Edição 419 | 20 Mai 2013

A pessoa na era da biopolítica

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Ricardo Machado e Márcia Junges

Impasses éticos e limites aceitáveis nas interferências do corpo são aspectos a serem levados em consideração, pontua Heloísa Helena Barboza. Indivíduos passaram a se apropriar de modo diferenciado de seu corpo, o que impacta em sua subjetividade e autonomia

Ser pessoa na era da biopolítica “é ser objeto da política, é ter a sua vida inteiramente regida pelos interesses (e ‘sabores’) da política”, menciona Heloísa Helena Barboza, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. As novas tecnologias aplicadas ao sujeito e à sua corporalidade causam impactos inéditos que provocam “conflitos que devem ser resolvidos sem afronta aos altos valores morais que, não raro, são postos em jogo”, observa. A professora abordará o tema “A pessoa na era da biopolítica: autonomia, corpo e subjetividade” hoje, dia 20 de maio, das 17h às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. Mais informações: http://bit.ly/13JT2jU 

Heloísa Helena Barboza é graduada e doutora em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca com a tese Procedimentos para redesignação sexual: um processo bioeticamente inadequado. É livre docente pela UERJ, onde leciona na Faculdade de Direito. Entre outros, é autora de A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização in vitro (Rio de Janeiro: Renovar, 1993). Com Maria Celina Bodin de Moraes e Gustavo Tepedino escreveu Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – volume I (arts. 1º a 420) (2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como podemos pensar a autonomia do corpo e da subjetividade na contemporaneidade?

Heloísa Helena Barboza – Este tema é pensado desde a Antiguidade, como esclarece Foucault, à evidência sob diferentes aspectos e designações. Os avanços da biotecnologia, da biomedicina, enfim, das ciências em geral no século XX permitiram interferências no corpo até então não consideradas possíveis. Surgiram assim novos meios de conhecimento e modificação do corpo que passaram a ser utilizados não só pela medicina, como pelo próprio indivíduo, principalmente na construção de sua subjetividade, ampliando o âmbito de exercício de sua autonomia.

IHU On-Line – Que implicações bioéticas podem ser percebidas diante deste novo cenário?

Heloísa Helena Barboza – Neste novo cenário profundas questões bioéticas estão postas, na medida em que se indaga, cada vez com maior frequência, quais os limites aceitáveis ou ao menos razoáveis dessas interferências do corpo, quer as de natureza médica, quer as que atendem o interesse ou desejos do indivíduo. Dito de outra forma, o que pode ser feito ou admitido em face dos valores morais vigentes.

IHU On-Line – De que maneira as novas tecnologias impactam em aspectos bioéticos da contemporaneidade?

Heloísa Helena Barboza – A bioética é o campo por excelência de debate das questões éticas provocadas pelos efeitos da aplicação dos recursos biotecnológicos. Por conseguinte, as altas indagações que daí surgem, tais como as decorrentes de alterações do corpo que permitem a mudança do sexo/gênero, constituem um desafio para os princípios da bioética, que deverá apresentar a orientação adequada para atender os interesses individuais e sociais em conflito, à luz dos valores que devem ser preservados. O impacto maior resulta exatamente do fato de se tratar de situações inéditas que provocam conflitos que devem ser resolvidos sem afronta aos altos valores morais que, não raro, são postos em jogo.

IHU On-Line – Qual o papel da institucionalização/legalização dos direitos humanos tendo como perspectiva a questão da homossexualidade e transexualidade – já que a medicina permite a transgenitalização? Que direitos seriam estes?

Heloísa Helena Barboza – A homossexualidade e a transexualidade, embora sejam pertinentes ao amplíssimo campo da sexualidade, são temas que apresentam questões diferentes e demandas diversificadas. Convergem, contudo, em um aspecto fundamental: ambos afrontam o sistema vigente que rege a relação sexo/gênero e que é heteronormativo. A não observância desse sistema provoca a discriminação e a exclusão das pessoas que não o adotam, o que resulta inevitavelmente em cerceamento de direitos. O reconhecimento e o respeito aos direitos humanos (e/ou fundamentais) dessas pessoas é imperativo, mas só têm ocorrido após árdua luta, inclusive no meio jurídico. Esses direitos são todos os reconhecidos a qualquer ser humano e que não podem ser negados apenas em razão do não cumprimento das regras estabelecidas pelo sistema que prevê a congruência necessária entre sexo / gênero / heterossexualidade.

IHU On-Line – O que significa ser pessoa na era da biopolítica?

Heloísa Helena Barboza – De maneira muito resumida, se pode dizer que ser pessoa na era da biopolítica é ser objeto da política, é ter a sua vida inteiramente regida pelos interesses (e “sabores”) da política, que nem sempre (ou – infelizmente – com frequência) não está voltada para os problemas e interesses humanos. Como destacou Foucault, a vida de ser vivo é o que está em questão na política do homem moderno.

IHU On-Line – Quais sãos os desafios de nossa sociedade para avançarmos em rumo mais humano e ético?

Heloísa Helena Barboza – Considerando que vivemos plenamente na era da biopolítica, muitos são os desafios. Talvez o maior deles seja identificar, analisar e enfrentar esses problemas à luz dos valores humanos e não apenas de interesses de outra ordem, como os econômicos ou financeiros. Nessa linha, preciso dar maior visibilidade a diversos problemas humanos ainda ignorados, para que possam ser examinados e debatidos na busca de soluções eticamente aceitáveis.

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