Edição 425 | 01 Julho 2013

A Igreja e a juventude antes e depois do Vaticano II

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Graziela Wolfart

Paulo Dalla-Déa destaca que o Concílio Vaticano II não partiu da postura defensiva e desconfiada. Incentivou os jovens a participar e a dar sua contribuição na Igreja

Na concepção do pesquisador Paulo Fernando Dalla-Déa, os jovens têm muito a dizer hoje à Igreja. E depois do Vaticano II, eles passaram a ter cidadania eclesial: “são membros das comunidades e não dependem de uma tutela explícita, como muitos falam e querem. E foi o Concílio que assumiu a responsabilidade de dar vez e voz para a juventude na Igreja, de forma oficial e permanente”. Esta e outras afirmações foram feitas na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, onde defende que, sem o Vaticano II, a Igreja não teria olhado e dado chance aos novos protagonistas da história: jovens, mulheres, operários, etc. “Estaríamos com o discurso do enfrentamento do mundo, numa Igreja que se considera o último bastião da salvação e da moralidade. O Concílio tem uma visão positiva desses novos atores sociais e da sociedade. Muitos dizem que era uma visão ingênua, mas sem essa visão positiva, você não consegue trabalhar com nada e com ninguém”.

Paulo Fernando Dalla-Déa é doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia e mestre em teologia pastoral pelo Centro Universitário Assunção – UNIFAI. É pesquisador do Grupo de Gêneros do Discurso – GEGE, do Departamento de Letras da UFSCAR/SP. Fez estágio pós-doutoral na Université Laval (Quebec), este ano, na área de Ciências da Religião, sobre as expectativas dos adolescentes urbanos com relação à Igreja Católica. Ele participará esta semana do evento “O Concílio Vaticano II como evento dialógico” ministrando a palestra “O Vaticano II e a juventude”.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Em linhas gerais, qual o foco da abordagem que o senhor trará ao falar sobre o tema “O Vaticano II e a juventude”?

Paulo Dalla-Déa – Quero mostrar como a Igreja (por seus discursos oficiais) vê a juventude, antes e depois do Vaticano II. Houve uma evolução, mas ainda falta muito para refletir e fazer. A Igreja ainda fala muito e escuta pouco. É preconceito: os jovens têm muito a dizer hoje à Igreja. Mas, depois do Vaticano II, eles têm cidadania eclesial: são membros das comunidades e não dependem de uma tutela explícita, como muitos falam e querem. E foi o Concílio que assumiu a responsabilidade de dar vez e voz para a juventude na Igreja, de forma oficial e permanente. 

IHU On-Line – Quais as principais expectativas dos adolescentes urbanos contemporâneos com relação à Igreja Católica? 

Paulo Dalla-Déa – A grande expectativa deles é ter um espaço e poder se manifestar dentro das comunidades. Vi isso quando fiz meu doutorado e perguntei o que eles esperavam da(s) Igreja(s). O que eu ouvi foi muito disso: temos uma Igreja engessada (no ritual, no discurso, nos dogmas, nas pastorais) e eles querem é mais flexibilidade e participação. Eu achava que eles iriam dizer algo como queremos música, dança, etc. Sem o essencial, o resto é só manipulação. E eles sabem disso. Você conhece aquela música que diz que “o jovem no Brasil não é levado a sério”? Pois é, nem na Igreja. Muitos acreditam que o jovem não pode e nem deve se manifestar sem a presença de um adulto. Sem ser tutelado. Os documentos dizem outra coisa, tanto os documentos mundiais como nacionais, mas eles não chegam à realidade de nossas comunidades católicas. A maioria dos nossos leigos atuantes pouco leem os documentos oficiais ou estudam a teologia. A teologia que muitos conhecem é a do vigário que prega contra ou a favor disso ou daquilo. Ou a teologia pregada por padres midiáticos, que tem um viés bem conservador e alarmista. Claro que muita coisa mudou e está melhorando, mas os jovens continuam sem espaço de opinião e manifestação dentro das comunidades, com raras exceções. E o que eles querem é isto mesmo: um espaço de convivência e de fé em que possam ser jovens. Encontrei esse mesmo problema de esperar espaço de participação na Igreja Anglicana. Então, parece que não é um problema apenas católico, mas de igrejas de perfil mais tradicional, com um viés mais conservador, que, no caso, se traduz por uma desconfiança na juventude.

IHU On-Line – Como o Vaticano II contribuiu para a visão de Igreja que os jovens possuem hoje?

Paulo Dalla-Déa – Sem o Vaticano II a Igreja não teria olhado e dado chance aos novos protagonistas da história: jovens, mulheres, operários, etc. Estaríamos com o discurso do enfrentamento do mundo, numa Igreja que se considera o último bastião da salvação e da moralidade. O Concílio tem uma visão positiva desses novos atores sociais e da sociedade. Muitos dizem que era uma visão ingênua, mas sem essa visão positiva, você não consegue trabalhar com nada e com ninguém. Só a partir dela é que se consegue fazer algo. Foi assim, com Cirilo e Metódio, evangelizando os eslavos, foi assim com Matteo Ricci  na China, foi assim com os jesuítas nas missões da América Latina. Sem uma visão de aproximação positiva, nem estaríamos aqui falando sobre isso. 

IHU On-Line – Qual a especificidade do discurso religioso do Vaticano II no que se refere à mensagem direcionada aos jovens? 

Paulo Dalla-Déa – Creio que mais do que conceitos, aqui vale a postura: o Concílio não partiu da postura defensiva e desconfiada. Incentivou os jovens a participar e a dar sua contribuição na Igreja. Eles são até convidados a fazer apostolado (termo da época): são missionários mesmo antes de amadurecer totalmente como pessoas e como cristãos. Aqui está a novidade: a confiança de que o Espírito Santo age em todos os batizados, não só no clero. (Apostolicam Actuositatem, números 9, 12, 30 e 33). Isso parece pouco, mas muda tudo.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?

Paulo Dalla-Déa – Creio que a importância do Vaticano II está sendo restaurada pelo Papa Francisco, que é mais sóbrio, tem uma palavra mais fresca e simpática e que valoriza as pessoas. Tem um estilo e um discurso diferentes de Bento XVI. Mas torço, rezo e espero que isso não seja só discurso e nem apenas estilo pessoal: precisamos de uma Igreja menos monárquica, menos centralizadora e menos absolutista. Mais voltada para valores democráticos e evangélicos. Não um ou outro, mais os dois: evangélicos e democráticos. Atualmente sofremos o peso de uma Igreja paquidérmica: muita instituição, muitos departamentos e dicastérios, muitos rituais, muito tudo. Precisamos de uma estrutura mais leve, porque um elefante dança, mas a que peso e a que custo? O Vaticano II nos colocou em uma dinâmica nova, de colegialidade e de mais respeito. O Vaticano II soube escutar as vozes dos novos atores sociais e eclesiais. Hoje, precisamos escutar e dinamizar essa visão. Temos ainda outros atores que foram surgindo, novas demandas nas comunidades eclesiais por todo o mundo. Retomar ao conteúdo e à prática do Concílio é ouvir com respeito todas essas vozes e saber que a unidade da Igreja não se faz na uniformidade, mas na beleza de uma polifonia regida na caridade do respeito das identidades diferentes. Permita-me citar Ítalo Calvino, que nas demandas para um novo milênio nos lembrava da leveza. É dessa leveza do Evangelho que o Concílio nos fala e nos impulsiona.

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