Edição 419 | 20 Mai 2013

A imagem como síntese da fotografia e do fotógrafo

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Ricardo Machado

Fotógrafo e professor da Unisinos, Flávio Dutra fala das relações entre o produtor e a imagem produzida
Flávio Dutra: “Sempre que a fotografia tenta imitar o mundo ela faz isso mal”

O desafio da fotografia, em uma era de profusão absoluta de produção e consumo de imagens, é ser diferente para não passar despercebida. Para o professor e fotógrafo Flávio Dutra, que concedeu entrevista por telefone à IHU On-Line, a amplificação dos discursos dentro das imagens é o que permite uma fotografia ter maior relevância não só de informação, mas também de reflexão dentro da contemporaneidade. Para ele, a fronteira entre fotógrafo e fotografia é borrada por uma presença de ambos nestes dois espaços. Nesse contexto, Flávio considera que, na relação entre imagem e pessoas, o fotógrafo é quem vê mais. “Certamente o fotógrafo também constitui o que ele está criando como imagem, isso é um princípio da fotografia, pois ela, a fotografia, não está no que a pessoa está vivendo, mas no que as pessoas querem ver daquilo que estão vivendo. Nesse sentido também, a fotografia é sempre uma construção que o fotógrafo faz a partir de uma intenção e um desejo do que ele está vendo. Por isso, para mim, a imagem é sempre mais vista por quem faz, que o contrário”, sustenta.

Flávio Dutra é formado em História e em Jornalismo, pela Ufrgs. Possui especialização em Docência no Ensino Superior, pela Unisinos. Atualmente  é fotógrafo do Jornal da Universidade, da UFRGS e professor da Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na fotografia, como se dá a relação entre fotógrafo e imagem? Quem olha quem?

Flávio Dutra – Isso é difícil de responder, porque há vários níveis disso. Existe uma discussão que sempre os alunos trazem, talvez porque tenham uma dificuldade inicial, que é a relação de como se aproximar do que se fotografa. Há sempre uma tendência enorme das pessoas a fotografarem a distância, por temerem a relação com o que se fotografa. Isso me parece ser um gostar de olhar a imagem e temer ser visto por ela. Tentando pensar em termos concretos, como fotógrafo, é sempre uma via de duas mãos: o fotógrafo olha a imagem e a imagem olha o fotógrafo. Penso isso no sentido do aprendizado. Certamente o fotógrafo também constitui o que ele está criando como imagem, isso é um princípio da fotografia, pois ela, a fotografia, não está no que a pessoa está vivendo, mas no que as pessoas querem ver daquilo que estão vivendo. Nesse sentido, a fotografia é sempre uma construção que o fotógrafo faz a partir de uma intenção e um desejo do que ele está vendo. Por isso, para mim, a imagem é sempre mais vista por quem faz, que o contrário. É intenção que se constrói por meio de um aparelho técnico/tecnológico, de um discurso que ele está vendo.

IHU On-Line – Robert Capa  dizia que “se a foto não está boa é porque o fotógrafo não está perto o suficiente”. O senhor concorda com isso?

Flávio Dutra – Eu gosto muito dessa frase e no contexto do Capa tinha ao menos dois sentidos. Primeiro porque ele fotografa guerras, campo, aliás, onde ele ficou reconhecido. Então para ele essa frase dá certo sentido heroico para o que ele fazia, porque guerra é um lugar de onde preferimos estar longe. Então essa coisa de fotografar de perto tinha, para ele, uma espécie de “autoglorificação”. Mas eu acho que essa frase tem outra coisa importante, porque estar perto, em minha concepção, é mais do que a questão da distância física; envolve estar em relação ao que se está fotografando. Então eu gosto de pensar que, quando se diz que a pessoa não está próximo do que está fotografando, é que ela não se está em relação suficiente com o que está sendo fotografado. O que importa é o quanto a pessoa está dentro daquilo que ela está fotografando, principalmente em uma capacidade de imergir naquilo que está fazendo, o que é uma das grandes dificuldades do fotojornalismo, pois o fotógrafo tem pouquíssimo tempo para produzir o material e faz as coisas sempre na pressa da necessidade de produção da rotina do jornalismo. Isso resulta em imagens um pouco atravessadas. Agora, quando o trabalho tem um pouco mais de condição de envolvimento e imersão, o resultado é melhor.

IHU On-Line – Que papel a fotografia ocupa em uma sociedade imersa em um turbilhão de imagens?

Flávio Dutra – Eu estava lendo um texto de Michel Frizot, um historiador da fotografia, e ele dizia, mas não sei qual é a referência dele, que atualmente são produzidas 1 bilhão de imagens por dia no mundo. Eu penso que a importância da imagem, do ponto de vista do profissional, é produzir algo que tenha uma diferença nesse turbilhão. Seja essa diferença de conteúdo, de conceitos, qualidade plástica, ou seja, conseguir fazer imagens nesse turbilhão que se diferencie é complicado. As imagens são dessa loucura cotidiana, tudo tende a se misturar e ficar igual. Por isso que nós damos tanto valor a trabalhos que tenham certa uma profundidade e que consigam construir discursos que vão para além da imagem. Talvez a grande diferença entre as imagens esteja na medida em que os discursos se amplificam. Um exemplo de um fotógrafo que faz isso há muito tempo – e que talvez seja o maior expoente deste gênero – é Sebastião Salgado . Agora ele está apresentando um trabalho, O Gênesis, que tem essa dimensão, que foge da ideia de turbilhão, por conta daquilo que ele consegue criar de conceitos. 

IHU On-Line – Em que medida a fotografia dá a ver lógicas e mecanismos socioculturais?

Flávio Dutra – A fotografia é sempre um ponto de vista. Nunca é só uma informação, mas também opinião. Embora a fotografia apresente tais lógicas, ela nunca elucida as relações, pois é sempre uma perspectiva que quer constituir um sentido. Por exemplo, em relação às imagens das manifestações contra o aumento da passagem de ônibus em Porto Alegre, houve um momento em que a imprensa fez uma autocrítica da própria cobertura, em que num primeiro momento dava-se ênfase à “baderna”, mas houve outro momento em que se percebeu que não era só isso, quando então mudou o rumo. O que primeiro tentou se mostrar era a pichação, a violência, o confronto, e isso é o ponto de vista a que me refiro. A fotografia, por um vício de origem, um meio mecânico que mostra o mundo, dá uma certa aparência de que o que está sendo mostrado é o real. E sabemos que não é o real, mas uma perspectiva.

IHU On-Line – O senhor considera que há diferenças entre ver e olhar? Quais?

Flávio Dutra – Essa é uma discussão filosófica bastante longa. Eu tenho a tendência de pensar o “ver” e “olhar” em uma perspectiva de profundidade. A visão é um dos sentidos mais funcionais, um dos mais atentos que temos, do qual mais dependemos. Porém, ao mesmo tempo penso que é o mais mal utilizado porque usamos a visão de uma maneira muito funcional. Uma frase comum pode nos ajudar a pensar isso: “olhar com os olhos de quem quer ver”. Penso que existe alguma diferença e isso está na vontade de aprofundar o que se olha. 

IHU On-Line – Como o senhor pensa a ideia de que as imagens também nos olham?

Flávio Dutra – Não sei como pensar isso de que as imagens nos olham. Mas posso pensar que as imagens nos formam e acho que elas são importantes para a nossa formação. Nesse sentido, aprender a olhar faz com que vejamos de forma diferente, pelo menos quando temos a intenção de fazer isso. Aí consigo me aproximar da ideia de que as imagens nos compõem. No entanto, acho que é um exercício que fazemos pouco e aprendemos a fazer pouco. Em geral olhamos para as imagens como olhamos para o mundo, que é procurando a informação. Pensamos pouco como as imagens se constituem e é nisso que eu acho que termina sendo formado pela imagem, criando essa contrapartida.

IHU On-Line – Em que medida a fotografia nos ajuda a compreender melhor o mundo em que vivemos?

Flávio Dutra – Dentro de toda essa discussão que a tela é sempre um ponto de vista e que tem um sentido colocado por alguém que a produz, colocado pelas rotinas de produção de quem as produzem, seja no jornal, no museu, em uma exposição, creio que a imagem deve ser vista desta forma. Mas se pensarmos ela apenas como informação, então acho que não. 

IHU On-Line – Considera que há uma maneira mais “adequada” de ver as imagens? Qual?

Flávio Dutra – É a maneira pela qual devemos olhar qualquer discurso. Que é uma maneira atenta, crítica e que desfaz o vício de origem da condição de real. A fotografia briga demais com a relação da suposta reprodução do real. Ter a noção de que ela não tem essa fidelidade é uma maneira ideal de ver as imagens com uma qualidade diferente. Isso tanto do ponto de vista de quem olha as imagens, mas também de quem produz. Sempre que a fotografia tenta imitar o mundo, do ponto de vista da produção, ela faz isso mal.

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