Edição 200 | 16 Outubro 2006

Livro Júlio de Castilhos e sua época é debatido pelo próprio autor

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I Ciclo de Estudos sobre a Formação Social Sul-Rio-Grandense: Contribuições à leitura de seus intérpretes

A obra Júlio de Castilhos e sua época. Porto Alegre: Globo, 1967, escrita pelo historiador Sérgio da Costa Franco, é o centro das discussões nesta quinta-feira, 19-10-2006, no evento I Ciclo de Estudos sobre a Formação Social Sul-Riograndense: contribuições à leitura de seus intérpretes. Franco, que é vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS), aceitou conceder a entrevista que segue, por telefone, à IHU On-Line, antecedendo alguns aspectos que tratará em sua conferência, marcada para as 19h30min, na Sala 1G119, do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Nas palavras do pesquisador, Júlio de Castilhos “deixou também uma tradição de seriedade, de honestidade, mas legou-nos, ao mesmo tempo, uma tradição de truculência e intolerância com a oposição”. Franco é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e bacharel em Geografia e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Considerado um clássico, Júlio de Castilhos e sua época relata inúmeros detalhes sobre a trajetória de Júlio de Castilhos (1860-1903), político gaúcho eleito presidente do Estado do Rio Grande do Sul em 1891. Com a queda de Deodoro da Fonseca, foi deposto em 3 de novembro do mesmo ano. Pouco mais de um ano depois, Júlio de Castilhos disputa uma eleição, sem concorrentes, e volta a ocupar o antigo posto. Empossado em 1893, contém a Revolução Federalista, de tendência parlamentarista e liderada por Gaspar Silveira Martins. Sobre Júlio de Castilhos, confira a edição 14 do Cadernos IHU Idéias, intitulado Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS, de autoria de Gunter Axt, ano 2003.
Sérgio da Costa Franco

IHU On-Line - Como surgiu a idéia de escrever o livro Júlio de Castilhos e sua época? Quais são os principais pontos que destacaria dessa obra?

Sérgio da Costa Franco
– Esse livro foi-me encomendado em 1963 por uma editora de São Paulo, chamada Edaglit, dirigida por Leôncio Barbal. Ele era escritor, filósofo e autor de um livro de filosofia marxista chamado Fundamentos do Materialismo. Ao mesmo tempo, Barbal era empresário e tinha a editora, que estava lançando uma série sobre os fundadores da República. Já havia sido publicado um livro sobre Quintino Bocaiúva , sobre Marechal Floriano , e a programação incluía um livro sobre Júlio de Castilhos. Então Leôncio pediu a indicação de um nome daqui do Rio Grande do Sul e um amigo disse para ele falar comigo. Digamos que tive um ato de coragem, pois eu era um quase estreante nas letras. Eu tinha alguns trabalhos publicados, mas nenhum isolado, singular, do qual eu fosse o autor exclusivo.  Eu tinha feito uma palestra sobre a Revolução de 1893 na UFRGS, posteriormente publicada na série Fundamentos da Cultura Rio-Grandense.  O quinto volume tem essa palestra que fiz na UFRGS em 1960. A publicação do livro saiu em 1962, daí houve uma relação entre o meu nome e o de Júlio de Castilhos, tudo em função dessa conferência que eu havia feito na UFRGS.

Comecei a trabalhar no livro Júlio de Castilhos e sua época por dois anos, mas em 1964 a editora se extinguiu, por problemas políticos relacionados ao Golpe Militar . Barbal deixou de publicar e escreveu-me dizendo que a editora não tinha mais condições de existência, e assim eu deveria procurar outra editora. Foi o que fiz. Eu já estava com o livro bem adiantado. Em 1965, mantive contato com a editora Globo e fui bem sucedido. A publicação saiu por essa editora em 1967, na coleção Província, que era uma boa coleção da época.

Júlio de Castilhos e sua época é uma tentativa de biografia, um ensaio biográfico que me foi pedido. Não é uma obra acadêmica, mas uma obra de divulgação. Esse era o sentido dessa coleção da editora de Barbal. A obra era para ser uma divulgação sobre os fundadores da República, tanto que foi escrita, sobretudo, com base em fontes secundárias. Eu estava no interior, era promotor de justiça em plena atividade, não foi fácil escrever exercendo simultaneamente a promotoria de justiça.

IHU On-Line - Como foi a recepção do livro? E hoje, qual é a sua importância para contar a história do nosso Estado?

Sérgio da Costa Franco
– A fase do Júlio de Castilhos é uma época decisiva de história do Rio Grande do Sul. É um momento crucial, o fim do Império e o princípio da República num período de grande trepidação interna e guerra civil, decretada por Júlio de Castilhos em 1893 e que durou dois anos. O conflito estendeu-se para Santa Catarina e Paraná, e teve um caráter nacional. A Revolução Federalista  se uniu com a Revolta da Armada contra Floriano Peixoto. Depois acontece a introdução da República no Rio Grande do Sul. O livro, na época em que foi escrito, representou um esforço de contar uma história imparcial. Até então, havia boas biografias, mas que eram de sentido partidário, como encomenda do Partido Republicano. Era uma laudatória a Júlio de Castilhos. Meu livro foi a primeira tentativa de uma história imparcial. Acho que excedi um pouco a empolgação e a própria literatura que até então existia sobre Júlio de Castilhos, então o livro saiu mais laudatório que deveria. Mas assim mesmo tive boa receptividade, até por parte dos velhos libertadores, dos antigos maragatos. Tive desse lado manifestações muito estimulantes. Essa foi a razão sobre relativo sucesso que o livro teve. Não desagradou nem os inimigos do Castilhos. Antero Marques, que era um escritor maragato muito apaixonado, depois que leu o livro me telefonou e disse “É... você tentou ser imparcial, mas o livro não deixa de ser um panegírico”.

IHU On-Line – Qual é a importância de Júlio de Castilhos para sua época? E qual é o maior legado que esse político gaúcho deixou?

Sérgio da Costa Franco
– O legado dele foi 40 anos de autoritarismo. Ele deixou uma constituição autoritária, a de 1891, que vigorou até 1930. Deixou também uma tradição de seriedade, de honestidade, mas legou-nos, ao mesmo tempo, uma tradição de truculência e intolerância com a oposição. A oposição viveu dias muito difíceis nos 40 anos seguintes, e isso levou até a Revolução em 1923, que, aliás, amenizou um pouco o rigorismo autoritário da constituição castilhista. Houve uma reforma constitucional. Então se proibiu a reeleição indefinida dos presidentes do Estado, proibiu-se a reeleição dos intendentes municipais, a nomeação dos vices, uma coisa muito anti-republicana, modificada em função da reforma constitucional de 1924, conseqüência de Revolução.

Certamente hoje eu não escreveria o mesmo livro. Ao longo do tempo, pude compreender o sentido da luta da oposição liberal, que lutou, sobretudo por respirar, não era apenas uma revolução de ressentidos pela perda do poder, era sobre a sobrevivência de alguns princípios democráticos que tinham sido inteiramente banidos pela constituição de 1891. O choque básico entre parlamentarismo e presidencialismo, porque a constituição de Castilho era hiperpresidencialista, pode-se dizer ditatorial. O Executivo se unia com o Legislativo - o Executivo legislava, ficava o Legislativo apenas à aprovação dos orçamentos, e isso foi a motivação básica da oposição para pedir a reforma da constituição. Havia coisas como a liberdade profissional que a constituição estabelecia, de que ninguém precisava de diploma acadêmico para o exercício de qualquer profissão. Isso foi um dos legados mais sérios e que gerou mais inconformidade.

IHU On-Line - Como se apresentavam esquerda e direita na época de Júlio de Castilhos? E a respeito de nossos dias, ainda é possível pensar nessa divisão ideológica no Rio Grande do Sul ou o espectro ideológico está mais matizado?

Sérgio da Costa Franco
– É muito difícil definir o que é esquerda e direita. Na França, em determinado momento, o grupo mais revolucionário ocupava a esquerda do parlamento, e os conservadores, a direita. Basicamente isso se conservou. Os defensores do stabilishment são os direitistas, e os que querem transformações radicais são chamados de esquerdistas. Isso no passado não dava para estabelecer. Aqui no Rio Grande do Sul, os federalistas eram da direita e os republicanos da esquerda. Se, de um lado, os republicanos lutavam por certas medidas progressistas, de outro, defendiam um sistema político arcaico e ditatorial.  Quem defendia os direitos democráticos e humanos era a oposição federalista. Na época era impossível falar em esquerda e direita. Esses conceitos de direita e esquerda aparecem mais depois da Guerra Fria. Hoje é difícil qualificar o que é esquerda e direita.  A esquerda defende, às vezes, teses inteiramente anacrônicas, reacionárias, é um superestado que é hoje compatível com as necessidades coletivas. É muito difícil, os problemas são muitos semelhantes de um partido e de outro. Nós vimos agora o caso Lula, que sucedeu Fernando Henrique, num governo igual ao do seu precursor.

IHU On-Line - O castilhismo pode ser explicado com um positivismo moldado ao contexto gaúcho? Por quê?

Sérgio da Costa Franco
– Eu diria que do positivismo os castilhistas apanharam apenas o que interessava com relação ao poder de Estado forte e de República. Os demais preceitos do positivismo não vigoraram por aqui. O positivismo continuava com a liberdade de pensamento. Os republicanos castilhistas realmente deixavam funcionar somente a imprensa oposicionista, com certa liberdade. Teoricamente havia liberdade de imprensa, e o resto era um regime que impedia totalmente a representação das minorias. Durante anos, a oposição não conseguiu eleger um parlamentar e nenhum vereador, só em 1929 é que a oposição elegeu um intendente de Caçapava e um de Dom Pedrito, lugares onde pode ter sido majoritária, mas não vencia porque o voto era a descoberto e facultativo. Então quem votava era funcionário público, que se não votasse com o governo, perdia o cargo. Era um regime de inteira exclusão da oposição.

IHU On-Line - Comparando a realidade política da época de Castilhos com a de hoje, quais seriam as principais diferenças? O que mudou? Quais são os maiores desafios a serem enfrentados em nosso estado?

Sérgio da Costa Franco
– Eu acho que o quadro é completamente diferente. Não há o que falar em termos de castilhismo e federalismo, que estão fora de qualquer agenda. Não há semelhança. De vez em quando, escuto um grupo, desses escritores do PT, estabelecendo uma ligação entre o PT e o partido republicano, sobretudo em termos de lisura administrativa e honestidade. Mas pelo que se vê, foi totalmente desmoralizado. Acho que não resta nada. Ninguém a essa altura defende mais um hiperpresidencialismo, como era antigamente. Também o parlamentarismo puro, defendido pelos federalistas, está mais ou menos arquivado em função do plebiscito que houve e que rejeitou o parlamentarismo, tornando o presidencialismo muito estável. Não há nenhum dos temas de conflitos que existiam nos tempos do castilhismo.

O desafio maior no Rio Grande do Sul é arrecadar para pagar o funcionalismo. É uma porção de desafios de natureza que estão na ordem de todo o Estado, que são de âmbito nacional. Fortalecer as finanças dos estados, tornar os estados menos dependentes da União, a reivindicação federalista que nasceu com a República está de pé ainda, porque os estados foram sendo sufocados por um regime cada vez mais centralista, cada ditadura que sobrevêm centralizaram o poder, concentrando na esfera federal em prejuízo dos estados. Isso hoje é um problema de difícil solução e que implica em um reforma política muito profunda. Ma não há consenso. Eu tenho às vezes impressão que está se fortalecendo a ideologia centralista, a tendência para um Brasil unitário. Quando eu vejo o Ministério da Educação querendo tratar de ensino fundamental, e isso sempre foi tarefa do Estado, dos municípios, entendo isso como o cúmulo do centralismo. Fala-se cada vez mais em Polícia Federal, nas atribuições policiais sendo transferidas do Estado para a União, e intervenção do Exército na segurança pública. Isso tudo é estimulação do regime republicano federativo, com que sonharam em 1889. O federalismo corre perigo, a tendência predominante é a centralista.

IHU On-Line - Quais são as perspectivas que se delineiam com as eleições para governador este ano? Como ficará o Rio Grande do Sul com Olívio ou com Yeda?

Sérgio da Costa Franco
– É difícil, eu não tenho bola de cristal, não.  A Yeda vence, deve vencer. Acho que a eleição está até fácil, mas também não posso imaginar quais serão os planos dela. Como todos, os governantes estaduais dependerão muito do governo federal.

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