Edição 200 | 16 Outubro 2006

Sonia Montaño

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IHU Online

No contexto dos cinco anos do IHU e na edição número 200 da revista IHU On-Line entrevistamos uma das jornalistas que, junto com a equipe, ajudou a construir e consolidar a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos. Sonia Montaño é uruguaia, está no Brasil há 14 anos e no IHU desde seus inícios, em setembro de 2001. Na entrevista a seguir, a jornalista compartilha algumas das experiências mais marcantes de sua vida, suas grandes paixões e os desafios que a profissão apresenta particularmente no tipo de jornalismo que a IHU On-Line procura realizar.

Origens - Nasci na Cidade de Pando, no Uruguai, uma cidade que fica bem próxima de Montevidéu. Sou a terceira de quatro irmãos. Meus pais, Domingo e Nilda, casaram e resolveram ter um filho a cada ano. Assim, nasceram três rapazes e uma menina. As principais lembranças da infância estão relacionadas ao jogo livre na rua, na quadra, competições de bicicleta, subir nas árvores e tantas outras brincadeiras que eram possíveis numa cidade de interior, com muitas crianças na redondeza.

Família - Meu pai era cobrador de ônibus e minha mãe trabalhava em uma empresa de telefonia. Hoje estão aposentados. Os dois se esforçavam muito para nos dar uma boa educação no colégio dos irmãos maristas da cidade. Foi uma infância feliz, intensa, e com experiências fortes. A primeira foi a morte acidental de meu irmão mais novo, meu companheiro de brincadeiras. Ele tinha 5 anos e eu 6. Uma experiência difícil de relatar e de perceber suas reais repercussões na família toda. Uma segunda experiência forte foi a prisão política de meu pai, durante a época da ditadura militar, por ser militante sindical. Detiveram-no para interrogá-lo com tortura. Depois, era perigoso permanecer no Uruguai e a família foi para Buenos Aires. Meus pais venderam tudo o que tinham, arranjaram um empréstimo e lá fomos nós para ver no que dava. Ficamos quatro anos e depois voltamos. Foi uma boa experiência, aliás minha vida está muito marcada por mudanças, desenraizamentos e novos enraizamentos.

Formação - Quando voltei à minha cidade natal, iniciei o ensino médio, mas terminei-o em Montevidéu. Meu irmão mais velho começava a estudar na universidade e toda a família se mudou para a capital. Aos 14 anos, comecei minha militância política, seguindo um pouco os passos de meu pai e meu irmão mais velho. O Uruguai estava saindo da ditadura e eu militei no Frente Amplio nas primeiras eleições democráticas. Era tudo uma aventura e um grande aprendizado. Ainda não tinha idade para votar, mas sim para discutir, organizar passeatas, argumentar. Quando terminei o segundo grau comecei a estudar na Faculdade de Medicina, no curso de Reeducação Psicomotriz. Nessa época tive uma forte aproximação ao cristianismo como experiência de vida e acabei dando uma virada e estudando Teologia no Instituto Teológico del Uruguay.

Influências - De meu pai, tentei me deixar contagiar pelo seu senso de justiça social e seu grande senso de humor. De minha mãe, uma forte sensibilidade humana, o resto é tudo defeito meu mesmo (risos). Ao longo da vida, conheci muitas pessoas interessantes que também ajudaram a construir-me como pessoa, construção, é claro, completamente inacabada. Aqui na Universidade, duas pessoas foram muito importantes para me abrir novos horizontes intelectuais e humanos.

Brasil - Cheguei ao Brasil em 1993. Eu faço parte de uma Comunidade nova da Igreja Católica, que nasceu no Uruguai e se espalhou por alguns países. Ao Brasil chegamos por convite de um jesuíta que trabalhava na Unisinos. Cheguei a São Leopoldo com 24 anos, com mais três companheiras, mais ou menos da mesma idade. Fizemos de tudo um pouco desde aquela época, principalmente trabalhos com universitários. O bom de sermos uma comunidade nova é que ainda está tudo sendo experimentado e construído por nós mesmas. A diversidade brasileira, seja sua biodiversidade, sua diversidade humana, religiosa, e de tantas outras formas é um espaço de muito arejamento no qual podemos aprender a conviver pacificamente com a diferença, considerá-la desejável, sem medo do dissenso. Adoro morar no Brasil, inclusive já encaminhei minha naturalização.

Autor - Gosto bastante da literatura latino-americana (Borges, Cortázar, Onetti, García Márquez e outros). Descobri alguns autores bem interessantes nos últimos anos, como Simone Weil, Susan Sontag e Henri Bergson. Resulta-me instigante o filósofo tcheco Vilém Flusser e já me emocionei lendo Jürgen Moltmann. Zygmunt Bauman tem me ajudado a entender melhor a contemporaneidade. Nas férias, posso passar horas lendo Edgar Alan Poe e Conan Doyle, aliás, quando era criança queria ser assistente de Sherlock Holmes.

Livro - Difícil destacar alguns livros, mas poderia indicar Contra la interpretación, de Susan Sontag.

Filme - Todos os filmes de Pedro Almodóvar, especialmente Fale com Ela. Meus filmes de férias preferidos são todos os de Alfred Hitchcock. Seus filmes têm um forte e sensível espírito lúdico.

Jornalismo - Uma paixão exercida bem antes de ter o diploma. Paixão que fui descobrindo na medida em que a exercia e a estudava. Comecei a trabalhar apresentando um programa de rádio, quando tinha 20 anos, em Montevidéu, na Radio Universal AM. Era um programa de uma Associação de Arte. Desde então, sempre estive ligada à comunicação, especialmente rádio e jornal. Mais tarde, já no Brasil, cursei Jornalismo na Unisinos e onde agora faço mestrado em Comunicação.

Pesquisa - Nos últimos anos, aproximei-me bastante da pesquisa em televisão, especialmente no mestrado em Comunicação que iniciei no ano passado. Faço parte também do Grupo de Pesquisa em Audiovisualidades, do PPG em Comunicação da Unisinos, que é uma experiência bastante interessante. Talvez o que mais desperta minha curiosidade é descobrir como nos transformam os novos dispositivos técnicos que Walter Benjamin chamava de “nossa segunda natureza” e McLuhan e Teilhard de Chardin de tecnologia criadora de um sistema nervoso para a humanidade. O próprio McLuhan denunciava que nunca tivemos um sistema educacional programado para treinar a percepção do mundo exterior. A pesquisa sobre TV e outros dispositivos da atualidade conseguem treinar essa percepção e levam a compreender melhor nosso tempo.

Eleições - Acho que o sistema político partidário ficou obsoleto. Teriam que surgir novas formas de democracia mais direta, que respondam melhor aos reais desafios da atualidade. Mas, em todo caso, as eleições estão aí e, embora não vote no Brasil, por ser estrangeira, penso no mal menor. Prefiro, então, Lula a Alckmin e Olívio a Yeda.

Uma grande paixão - Viver intensamente tudo o que faço. Criar laços profundos com as pessoas. Descobrir novos caminhos, seja para viver o cristianismo, para exercer o jornalismo, para aprender a crescer com a pesquisa... Também fazem parte de minhas paixões minha família, especialmente minha sobrinha, Fiorella, de 3 anos e meu sobrinho, Leandro, de 3 meses, muitos amigos no Uruguai e aqui, tantos companheiros e companheiras de caminhada.

Presente - Um bom diálogo. Pode ser profundo, superficial, com muitas ou poucas palavras, curto, longo, pacífico, tenso, mas... um bom diálogo! Aquele que me deixa mais humana, mais curiosa, mais viva...

IHU On-Line - Um jornalismo diferenciado, um desafio impossível do qual tentamos dar conta, um trabalho de grupo que, além de profissionalismo, absorveu um algo a mais de cada um dos que estamos envolvidos, o melhor de nós mesmos talvez... A revista nos custou ao longo destes cinco anos suor e lágrimas, mas vê-la nascer a cada segunda-feira provocou sempre uma espécie de silêncio coletivo, em que pode ser que todos pensássemos a mesma coisa: ela nasceu, está aí e até que não saiu nada mal... As repercussões dentro e fora da Unisinos têm sido muitas. É claro que também tivemos frustrações, edições nas quais ficamos aquém dos objetivos de levantar um debate instigante na Universidade e fora dela sobre as questões mais candentes da sociedade. Eu aprendi muito fazendo a revista, tive a oportunidade de entrevistar pessoas interessantíssimas de diversos lugares do mundo e entrar, embora rápida e superficialmente, nos temas mais diversos que estão em jogo no cenário atual. A equipe, embora pequena, é excelente, muito interessante de conviver, de discutir e de construir em conjunto. Fui muito feliz trabalhando na revista, embora esteja saindo e seja uma etapa encerrada, para me abrir a outras possibilidades, pretendo continuar como colaboradora nesse grande projeto.

Unisinos - Estou na Unisinos desde que cheguei ao Brasil, em 1993. No início, trabalhava no setor de comunicação da Pastoral da Universidade. Houve muitas mudanças nesses 14 anos. Entrei na Unisinos em tempos de prosperidade, vi a Universidade da crise e das demissões. Aparentemente agora estamos em uma Unisinos de transição para tempos melhores. Parece que o sol está saindo em alguns sentidos, particularmente no que diz respeito à missão da Universidade na sociedade, e isso me entusiasma bastante.

IHU - O Instituto Humanitas Unisinos inova de uma forma muito própria. Ele avança e vai atrás de objetivos que são impossíveis, primeiro torna-os realidade e depois evidencia que eles não eram tão impossíveis assim. Foi o que aconteceu com a revista, que começou como um pequeno boletim interno, foi assim com o sítio do IHU, que hoje tem forma e conteúdos muito diferenciados. Foi assim com eventos, alguns de porte internacional que debatem temas que atravessam as mais diversas áreas de conhecimento. A tentativa de compreender a crise civilizacional pela qual estamos passando e a pergunta sobre as razões que nos fazem viver em comum, em tempos que declaram a autonomia do sujeito como valor absoluto, está no fundo, na minha compreensão, de todas as ações do IHU, seja uma palestra sobre física quântica, uma edição da revista sobre a política econômica do País, um debate sobre nanotecnologias, uma publicação sobre Teologia Pública e tantos outros. É um espaço onde se diluem os preconceitos, sejam raciais, sexuais, religiosos, culturais ou políticos. Um espaço onde vemos em diálogo áreas de conhecimento que em outros espaços tendem a isolar-se ou excluir-se mutuamente.
 

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