Edição 202 | 30 Outubro 2006

“Não houve quebra de ética jornalística no caso das fotos do dinheiro”

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IHU Online

A jornalista Lilian Christofoletti, da Folha de S. Paulo, foi uma das repórteres que recebeu o Cd com as fotos do dinheiro que pagaria o dossiê contra o PSDB das mãos do delegado responsável pelo caso. Em entrevista exclusiva concedida por telefone para redação da IHU On-Line, Lílian conta como foi o encontro, e critica a revista Carta Capital pelas informações sobre o caso, e pela forma como as divulgou.

Formada em Publicidade pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Lilian Christofoletti trabalha na Folha há dez anos. Antes da Folha, a jornalista trabalhou no Correio Popular de Campinas e no jornal República de Itu, sempre como repórter. Confira a entrevista, em que ela fala sobre ética no jornalismo e sobre a relação entre política e imprensa:

IHU On-Line - Como foi a conversa que a senhora e outros jornalistas tiveram com o delegado no momento em que ele entregou o CD com as fotos? Em algum momento passou pela sua cabeça que aquilo era uma farsa, que a senhora poderia não estar sendo ética na prática jornalística?

Lilian Christofoletti
– Em primeiro lugar, o que a CartaCapital  contou é uma grande mentira. Nós já estamos processando o Mino Carta por conta disso. A história que ele contou e depois reafirmou no seu blog é de que, quando eles escreveram a matéria, não ouviram os repórteres, nem a fita. Então, eles se basearam numa versão que nunca existiu. O que aconteceu naquele dia, uma sexta-feira, dia do depoimento do Milton Lacerda e do Freud Godoy, o delegado, pela manhã, ligou para alguns jornalistas, e não foi para mim, pedindo um encontro perto da Polícia Federal, dizendo para esses jornalistas que queria que eu também estivesse no encontro. Eu fui para lá, com mais três repórteres, para conversar com ele sem saber do que se tratava. Nessa conversa, ele falou que tinha uns Cds, que ele queria nos entregar, com as fotos, porque ele estava com muita raiva de ter sido afastado do caso, e a expressão que ele usou foi “eles me fuderam, agora foda-se”, claramente referindo-se ao comando da Polícia Federal.

Má fé ou desinformação

Tentar dar uma conotação eleitoral para isso ou é má fé ou desinformação. Em nenhum momento daquela conversa, ele falou no presidente Lula, ou no PT, ou em qualquer conotação política. O que ele pediu é que fosse mantido o off, pois ele não queria mostrar que era ele quem tinha vazado as fotos. E chegou a falar que ia culpar repórteres por conta disso. É mentira, no entanto, que os repórteres que estavam lá tenham ficado quietos. E eu não estava gravando a conversa, nem distribuí a fita para ninguém. A conversa naquele dia, por volta de 10h30min, não se resumiu ali. Nós voltamos a encontrar-nos naquele mesmo dia. Foi quando eu perguntei novamente para ele a respeito dessa idéia de falar que alguém tinha furtado, quando ele disse que não, que não ia fazer isso, que a única coisa que ele queria é que não divulgassem o nome dele. É um direto dele não querer aparecer, com medo de represálias no comando da Polícia Federal, já que existia uma orientação da PF de não divulgar as fotos.

Não houve quebra da ética

Eu entendo que nesse momento não teve nenhuma quebra de ética jornalística. Ele passou em off os documentos, e nós aceitamos nessa condição, porque entendíamos a importância e a relevância das fotos. Eu entendia também que o leitor da Folha tinha direito a ver as fotos. Não houve em nenhum momento a conversa “vamos prejudicar o Lula...”, isso foi mentira que surgiu depois. Abomino o repórter que tenha gravado e distribuído a fita, porque isso era um off. Isso deixou o delegado em uma situação difícil e delicada. E falta de ética é o que a Carta Capital fez, porque ela publicou uma matéria sem ouvir o outro lado “em nome do bom jornalismo”, e sem ouvir a fita. Isso é um absurdo. É como se fosse dispensável a versão dos jornalistas que estavam lá na hora.   

IHU On-Line - O próprio Ombudsman da Folha considera erro do jornal ter endossado a história do delegado. O que a senhora acha disso?

Lilian Christofoletti
– Não foi um erro. Eu penso como jornalista. Naquele dia, eu estava lá, peguei as fotos, e era um off o que o delegado disse. Nós não tínhamos alternativa, não podíamos desmentir a versão em “on” dele, que ele deu na frente da Polícia Federal para 50 jornalistas, em uma coletiva. Isso seria acusar o cara que passou a informação para a gente em off. É muito fácil pensar a situação hoje, depois de dias passados. As pessoas têm que pensar como foi naquele dia, como atuar no momento. O grande ponto disso, eles dizem que nós rompemos a ética, é que o delegado passou a foto supostamente dizendo que era para acabar com a campanha do Lula. Nós acompanhamos o delegado durante várias semanas, tínhamos certeza de que não era isso. Ele estava simplesmente agindo em causa própria, revoltado com a situação dentro da Polícia Federal. Em nenhum momento, ele citou o nome de Lula, do PT, de campanha política.   

IHU On-Line - Como jornalista, com base na sua experiência, qual o preço para se obter uma grande matéria? Há limites para se chegar a um furo? Quais são eles?

Lilian Christofoletti
– É lógico que há limites para obter-se um furo de reportagem. Cada jornalista tem uma ótica que define a sua ética. Não podemos prejudicar ninguém. Qualquer situação que nos pareça estranha, fazemos valer a nossa ética. Isso é muito claro.

IHU On-Line - Como conciliar as convicções éticas e morais do jornalista com a linha editorial da empresa para qual ele trabalha? Essa é uma dificuldade que pode representar um conflito interno e profissional?

Lilian Christofoletti
– Eu trabalho há 10 anos na Folha. Nunca me foi pedido nada que ferisse minha ética ou que eu entendesse como quebra de ética. Essa pergunta parte da premissa que toma como verdade a reportagem da CartaCapital. É só dar uma olhada no blog do Mino Carta que ele já começa a pedir desculpas, responsabilizando o repórter dele por uma matéria sem ouvir os repórteres e a própria fita. Se eu fosse a jornalista da CartaCapital, em primeiro lugar, eu ouviria os repórteres. Na minha opinião, essa era uma matéria encomendada, uma matéria pronta, por isso, não se ouviram os outros lados. Eu soube que um repórter, que deveria ter feito a matéria, pediu demissão um dia antes para não ter que escrevê-la. Essa informação é muito importante, mostra bem o caráter da revista, o caráter do repórter Raimundo Pereira e o caráter do Mino Carta.   

IHU On-Line - O que é mais característico no jornalismo político? O que caracteriza a cobertura jornalística de política? 

Lilian Christofoletti
– A principal diferença são os bastidores da política. Repórter de política tem que passar um tempo em Brasília, tem que transitar no Congresso, tem que conhecer os deputados, tem que saber quem tem informação, quem não tem, e qual o objetivo de cada um.  

IHU On-Line - Na sua opinião, esse episódio do dossiê e das fotos do dinheiro não comprometem a credibilidade jornalística brasileira? 

Lilian Christofoletti
– Compromete, sim, pelo lado do Mino Carta e do repórter dele. Ele escreveu a matéria que ele quis, e isso sim compromete. O Mino Carta, na década de 1980, era editor da revista IstoÉ e ele trabalhava em prol do Orestes Quércia. Isso não é novidade para ninguém. Mino Carta muda de chefe, mas não muda de hábitos.  

IHU On-Line – A senhora acha que a imprensa nacional tem feito um bom trabalho na cobertura das eleições?

Lilian Christofoletti
– Acho que sim, tem feito. São os mesmos repórteres que há muito tempo acompanham o presidente, que acompanham outros candidatos. Avalio como boa à cobertura. 

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