Edição 426 | 02 Setembro 2013

O Estado secular e sua base autolegitimadora

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

A perda da “convincibiliade dos pilares teológicos” sustenta o início da secularização, afirma Hans Georg Flickinger, ao passo que a concepção do tempo em nossa sociedade apresenta-se como “uma cabeça de Janus, que parece inerente à secularização em geral”

Para o filósofo Hans Georg Flickinger, “o Estado secular deve encontrar sua base legitimadora nele mesmo. Por isso, a democracia liberal vem buscando sua fundamentação, preferencialmente, na ficção do contrato originário dos cidadãos que se submetem ao Estado”. Em seu ponto de vista, “o avanço da modernidade tem diretamente a ver com a (re)ocupação de pilares enfraquecidos da religião cristã pelas ideias lançadas em nome do domínio irrestrito da razão humana”. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Flickinger acrescenta que a secularização é “um processo cultural, que atinge todas os campos de sociabilidade”. Assim, pode ser percebida nas artes, educação e áreas científicas.

Hans Georg Flickinger, é graduado em Direito e doutor em Filosofia pela Universidade de Heidelberg, professor da Universidade de Kassel (Alemanha) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Lecionou, também, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. De suas publicações citamos Reflexion und Darstellung; Ein Beitrag zur Kunsttheorie der Moderne (Bern: Herbert Lang; Frankfurt/M.: Peter Lang); Neben der Macht; Begriff und Krise des burgerlichen Rechts (Frankfurt am Main: Syndikat, 1980), Marx; nas pistas da desmistificação filosófica do capitalismo (Porto Alegre: L&PM, 1985), Marx e Hegel (Porto Alegre: L&PM, 1986) e Teoria da auto-organização; as raízes da interpretação construtivista do conhecimento (Porto Alegre : EDIPUCRS, 1994), em colaboração com Wolfgang Neuser.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - A secularização atinge outras esferas que não somente o fenômeno religioso? 

Hans-Georg Flickinger - Antes de responder a pergunta é necessário esclarecer dois pontos. Primeiro: tratarei da questão de secularização como experiência da cultura ocidental-cristã, deixando de lado os fenômenos comparáveis em outras tradições. Segundo: há quem use o conceito de secularização para qualificar a fase de transição histórica específica entre a Idade Média e o que é entendido, normalmente, como tempo moderno; outros tomam a secularização como fenômeno sistemático, não restrito a um determinado período histórico. Optei pela segunda concepção, que torna mais visível a dinâmica da secularização ao longo dos últimos seis séculos. 

Assim desenhado meu uso do conceito, fica mais fácil responder a pergunta. Sem dúvida, a secularização iniciou-se com a perda da convincibilidade dos pilares teológicos, sobre os quais a sociedade medieval havia sido erguida. A descoberta da perspectiva central na pintura, a invenção do método experimental, a postura considerada dogmática da instituição Igreja e, não por último, o surgimento do espírito liberal são apenas uns poucos elementos que levaram ao profundo abalo da ordem político-social. Afirmação da autonomia e liberdade do homem em lugar da ordem prescrita pelos dogmas teológicos, tutelada pela Igreja – eis a palavra de ordem que passou a valer a partir do século XVI. As dúvidas quanto à legitimidade da ideia do Deus-criador abriram o caminho ao experimento do uso da razão humana como referencial legitimador da ordem profana. Com isso, porém, o homem teve de assumir o papel de criador e senhor do mundo; papel este que, como hoje se sabe, ultrapassa suas possibilidades. 

Complexo de Deus

Por se tratar de uma radical troca de perspectiva cultural, a assim entendida secularização não é fenômeno restrito ao campo religioso; muito pelo contrário, ela se espalha por todos os campos culturais. Quero mencionar, entre outros, a psicologia enfrenta o que pode ser chamado o “complexo de Deus” (H.-E. Richter) e a fuga do indivíduo no narcisismo; penso na Pedagogia, onde o ideal de levar o educando à autonomia e liberdade corre o risco de perder de vista a ideia de solidariedade como matriz do convívio social; na política, cujos conceitos centrais – soberania, liberdade, legitimidade – têm origem nas ideias e linguagem teológicas. Mesmo a Física não escapa às marcas da secularização, quando tenta remodelar a origem do mundo e comprovar, deste modo, a onipotência do homem como criador. De modo mais ou menos evidente, todas as áreas veem-se contaminadas pela hybris do espírito humano; um espírito que só se entende como efeito da secularização e da substituição de Deus pela razão.

IHU On-Line - Como podemos compreender a secularização do tempo? 

Hans-Georg Flickinger - O próprio conceito de secularização dá uma pista. Presente no termo português “século”, sua raiz remete ao “saeculum” do latim. Usamos o termo para denominar o período de cem anos. Ele serve de orientação dentro do fluxo em si amorfo do passar do tempo. O ponto de referência para estruturar o tempo na tradição ocidental cristã é o nascimento de Cristo. Falamos de séculos antes e depois de Cristo. Outras culturas apoiam sua orientação temporal em mitos diferentes, criando calendários próprios: os muçulmanos, os judeus. Comum a todas, porém, é a origem da ordem do tempo num mito que aponta, simultaneamente, a um evento e seu efeito infinito. A oscilação entre o “aí e agora” e a ideia de eternidade foi sempre sua marca. Desde sua origem, a filosofia vem se preocupando, por isso, com o status ontológico do tempo, no intuito de torná-lo acessível ao entendimento humano. Após a derrocada da ideia da eternidade divina, a visão secular do tempo reflete-se, sobretudo, na concepção de Kant . Na sua crítica da Metafísica, ele defendeu a tese mais radical possível a esse respeito, fazendo do tempo um momento intrínseco à razão e, assim, uma condição de possibilidade de nosso acesso ao mundo. Kant contribuiu, assim, para a comprovação e garantia da soberania humana em detrimento da soberania divina.

Cabeça de Janus

A apropriação do tempo pelo homem tem efeitos ambíguos. A secularização do tempo não conseguiu apagar a ideia de eternidade; muito pelo contrário, observa-se ao avesso deste mesmo processo um anseio de revitaliza-la. Como exemplo, aponto a experiências que hoje marcam o cotidiano social. Por um lado, tem-se uma sociedade de risco que faz crescer o desejo de viver a imediatez do momento; seu cunho é a “event-society” ou, nas palavras de Christoph Türcke , a “sociedade excitada”; e cresce, por outro, simultaneamente o mercado bem sucedido de promessas de eternidade, encenado por uma diversidade pouco transparente de seitas e comunidades espirituais. Deste modo, a concepção do tempo em nossa sociedade mostra-se como uma cabeça de Janus, que parece inerente à secularização em geral. 

 

IHU On-Line - Há um nexo que une a secularização e o avanço da modernidade? Por quê?

Hans-Georg Flickinger - A resposta é um claro “sim”. Mais ainda, a modernidade sequer pode ser pensada sem a passagem do espírito medieval para a modernidade. As caraterísticas principais do que se entende como ‘modernidade’ são herdadas da Idade Média. Quero lembrar a luta pela autonomia criativa da razão humana, que deveria substituir o Deus cristão como criador da ordem do mundo, e a qual culminou no debate entre os representantes do Idealismo alemão J. G. Fichte  e F. W. J. Schelling , ao início do século XIX. O “Ego sum qui sum”, a assim divulgada auto-revelação de Deus no Velho Testamento, encontrou no “Eu sou Eu” de Fichte sua figura equivalente de fundamentação, cujas dificuldades de autolegitimação racional, entretanto, ficaram logo evidentes. Lembro também a ideia do progresso contínuo quanto ao conhecimento e a instrumentalização da natureza. Essa ideia só pode ser entendida desde que o homem seja visto como sujeito soberano com o poder de determinar a ordem profana. Não por último vale mencionar a legitimação e instauração do Estado moderno. Há consenso quanto a que essa configuração política se apoia no poder soberano, independente de qualquer instância a ele externa, tal como, por exemplo, da palavra divina. O Estado secular deve encontrar sua base legitimadora nele mesmo. Por isso, a democracia liberal vem buscando sua fundamentação, preferencialmente, na ficção do contrato originário dos cidadãos que se submetem ao Estado; variam apenas os motivos apontados pelos assim chamados contratualistas – desde Hobbes  até J.Rawls  - para o seu fechamento. Como se vê, o avanço da modernidade tem diretamente a ver com a (re)ocupação de pilares enfraquecidos da religião cristã pelas ideias lançadas em nome do domínio irrestrito da razão humana.

 

IHU On-Line - Em que medida o desenvolvimento da técnica e a exacerbação de um determinado tipo de racionalismo estão na raiz da secularização? 

Hans-Georg Flickinger - Permito-me inverter a sequência colocada na pergunta. Pois acho que a exacerbação da racionalidade instrumental – eis a denominação de Horkheimer /Adorno  – levou inicialmente ao desenvolvimento impetuoso da técnica. Submeter a natureza aos fins do homem exige uma técnica cada vez mais sofisticada. Os defensores dessa racionalidade instrumental legitimam sua opinião mediante a passagem ao início do Velho Testamento, onde consta: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar....” O aviso, tomado a pé-da-letra e fora do contexto mais amplo, impulsionou o aperfeiçoamento dos meios técnicos para cumprir tal missão. No entanto, a partir do momento em que a palavra de Deus, enquanto autor da advertência, perdeu força, o homem passou a ocupar a cena sozinho, confiando no potencial de sua própria razão. A confiança em si mesmo, enquanto ser racional, fez com que os fins por ele formulados, encontrassem apenas limites no estágio de desenvolvimento da técnica. A experiência de limites é, no entanto, incompatível com a postura de onipotência narcísica, de onde nasce o impulso nunca satisfeito de desenvolver tecnologias que fogem, de modo crescente, ao seu controle. Não é de se admirar que essa dinâmica acabe por virar contra o próprio homem como ser ético-moral. Típico para esse estado das coisas é o fato de que a avaliação ética do uso de tecnologias novas segue, na prática, o seu desenvolvimento, ao invés de precedê-lo.       

 

IHU On-Line - Até que ponto é correto e coerente aproximar secularização e niilismo? Trata-se de fenômenos que se realimentam?

Hans-Georg Flickinger - Focalizo a pergunta no niilismo moderno, deixando de lado o niilismo grego que, enquanto epistemológico, foi interpretado como ceticismo radical. Se tomarmos o niilismo epistemológico moderno, não vejo o vínculo com as experiências da secularização. Ao contrário, as experiências mostram a continuidade entre a tradição teológico-medieval e o espírito iluminista no que se refere ao interesse de legitimar o conhecimento. Ao invés de contestar qualquer fundo último de legitimação do saber - como o faz o niilismo -, o cientificismo moderno insiste em revelá-lo e legitimá-lo. A mera troca de instâncias fundamentadoras – Deus substituído pela razão – não muda o projeto. Minha resposta seria outra se a concepção de modernidade tivesse fracassado em definitivo; uma tese já defendida pela visão pós-moderna – à qual, porém, não me alinho irrestritamente.

Isso muda, entretanto, quando falamos do niilismo ético-moral e da tese nietzschiana da desvalorização dos valores superiores. Na medida em que o domínio da racionalidade instrumental, como efeito da secularização, se impõe na sociedade, os princípios ético-morais tornam-se meros epifenômenos da lógica econômico-material. Não é mais o homem que decide sobre os princípios de avaliação de sua atuação; menos ainda, sobre a legitimidade desses princípios. Falar, aí, de princípios ético-morais em sentido estrito, isto é, determinados pelo próprio homem, seria um equívoco. Em termos do niilismo ético-moral pode-se, portanto, falar de uma certa retro-alimentação dos efeitos da secularização e da visão niilista.

 

IHU On-Line - Em que aspectos a secularização está em processo?

Hans-Georg Flickinger - O campo que aí se destaca é, sem dúvida, a política. A luta em vários Estados ocidentais pela validade constitucional do princípio de laicidade prossegue. Penso, por exemplo, na Tur-quia ou nos Estados do Magreb, onde essa luta está sendo travada abertamente. Porém, a questão preocupa também democracias tradicionais como os EUA, a Alemanha e, recentemente, o Brasil. Embora com regras constitucionais claras, vêm se organizando nestes países correntes religiosas fortes no intuito de influenciar diretamente as decisões político-sociais, tanto em nível da legislação, quanto na área administrativa. Esses processos levam-me a pensar que a secularização seja um traço inscrito na lógica interna do Estado moderno e que, por isso mesmo, causará sempre tensões e conflitos.   

Outra área de tensão: às vezes subestimada, a organização do campo social continua sofrendo com o debate acerca da secularização. O que aí incomoda é o princípio de subsidiariedade. Em consequência da separação dos campos de responsabilidade entre Estado e Igreja, esse princípio dá às instituições filantrópicas, sobretudo àquelas vinculadas à Igreja, a preferência quanto à articulação e execução das políticas sociais. Embora em grande parte financiado pelo orçamento público, o trabalho social dessas instituições é aproveitado como plataforma para a divulgação controlada das respectivas ideologias.

Como já disse antes, a secularização é um processo cultural, que atinge todas os campos de sociabilidade. Ele atinge tanto as artes – como o conflito em torno da caricatura de Maomé -, quanto a educação – a presença de crucifixos na sala de aula – e áreas científicas como a biologia, onde a luta entre Criacionismo e Darwinismo esquenta as cabeças.

 

IHU On-Line - Tomando em consideração a laicidade, como podemos compreender a imanentização do Estado, ou ainda, as raízes teológicas da política?

Hans-Georg Flickinger - Ao falar do contratualismo, lembrei o modelo preferido para legitimar o moderno Estado liberal. O modelo resulta da tentativa de auto-fundamentar o poder político fazendo do povo a fonte exclusiva da soberania. Com o modelo proposto pelos contratualistas duas demandas deveriam ser cumpridas: a destituição de Deus como fundo último da ordem profana e a imanentização da fonte da soberania no próprio Estado. Eis o raciocínio que me parece sustentar, em última instância, o princípio de laicidade. A preocupação com o fundo, do qual se alimenta a ideia de soberania política traz consigo, de modo como que natural, a referência à ideia da soberania divina. A soberania divina, expressa pela palavra do Deus-criador e dogma aceito ao longo da Idade Média, aponta a dois aspectos a serem levados em consideração: qualquer ideia de soberania remete à necessária unidade da vontade; e ela precisa de sua autolegitimação. São as duas reivindicações que restam para a fundamentação da soberania política e as quais esta tem de cumprir. 

 

IHU On-Line - Nesse contexto, qual é a contribuição de Hans Blumenberg , Carl Schmitt  e Karl Löwith  para compreender as raízes teológicas da política?

Hans-Georg Flickinger - Cada um destes autores escolheu um acesso diferente às experiências da secularização. A descoberta da ruptura radical da escatologia cristã com a ideia de história, defendida pelos gregos, levou Karl Löwith a investigar o futuro dessa visão cristã na concepção moderna de história. O resultado dessa investigação resume-se na tese de que o mito moderno do progresso histórico representa, na verdade, o resíduo da escatologia teológica. Com isso, o autor lança o olhar à secularização a partir da filosofia de história. Hans Blumenberg, o especialista daquela passagem da Idade Média para a época renascentista, deu uma interpretação sistemática da secularização ao afirmar que esse processo consistiria na transformação de conteúdos originalmente teológicos em conteúdos seculares. A secularização deveria ser vista como tentativa de dar respostas às perguntas não respondidas adequadamente pela teologia, as quais, porém, permanece, sem respostas.

Nas trilhas de Blumenberg, Carl Schmitt – o jurista e filósofo com simpatias explícitas pela ideia do Estado forte – chegou a destacar a contribuição da tradição teológica na esfera do político. Sua tese radical é a de que os modernos conceitos políticos representariam conceitos teológicos secularizados. Mais ainda: existiria, segundo ele, uma interconexão sistemática entre pressuposições teológicas e políticas. Embora com focos e argumentos diferentes, os três autores chegaram ao mesmo diagnóstico.

 

IHU On-Line - Em que medida é plausível um Estado neutro, como aquele apontado por Carl Schmitt, no contexto da laicidade e da intrincada relação entre política e economia?

Hans-Georg Flickinger - O diagnóstico do “Estado neutro”, feito por Carl Schmitt, tem a base na perda do espaço autônomo do político. Segundo o autor, o modelo da democracia parlamentar passa o poder de decisão política às mãos de parlamentares que, ao invés de ver no bem comum o objetivo supremo da política, colocam seus interesses – enquanto grupos economicamente potentes da sociedade - em primeiro lugar. Dentro de um tal modelo (de democracia parlamentar), uma instância política una e independente seria uma indicação negativa, pois a sociedade liberal é composta por uma diversidade infinita de interesses e não há nela o que seria essencial para a democracia verdadeira, a saber, um mínimo de homogeneidade da população. Quem quisesse vencer a batalha política precisaria, segundo Schmitt, da maioria quantitativa de votos. A legalidade procedural seria a condição suficiente para legitimar o conteúdo das decisões. Com isso, porém, o “Estado de legislação” (Gesetzgebungsstaat) estaria apenas disfarçando interesses parciais – na sua maioria econômicos - como interesses comuns. O Estado ficaria, neste caso, como que em cima do muro, ou seja, politicamente neutro. Tratar-se-ia, na verdade, de uma despotencialização do Estado como representante de uma vontade soberana. Diante deste diagnóstico não surpreende que Schmitt tivesse criticado a democracia parlamentar e pleiteado em favor de um “Estado forte”. 

O princípio de laicidade só reforçaria essa lógica, porque com a exclusão da religião exclui-se um referencial importante de sustentação das diretrizes tradicionais da sociabilidade, tais como a solidariedade, o amor do próximo, a justiça social e outros.

 

IHU On-Line - Até que ponto pode-se situar em Maquiavel  as raízes da laicidade? 

Hans-Georg Flickinger - São duas razões que nos levam a buscar as raízes da laicidade na filosofia política de Maquiavel. Primeiro: a concepção do poder político não remete a um princípio último de sua legitimação, senão baseia-se em investigações empíricas da época em que se exerce; fica descartado o recurso a qualquer emanação divina do poder. Segundo: o príncipe como líder político coloca-se acima de todas as outras fontes de poder, inclusive da Igreja. Maquiavel desenhava, com isso, uma demarcação clara entre o poder profano e o da Igreja. Não por acaso a publicação de O príncipe desencadeou uma polêmica em torno a sua posição; polémica esta, expressa na ideia de um “príncipe cristiano”, vinculando-se, assim, a legitimação do poder político às diretrizes cristãs. Todavia, para mim não fica claro se o autor de O príncipe delimita o poder político profano apenas em relação ao poder da instituição Igreja, ou se sua delimitação atinge também a religião como ideologia. Neste contexto, quero lembrar um outro autor político, Jean Bodin , cuja argumentação acerca da soberania política profana contribui muito para esse debate. 

 

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Hans-Georg Flickinger - Como que ao avesso da dinâmica de modernização da sociedade hodierna, o fenômeno de secularização vem acompanhando todo processo da implementação do espírito liberal. A ressureição dos diversos fundamentalismos até mesmo dentro da religião cristã reforça essa observação, que, radicalizada, leva-me a defender a tese de que quanto mais intensos forem os impulsos do espirito (neo)liberal, maior há de mostrar-se também a demanda de um referencial religioso qualquer. O que trará sempre de novo à presença a questão do papel sistemático da secularização no mundo de hoje.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição