pequenos gesto cotidianos errados dêem uma contribuição negativa importante?

“De acordo, mas se queremos falar de comportamentos individuais, nem todos os erros têm o mesmo peso. É certamente correto sugerir que se use o carro o menos possível, mas é preciso encontrar um modo mais eficaz para bloquear crimes como a poluição jogada no mar das cisternas dos petroleiros, um ato gravíssimo e cotidiano que envenena os oceanos”

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