Edição 202 | 30 Outubro 2006

As relações entre mídia e política no espaço público contemporâneo

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IHU Online

Antonio Fausto Neto é professor no Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília, doutorado em Sciences de La Comunication et de L'information pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Atualmente, é também consultor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e professor colaborador da Universidade de Santa Cruz do Sul. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação.
Fausto Neto aceitou conceder uma entrevista por e-mail para a revista IHU On-Line, na qual ele ajuda na compreensão do cenário midiático contemporâneo relacionado à política. Confira.

IHU On-Line - Como se dá a relação entre política e mídia?

Fausto Neto
- Mídia e política são dois campos importantes no funcionamento do espaço público na vida contemporânea. Deparam-se com expectativas distintas, embora façam convergir suas lógicas e que se traduz na questão da construção dos anúncios dos fatos, na captura de eleitores e de leitores, expectadores etc. Estão às voltas com a exposição, com processos de construção de vínculos sociais e que passam por premissas muito importantes, como a confiança e a credibilidade. São dois campos que estão permanentemente construindo e realizando “disputas de sentidos” através de agendas que são específicas, embora quase sempre se entrelaçam. Por serem campos que perseguem um objetivo central (construção de visibilidades) e que se traduz pela sua presença na vida contemporânea, suas respectivas autonomias passam por muitos questionamentos. Esse aspecto deve-se ao fato de que a vida das instituições tem sido crescentemente afetada pela presença das referências midiáticas nos seus modos de interação das instituições.

Isso significa dizer que a problemática das especificidades das agendas vai se tornando mais complexa, pois elas perdem sua autonomia. Em outras palavras, as possibilidades de reconhecimento simbólico, por parte, por exemplo, da política, junto à esfera pública, têm dependido largamente da tomada, por empréstimo, de “senhas” e de recursos das próprias mídias. Não esqueçamos, por exemplo, que um dos indicadores a ilustrar tais relações, são as pesquisas que, por natureza, são tecnologias e produtos midiáticos, e das quais os atores e instituições políticas dependem. Se isso deforma, ou não, o “modo de ser” da política é uma outra questão da qual se ocupam pesquisadores.

IHU On-Line - As campanhas eleitorais sofreram processos de modernização. Que processos seriam esses e como a mídia contribuiu para eles?

Fausto Neto
- As campanhas mostram que historicamente têm sofrido “injunções” de parâmetros que procedem de orientação e de presenças de outras manifestações de campos sociais, como a esfera jurídica e da própria mídia. Uma vez que vivemos numa “ordem ecológica” caracterizada por uma ambientação midiática, as campanhas, por se constituírem rituais que se realizam publicamente, sofrem, pois, atualizações na medida em que passam a estruturar-se por novas modalidades de linguagens. Algo que dá origem à expressão de que a política é “forma do que plataforma”, ou seja, como as possibilidades de mensagens serem reconhecidas passam por referências midiáticas, isso significa que as campanhas políticas abandonam velhas retóricas e em favorecimento de novas “retóricas da midiatização”.

IHU On-Line - Existe imparcialidade na cobertura política dos jornais e TV nas eleições entre Lula e Alckmin? O senhor vê diferenças de cobertura? Como essas diferenças se configuram?

Fausto Neto
- Sim, se entendemos que as estratégias de cobertura não são relatos os quais são apontados de uma forma “distante”. Observamos que a ordem do factual é crescentemente abandonada de “construções”, de modelizações editoriais pelas quais as mídias chamam mais atenção sobre os “modos de dizer” do que, necessariamente, para aquilo que apontam como atualidade. Nesta campanha, há vários registros sobre comportamentos de imparcialidades e compreendê-los exige um olhar mais fino, pois tais deformações que se situam muitas vezes em “manejos editoriais” que não estão sendo exibidos, ou percebidos, a olho nu. Há também um processo interconcorrencial das mídias que afeta a qualidade da investigação jornalística que, de sua parte, se reduz, nas formulações de conclusões que dependem menos de metodologias de apuração e mais dos “caprichos” dos editores.

IHU On-Line - O que é ensinado nos cursos de Jornalismo sobre as relações entre a mídia e a política? Quais as principais questões apontadas pelos alunos?

Fausto Neto
- Grosso modo os “manuais de jornalismo” estão defasados, pois são produzidos em realidades culturais e deontológicas que traduzem especificidades de contextos distantes, distintas, portanto das vidas das instituições nacionais. Também se fundamentam em metodologias que foram pensadas dentro de formulações teóricas que, de alguma forma, naturalizam a importância que tem certos aspectos do trabalho jornalístico, como por exemplo, as relações entre fonte/repórter. Em terceiro lugar, os “casos” que são estudados, muitas vezes, estão destituídos de uma retaguarda teórica que possam ajudar a fazer e compreender os alunos a fazer relações mais complexas, do que apenas indicações genéricas sobre “rotinas produtivas”.

IHU On-Line - Quais seriam os maiores desafios éticos nessa relação entre a mídia e a política?

Fausto Neto
- Os desafios éticos são crescentes, porque o complexo trabalho de produção jornalística continua estreitando-se apenas numa “performance técnica”, instrumentalizada pelas pressões do tempo, da concorrência. Isso faz as questões de fundo serem abertamente abandonadas, como, por exemplo, a reiterada necessidade de o jornalista perseguir a existência de um lugar de autonomia das fontes. Também a importância que deve atribuir às interrogações éticas que devem presidir o trabalho de apuração em si. Seja nas redações, seja nos bancos escolares do curso de jornalismo, precisamos reequilibrar as relações entre os fundamentos éticos e os fundamentos técnicos.

IHU On-Line - A mídia foi ou não foi usada para o embate eleitoral nacional, principalmente no caso do dossiê?

Fausto Neto
- É certo que não temos mais a “imprensa partidária”, no sentido clássico, o que não quer dizer que estamos imunes ao fenômeno da partidarização, como tomada de posição por parte da mídia. Isso não seria um problema caso a mídia não só anunciasse aos seus leitores que está tomando posição por um ou outro candidato ou partido. Mas o problema está na ocorrência de uma “ambigüidade”, ou seja, evocam-se princípios que norteiam os “fundamentos deontológicos” do jornalismo, mas as práticas editoriais são as instâncias em que as tomadas de posição são feitas explícita ou implicitamente. Além disso, voluntária e/ou involuntariamente, certas coberturas vão a reboque das estratégias e das motivações das fontes, processo este que é naturalizado por editores ou por executivos das empresas jornalísticas. Felizmente, no caso das imagens do dinheiro apreendido e que foram repassadas aos jornalistas por um delegado, tal procedimento tem vindo à tona, mediante um processo de auto-reflexão de setores da mídia. Há erros capitais – voluntários, ou não – e têm a ver com a falta de compreensão, da parte de repórteres mal treinados, da importância do seu lugar e, especialmente da natureza de relações estratégias que envolvem normalmente, fontes / jornalistas.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a cobertura que a imprensa gaúcha tem feito das eleições para governador do estado, principalmente no segundo turno?

Fausto Neto
- Aqui talvez não tenhamos um episódio similar ao da entrega de materiais a jornalistas, por parte de fontes. Mas observações mais cuidadosas podem chamar atenção sobre aspectos (gráficos, estilísticos, retóricos, semânticos etc.) que podem apontar para a parcialidade das coberturas. Acho que cobertura desta natureza é o grande momento no qual a mídia jornalística enfrenta um dilema crucial: é possível cobrir os acontecimentos, depurando das “rotinas produtivas” registros que tencionam aspectos conflitantes e que estão presentes num mesmo universo: a cultura jornalística x a cultura organizacional-empresarial.

IHU On-Line - E qual o papel da mídia eletrônica nesse cenário?

Fausto Neto
- O trabalho da mídia eletrônica é um fato novo se compararmos com a sua inserção em cobertura de eleições anteriores. Reproduz também alguns problemas enfrentados e ou vivenciados pela mídia, de modo geral. Mas também os problemas de uma e de outra mídia e como determinam, uma vez que os fundamentos do jornalismo praticado são os mesmos. O fato novo é a relativa autonomia que alguns serviços dispõem, como os “blogs”, de produzir o contraditório, forçar o debate, corrigir coberturas, tematizar questões que, de alguma forma, não estariam sendo consideradas pelas rotinas das coberturas das grandes mídias. De alguma forma, estes “bolsões de leituras” representam uma possibilidade de escaparmos aos esquemas interpretativos dos “conselheiros”, no caso os colunistas. Pena que poucos são aqueles que podem ter acesso a este tipo de leitura diferenciada. Mas aí está sendo engendrada uma nova modalidade de “opinião pública”. E os “conselheiros” precisam abrir os olhos, pois a Internet produz, dentre outras coisas, a emergência de uma nova pedagogia pela qual os leitores se instalam, definitivamente, neste “tecido de observações”: constroem seus arquivos, comparam dados, formulam registros e tiram conclusões sobre o trabalho editorial e discursivo dos seus informadores, saindo, assim, deste lugar apenas inicial, que é a ponta do iceberg. E por aí vai se tecendo – bem ou mal – o futuro das noções de confiança e de credibilidade, tão caras para o status da mídia jornalística. 

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