Edição 425 | 01 Julho 2013

Unitatis Redintegratio. A enunciação como resposta que solicita uma resposta

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Graziela Wolfart

Para Carlos Alberto Faraco, o decreto conciliar sobre o ecumenismo enfatiza a importância de se enfrentar a questão da unidade e deixa claro seu reconhecimento de que as dificuldades são muitas

Na concepção do linguista Carlos Alberto Faraco, o decreto Unitatis Redintegratio redefiniu algumas atitudes tradicionais de Roma em relação às outras Igrejas Cristãs, uma abertura generosa ao diálogo e à prática ecumênica. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele explica que o decreto “exorta a uma prática ecumênica prudente, baseada na remoção de barreiras e no estímulo ao que é factível nestes primeiros momentos: conversão do coração, conhecimento e respeito, orações em conjunto, ações sociais em conjunto e uma reiteração sempre positiva dos aspectos que aproximam, evitando um espírito polêmico”.

Carlos Alberto Faraco é graduado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, mestre em linguística pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor na mesma área pela Universidade de Salford, Inglaterra, com a tese The Imperative sentence in Portuguese: a semantic and historical analysis. É pós-doutor pela Universidade da Califórnia e professor emérito da Universidade Federal do Paraná – UFPR. De sua produção bibliográfica, citamos Linguagem escrita e alfabetização (São Paulo: Contexto, 2012); Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin (São Paulo: Parábola, 2009), Norma culta brasileira: desatando alguns nós (São Paulo: Parábola Editorial, 2008) e Português: língua e cultura (Curitiba: Base Editora, 2004). Ele participará esta semana do evento “O Concílio Vaticano II como evento dialógico” ministrando a palestra “Hereges ou irmãos? O diálogo do Vaticano II com as Igrejas Cristãs”. 

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Em linhas gerais, qual o foco da abordagem que o senhor trará ao falar sobre o tema “Hereges ou irmãos? O diálogo do Vaticano II com as Igrejas Cristãs”? 

Carlos Faraco – Vou basicamente analisar os termos do decreto conciliar Unitatis Redintegratio. Mostrar como ele redefiniu algumas atitudes tradicionais de Roma em relação às outras Igrejas Cristãs, uma abertura generosa ao diálogo e à prática ecumênica. E, ao mesmo tempo, mostrar as dificuldades que o decreto revela como efeitos do fato de Roma se considerar a única portadora da plenitude da verdade e da fé. Vou tentar analisar os aspectos enunciativos que explicitam essas dificuldades.

IHU On-Line – Que definição o senhor apresentará de “hereges” e de “irmãos”?

Carlos Faraco – Não se trata de definir. Apenas tomei o termo que tradicionalmente o discurso romano usou para se referir aos cristãos que divergiram de Roma. “Hereges” (para os cristãos oriundos da Reforma) e “cismáticos” para os cristãos orientais. O Unitatis Redintegratio descarta estes termos e assume o discurso da fraternidade de toda a família de Cristo. Acredito que tenha havido aí uma substantiva mudança de atitude, criando condições para o ecumenismo. 

IHU On-Line – Do ponto de vista da semântica, como se constitui o decreto Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo?

Carlos Faraco – O decreto tem como interlocutores imediatos não os cristãos em geral, mas os católicos. Contém, assim, diretrizes para o exercício do ecumenismo de dentro para fora, digamos assim. O texto enfatiza as semelhanças de Roma com as Igrejas Orientais e não minimiza as diferenças que há entre Roma e todas as Igrejas oriundas da Reforma. Mesmo aqui, no entanto, busca enfatizar o que as aproxima. Por fim, o decreto tem oito eixos norteadores da prática ecumênica, desde o chamado a uma conversão do coração para o ecumenismo até a formação teológica ecumenicamente informada e inspirada, passando pela importância do conhecimento mútuo e do chamado ecumenismo espiritual (o convívio em oração) e de obras (ações sociais conjuntas).

IHU On-Line – Como se constituem e quem são os sujeitos que escreveram e a que se destina a Unitatis Redintegratio? 

Carlos Faraco – O que se nota é que os redatores do decreto eram teólogos bastante sofisticados, capazes de formular um discurso positivo mesmo diante das inúmeras dificuldades que recobrem o tema da unidade dos cristãos. Pelo que se sabe dos debates de versões prévias do decreto, havia propostas mais avançadas, mas que foram restringidas na versão final por interferência do próprio Papa Paulo VI, o que decepcionou, em parte, os observadores do protestantismo. 

IHU On-Line – Qual a importância de conhecer o contexto histórico e todo o processo de elaboração do decreto para uma melhor compreensão de seu conteúdo?

Carlos Faraco – Penso que conhecer o contexto histórico esclarece tanto os grandes avanços contidos no texto (dentro do propósito geral do Vaticano II de dialogar com a consciência contemporânea e de realizar o aggiornamento da Igreja Católica), como as não poucas dificuldades de acomodar os diferentes.

IHU On-Line – Como pode ser caracterizado o discurso de comunhão entre os cristãos de modo geral? 

Carlos Faraco – O decreto enfatiza a importância de se enfrentar a questão da unidade. Deixa claro seu reconhecimento de que as dificuldades são muitas. No entanto, não vê que estas sejam um impedimento absoluto ao diálogo. Por isso, exorta a uma prática ecumênica prudente, baseada na remoção de barreiras e no estímulo ao que é factível nestes primeiros momentos: conversão do coração, conhecimento e respeito, orações em conjunto, ações sociais em conjunto e uma reiteração sempre positiva dos aspectos que aproximam, evitando um espírito polêmico.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema? 

Carlos Faraco – Minha análise do texto é, primordialmente, a de um linguista e não a de um teólogo (o que não sou). É uma discussão fundamentalmente acadêmica, sem esconder, porém, que a aproximação ao texto é de quem olha Roma de fora, a partir de um substrato anglicano. O evento assume que o Vaticano II foi um evento dialógico e, por isso, se propõe também como um evento dialógico. Por isso, minha principal referência teórica para a análise é o pensamento de Bakhtin, que compreendia toda a enunciação como resposta que solicita uma resposta.

Leia mais... 

>> Carlos Alberto Faraco já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:

Os livros didáticos e a necessidade de ampliar a experiência do letramento. Publicada na edição número 363, de 30-05-2011, disponível em http://bit.ly/mR7qMg 

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