Edição 421 | 04 Junho 2013

A arte de possibilitar a auto-organização

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Ricardo Machado | Tradução: Ana Carolina Azevedo

Para Arie Lewin, professor da Duke University, o desafio da gestão contemporânea é administrar a auto-organização dos empregados

Focado em pesquisas para entender como funciona o trabalho offshoring – atividades realizadas remotamente com empregados, às vezes, de várias partes do mundo –, o professor Arie Lewin respondeu por e-mail a perguntas da IHU On-Line sobre as racionalidades da gestão contemporânea e falou sobre o papel do Brasil na globalização. Para ele, a gestão contemporânea precisa ter em conta a auto-organização dos empregados. “O maior desafio é a formação de nível médio a sênior dos gerentes na nova arte de possibilitar a auto-organização. Isso implica na necessidade de aprender a gerenciar atenção em vez de comando e controle”, destaca. “Pequenas empresas iniciantes de tecnologia empresarial aprenderam a se organizar na web e obter talentos em qualquer lugar do mundo”, complementa.

Arie Lewin é professor de estratégias e negócios internacionais na Universidade de Duke e diretor do Centro Internacional de Educação para Negócios e Pesquisas (Ciber, na sigla em inglês). Entre outras atividades, foi editor-chefe da revista Journal of International Business Studies, de 2002 a 2008, e fundador do Program Director for Decision, Risk and Management Science at the National Science Foundation, de 1986 a 1988. Além disso, é professor convidado de várias universidades do mundo, como a Erasmus University, na Holanda, e a Hitotsubashi University, no Japão. Autor de centenas de artigos, o professor Lewin escreveu dezenas de livros, dentre os quais citamos Next Generation Offshoring: The Globalization of Innovation (2007).

Confira e entrevista.

IHU On-Line – Quem é a nova geração Offshoring  e como o senhor pensa a inovação global?

Arie Lewin – A nova geração de offshoring é o resultado de vários esforços por parte: 

1. Das empresas, que estão aprendendo e adotando gradualmente a prática de modularizar os processos técnicos e administrativos (empregos de escritório, também chamados white collar) e buscando essas funções em provedores (no país e fora, ou seja, offshore), bem como do trabalho em organizações de serviço compartilhado em offshoring interno. 

2. Dos avanços na comunicação e nas tecnologias de TI, que possibilitaram este processo de modularização de offshoring e reduziram drasticamente a infraestrutura de comunicações e de movimentação e compartilhamento de arquivos de dados grandes. 

3. Do surgimento e crescimento dos prestadores de serviços ao redor do mundo. A concorrência entre prestadores de serviços serviu para “comoditizar” os processos (e, dessa maneira, reduzir continuamente a prestação do serviço); ao mesmo tempo, ela compete com novas ofertas de serviços, como a terceirização de serviços jurídicos.

4. Da adoção de empresas de rede social como intraorganização, o que aumenta muito a medida com que os empregados de todos os níveis colaboram remotamente, incluindo funcionários de outras empresas, como parceiros de aliança e prestadores de serviços (por exemplo, desenvolvedores de software).

5. Do declínio no número e na proporção de jovens adultos provenientes de economias desenvolvidas, que iniciam carreiras nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática – STEM (na sigla em inglês) . Isso tudo acaba conduzindo as empresas a procurarem trabalho no resto do mundo, ou seja, offshore. A Duke University Offshoring Research Network [Rede de Pesquisa em Offshoring da Duke University] estimou a escassez de trabalhadores de STEM no ano de 2004 em cerca de 170 mil; esse número contém o declínio das referidas carreiras nas empresas norte-americanas de cerca de 40 mil. 

IHU On-Line – Considerando as economias emergentes, qual o potencial dos clusters de talento, sobretudo na indústria criativa e nas tecnologias de informação e comunicação?

Arie Lewin – A procura de talentos de STEM consiste na demanda das economias desenvolvidas (por exemplo, a escassez nos EUA, em 2004, de cerca de 170 mil) e das necessidades internas das economias emergentes. O Brasil, por exemplo, não tem muito potencial para atender ao mercado internacional, principalmente por duas razões: alta demanda interna e falta de talento de STEM com proficiência adequada na língua inglesa. 

A China e a Índia têm o maior potencial mundial de satisfazerem a procura global por talento de STEM. No entanto, a menos que cada país faça grandes investimentos na ampliação das capacitações das universidades (que formam pós-graduados de mestrado e doutorado), é improvável que essas duas economias emergentes satisfarão a demanda. 

Ao contrário do que se imagina, tanto a China como Índia estão passando por um dreno de estudantes que buscam formações avançadas em áreas de STEM nas universidades ocidentais. Estima-se que a China tenha cerca de 1,8 milhões de estudantes com alta formação em STEM em países ocidentais, compondo a diáspora do talento de STEM na China. 

A China reconhece o impacto negativo do crescimento da diáspora do talento de STEM no futuro de seu desenvolvimento econômico, especialmente porque seus objetivos nacionais estão transformando o desenvolvimento econômico em atividades de maior valor, representadas por indústrias criativas e pelas tecnologias de informação e comunicação. No entanto, a menos que a China e outras economias emergentes concebam políticas integrativas que atraiam os talentos de STEM na diáspora para seus países de origem e, além disso, criem mudanças institucionais, que, por sua vez, criem as oportunidades e incentivem atividades criativas empresariais, tais iniciativas não conseguirão construir comunidades internas de talentos de STEM.

IHU On-Line – O que seriam exatamente esses clusters de talento?

Arie Lewin – Clusters de talento podem aparecer de muitas maneiras. Por exemplo, clusters biotecnológicos de STEM podem ser encontrados nos arredores da Universidade de Cambridge em Massachusetts e de Cambridge no Reino Unido; no sul da Dinamarca, e no Research Triangle Park (RTP), na Carolina do Norte. O Vale do Silício da Califórnia inclui muitos clusters, principalmente de tecnologia da informação, inovação digital, redes sociais, profissionais e conteúdo de mídia digital. Os clusters estão frequentemente ligados a universidades como Stanford e a Universidade da Califórnia, em Berkeley, que abastecem o Vale do Silício. A RTP está ligada a três universidades – Duke University, NC State University e University of North Carolina.

Na China, as cidades Dalian, Xian e Xangai têm clusters voltados para o desenvolvimento de software e jogos (nas áreas do design e da codificação de videogames).

Um novo fenômeno é o dos talentos de STEM organizados em torno de clusters acerca de plataformas de corretagem da web, como o talento freelance, que alega ter 3 milhões de membros registrados. O projeto ORN identificou mais de 120 plataformas da web que ligam o talento de STEM com empresas que têm projetos em andamento. A ORN estima que, em 2010, havia cerca de 50 milhões de inscritos nesses sites. Claro, deve ter havido uma sobreposição significativa nas inscrições. No entanto, isso tudo representa um novo fenômeno ligado ao novo estilo de vida – que é encontrar trabalho para a demanda – através desses sites de corretagem de talento.

IHU On-Line – Que mudanças as novas tecnologias trazem às racionalidades da gestão?

Arie Lewin – As mudanças mais importantes são as novas oportunidades que os gestores têm em desagregar (ou modularizar) seus projetos de organização e criar novas estruturas que se fundam em atividades domésticas (offshore ou local) com as atividades e processos fornecidos por provedores terceirizados e espalhados ao redor do mundo. Os avanços no domínio das tecnologias de comunicação e informação possibilitam essas novas formas de organização. Paralelamente, essas novas formas de organização apresentam novas demandas aos gestores médios e até mesmo aos mais experientes. Eles enfrentam o desafio de gerenciar uma organização que depende cada vez mais de um processamento auto-organizador, que substitui a liderança de comando e controle. 

IHU On-Line – A que o senhor se refere quando fala nas “formas da nova organização” e na “gestão estratégica em tempos de desordem decrescente”?

Arie Lewin – Essas novas formas surgiram de diversas maneiras. Primeiramente, as empresas estão começando a perceber que uma quantidade crescente de seus empregados realizam seus trabalhos através de colaborações na web. Em outras palavras, muito do trabalho é feito remotamente, em conjunto com alguém que está distante. A maior empresa do Vale do silício descobriu que 54% dos seus empregados trabalham remotamente, seja dentro da empresa, mas geograficamente dispersos, ou à distância, junto do fornecedor ou prestador de serviços. Esta empresa descobriu que cerca de 50% do espaço para escritórios não era utilizado.

Quanto mais as empresas implementarem redes sociais dentro de si mesmas, mais descentralizados serão os locais onde o trabalho é realizado. Pequenas empresas iniciantes de tecnologia empresarial aprenderam a se organizar na web e obter talentos em qualquer lugar do mundo. As grandes empresas estão percebendo que será necessário fazer o mesmo. Nas palavras de um vice-presidente sênior de fabricação, “devemos aprender a identificar um engenheiro em qualquer lugar do mundo, e aprender a trabalhar com este engenheiro de maneira remota”.

IHU On-Line – Dentro desse contexto, quais sãos os desafios da gestão global na contemporaneidade?

Arie Lewin – O maior desafio é a formação de nível médio a sênior dos gerentes na nova arte de possibilitar a auto-organização. Isso implica a necessidade de aprender a gerenciar atenção em vez de comando e controle.

IHU On-Line – O que significa a hipercompetividade global e que respostas a esse tema as organizações devem dar à sociedade? Como os pesquisadores têm tratado este tema?

Arie Lewin – A hipercompetitividade é um conceito muito superestimado e utilizado excessivamente na gestão estratégica. Experimentamos mudanças tecnológicas e organizacionais em todas as épocas, e os gerentes sentem constantemente como se estivessem gerenciando em tempos de mudança crescente.

Na verdade, condições de hipercompetitividade são raras. Condições fundamentais exigem que as empresas envolvam-se em saltos estratégicos, pulando de uma vantagem temporária para a próxima e, dessa maneira, vivendo “no limite”. A indústria de smartphones é uma dessas. Indústrias como a Apple, Samsung, Google e outras estão envolvidas neste tipo de competição. Sob tais condições, aquelas que contribuem com a supercompetitividade podem tornar-se fonte de desvantagem competitiva, como é o caso da Apple hoje atualmente.

IHU On-Line – Como pensar a hipercompetividade tendo em vista a preservação dos direitos dos trabalhadores e a preservação ambiental, por exemplo?

Arie Lewin – A hipercompetitividade ou as dinâmicas hipercompetitivas não necessariamente afetam a sustentabilidade ou os direitos dos trabalhadores. É verdade que as mudanças que venho discutindo estão afetando a definição de trabalho e das profissões. Mas, muitas vezes, isso somente representa uma resistência arraigada a reconhecer a necessidade de mudança, que tem consequências muito mais pesadas no trabalho.

É evidente que as pessoas precisarão estar dispostas a “reinventarem-se” várias vezes durante suas carreiras, e que os governos precisarão pensar em novas estratégias que permitam tal adaptação. Enquanto alguns países (como a China) tornam-se líderes quando mudam (tecnológica e socialmente), outros países não podem isolar-se dessas alterações. Na fabricação, o advento e a rápida adoção das tecnologias de impressão 3D (a saber, construções personalizadas em massa de um item por vez) podem tornar-se condutores principais da fabricação insourcing nos países de alto custo. Se essa tendência vingar, as implicações que a China vai sentir, por exemplo, serão muito significativas. Da mesma forma, o advento do gás natural como fonte de energia está mudando as decisões de localização das empresas químicas, pois afeta não somente o aquecimento global, mas também setores importantes, como o de transportes (automóveis, caminhões e navios). 

IHU On-Line – Os avanços tecnocientíficos nos permitem pensar em novas subjetividades nas relações entre as pessoas envolvidas na gestão?

Arie Lewin – Não há nenhuma dúvida de que, nos próximos 50 anos, vamos testemunhar o aproveitamento das tecnologias digitais e de web em ferramentas de organização, o que conduzirá o modo como trabalhamos e com quem trabalhamos. As organizações se tornarão muito mais flexíveis a fim de reconfigurarem suas atividades de uma maneira muito mais oportuna. Também vamos testemunhar mudanças na configuração das instituições nacionais; ao invés de fazer as pessoas serem dependentes de serviços sociais da regulamentação governamental, as pessoas terão maiores responsabilidades, mas com os governos garantindo condições equitativas, expectativas de aprendizagem, enquanto também criam a infraestrutura necessária para a formação. Fica cada vez mais claro que os menos favorecidos são pessoas que não tiveram oportunidade de aprenderem, de adquirirem novas competências e capacidades. As oportunidades de menor qualificação ou trabalho manual vão continuar a diminuir em todo o mundo, priorizando a aprendizagem e a criação de conhecimento e aquisição e renovação de habilidades de maior valor agregado. A Coreia do Sul é, provavelmente, o exemplo prototípico da dinâmica atual que acredito estar em andamento e que irá pavimentar o caminho da discussão no assunto.

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