Edição 416 | 29 Abril 2013

O “encarpetado” chão de fábrica

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Ricardo Machado

Esqueça tudo o que você aprendeu sobre o termo “chão de fábrica”. Esqueça os uniformes, a esteira de produção e o trabalho repetitivo. Jogue fora a ideia de que o chefe, gestor, encarregado, supervisor, coordenador ou líder estará no seu pé vendo o que você faz. Esqueça também a imagem do trabalhador chegando ao seu trabalho batendo o cartão pontualmente às 8h e fazendo o processo inverso às 17h. Descarte também a importância da carteira de trabalho com os anos e anos de experiência, outros anos e anos do trabalhador dedicando seu esforço laboral a uma só empresa e o “isolamento” do trabalho após o cumprimento da carga horária. Ainda que a realidade apareça muitas vezes como o cenário descrito acima, o trabalho na contemporaneidade, sobretudo em função das novas tecnologias, caminha para uma realidade mais leve esteticamente.
Em casa: na agência Cadastra, em Porto Alegre, o ambiente de trabalho é mesclado entre mesas, computadores e o aconchego da sala de estar

 

Pensar o chão de fábrica sem uma estrutura mental pejorativa é pensar um modelo de trabalho que levou a sala de estar, a sala de jogos e a cozinha para o seu emprego. Fazendo um paralelo com a economia nacional, deve-se ao esforço diário e incessante do chão de fábrica o avanço econômico do país nas últimas décadas, principalmente o relacionado ao Produto Interno Bruto – que levou o Brasil a ocupar a 6ª economia mundial à frente da Inglaterra, mas que depois recuou. Portanto, deixe para o passado o estereótipo das botas e uniformes, porque agora o chão de fábrica também é elegante, usa terno e gravata, usa tênis All Star e camisa xadrez, usa salto alto e vestido.

Diferenças

Abordar a questão das mudanças no trabalho é como caminhar no fio da navalha, pois não significa que a evolução tecnológica necessariamente tornou o trabalho melhor ou pior, mas que agora opera sobre outra lógica. Na agência de marketing digital Cadastra, em Porto Alegre, cerca de 60 pessoas trabalham diariamente em um local absolutamente aconchegante. A longa e ampla sala se estende sem divisórias, com mesas compridas, onde diversos empregados trabalham em núcleo – conforme a atividade que desenvolvem –, mas todos integrados em um mesmo ambiente. Mais ou menos no meio deste espaço, tem a cozinha – muito bem equipada e onde ocorre diariamente, por volta das 16h, o café da tarde, ocasião em que todos se reúnem para descontrair e dar uma aliviada na rotina. Junto à cozinha existe e uma espécie de sala de estar com redes, sofás, vídeo-games e alguns brinquedos. Os aniversariantes têm balões de festa com um sorriso colados aos monitores de suas estações de trabalho. Assim, basta ver a bexiga amarela para saber que é dia e dar um abraço especial no colega.

De acordo com a analista de recursos humanos da Cadastra, a psicóloga Nicole Lunardi, a proposta do espaço é proporcionar um ambiente prazeroso de trabalho. “Aqui na Cadastra não controlamos o horário exato em que o empregado chega, temos flexibilidade, pois também queremos que ele faça uma atividade de que gosta, na qual possa estudar. Nós trabalhamos por performance, temos metas para atingir, mas o nosso modelo de trabalho é de autogerenciamento”, explica Nicole. Trocando em miúdos, o autogerenciamento significa uma flexibilidade para o empregado gerir a própria forma de trabalho, ou seja, não existe a figura de um chefe em cima da pessoa cobrando o exercício de duas atividades, o que implica no desenvolvimento da autonomia profissional da pessoa, à medida que cabe a ela o envolvimento e a tomada de algumas decisões. “Apesar de nossas metas e nossa flexibilidade ninguém fica aqui trabalhando de madrugada”, complementa Nicole.

Seleção

Para um modelo pouco tradicional de trabalho, há também um modo pouco tradicional de seleção. O único pré-requisito mais formal para trabalhar na Cadastra é que o candidato tenha curso de graduação, seja ele completo ou, digamos assim, quase completo. Portanto, uma carteira de trabalho cheia de assinaturas de antigos empregos e longas experiências não se tornou um instrumento tão importante assim. De resto, espera-se que o candidato seja criativo – daí a importância de um ambiente mais leve e de uma rotina menos pesada, de modo que as subjetividades possam ser estimuladas –, e que ele tenha vontade de aprender. Não é raro ver alguém lendo um livro durante o expediente, inclusive estimula-se a prática, estudando para as provas de certificação do Google, por exemplo, ou rindo de um vídeo do YouTube. “A gente gosta que nossos colegas leiam e que se distraiam durante o expediente. Queremos que eles se sintam em um clima agradável”, frisa Nicole.

Controle

Embora o trabalho dos empregados se paute pelo autogerenciamento, há um rigoroso controle das atividades por meio de relatórios, o que permite manter em dia as demandas dos clientes. “O controle é subjetivo e feito pelos relatórios diários sobre o trabalho que as pessoas salvam na rede. Para o controle são levadas em consideração desde as planilhas até o comportamento no trabalho”, esclarece Nicole.

O mal-estar na pós-modernidade do trabalho, fazendo uma analogia a Bauman , está relacionado às metas. As equipes, como explicado anteriormente, são divididas em núcleos que atendem a determinados clientes e, por isso, a pressão das metas é bastante diluída nas demandas de cada um. Eventualmente, quando uma meta não é atingida, há um “mal-estar”, como considera Nicole, mas isso raras vezes acontece. “Nossos controles permitem calcularmos os riscos de uma meta não ser atingida. Aí trabalhamos para evitar que isso ocorra”, ressalta a analista de RH.

Quando o trabalho faz bem

Interessada pela área de comunicação digital, Erica Rigo, estudante de Relações Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, entrou na Cadastra há um ano e nove meses para trabalhar na área de links patrocinados. “Eu ainda não conhecia muito sobre como era o trabalho no setor para o qual fui admitida, porém isso não foi empecilho para não conseguir a vaga. Desde que entrei, participei de treinamentos e fui orientada por supervisores para desenvolver minhas habilidades na área”, explica. Para ela, a integração do trabalho do estagiário com os demais profissionais foi um diferencial em relação às outras empresas em que trabalhou.

Ela conta que, mesmo com as metas a cumprir, se sente bem no trabalho e que o ambiente proporcionou amizades e momentos com colegas fora do expediente. “A Cadastra entende que, por sermos uma empresa voltada à performance, temos sim muitas pressões por resultados e, para amenizar, ela propicia espaços em que podemos aliviar estas tensões e manter uma convivência agradável”, salienta.

Erica acredita que a quebra de barreiras no trabalho e a não hierarquização das relações, embora exista hierarquia de funções, favorece o desenvolvimento profissional. “A proximidade (inclusive física) no ambiente de trabalho também proporciona muitas trocas de experiências entre as próprias equipes, o que enriquece muito o trabalho de todos, pois podemos utilizar os pontos fortes de cada pessoa para a melhoria no trabalho dos demais”, avalia. 

Quando o trabalho faz mal

Carolina  trabalhou em uma empresa multinacional relacionada à área de criação de software em um modelo de autogerenciamento muito parecido com a da agência Cadastra, mas com metas mais agressivas. Para ela, a experiência foi de intenso aprendizado em vários aspectos, mas como seu ingresso não estava diretamente relacionado à sua área de formação, ela optou por deixar o emprego, pois também considerava que o trabalho exigia muito da carga horária dela. “O mais negativo foi que eu não me adaptei à tarefa e aos horários, que começaram a atrapalhar minha vida social”, explica Carolina. 

Para ela, a mudança no controle do trabalho focado nas metas, sobretudo em uma empresa multinacional com muitos empregados e clientes, implicava uma pressão muito rigorosa, onde a manutenção do emprego, às vezes, estava condicionada à conquista dos objetivos da empresa. Entretanto, ter trocado de emprego permitiu a Carolina voltar à área de formação e novamente a perseguir seu sonho profissional. “De certa forma ter trabalhado em um ambiente tão distante, profissionalmente falando, fez com que a ficha de se fazer aquilo de que realmente gosta caísse”, conta.

Por fim, Carolina reconhece que a experiência também foi importante profissionalmente e que um bom trabalho é “aquele no qual a gente se sente bem e sabe que tem sempre alguma nova e boa oportunidade para aprender e se desenvolver”. Em tempos de gostos ecléticos, a vaidade do emprego em grandes corporações, sejam elas nacionais ou internacionais, a procura de trabalhos em que a realização pessoal e profissional sejam convergentes, são exemplos cada vez mais comuns. 

 

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