Edição 415 | 22 Abril 2013

O dia que durou 21 anos

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Márcia Junges

Documentos inéditos utilizados pelo cineasta Camilo Tavares comprovam o envolvimento e incentivo dos EUA no golpe militar de 1964, no Brasil. Lincoln Gordon foi o grande arquiteto do golpe, seu “grande estrategista civil”

Preocupado em dar oportunidade aos entrevistados para defender seu ponto de vista da História, o cineasta Camilo Tavares mergulhou por cinco anos na confecção de um documentário que demonstrou o apoio norte-americano no Golpe de 1964 no Brasil, com a deposição de João Goulart, presidente democraticamente eleito, e a instauração de uma ditadura que durou longos 21 anos. Em contato com um universo de documentos quase todos inéditos em nosso país, acessados diretamente na Casa Branca, nos EUA, o cineasta afirma que os áudios do Presidente Kennedy com o embaixador Lincoln Gordon, de abril de 1962, “tramando toda a conspiração civil e militar” são os mais impactantes. E é a partir de fontes como essa que Camilo afirma, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line que “Gordon foi o arquiteto do golpe, o grande estrategista civil”. E acrescenta: “Nos textos vemos que a ditadura estava fora de controle no sentido da tortura e da violação aos direitos humanos, mas os EUA mantinham o ‘silêncio dourado’ - expressão original do telegrama! Ou seja, a violência era vista como um ‘mal necessário’ para manter o sistema econômico com base no capital privado dos EUA aqui no Brasil”.

Filho do também jornalista Flávio Tavares, Camilo Tavares é diretor, produtor executivo e roteirista. Nasceu no exílio, na Cidade do México, e viveu em vários países como Argentina, Estados Unidos e Inglaterra. Ao longo de sua carreira, dirigiu 13 filmes, entre eles Um poquito de Água (1995), Cosmópolis – São Paulo dos Imigrantes (2005), Pajé Sapaim – O Mensageiro do Tempo (2008) e Sobre Rios e Córregos (2010). O documentário ganhou um prêmio especial no 29º Long Island Film Festival, em Nova Iorque.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quanto tempo durou a pesquisa para o documentário? Qual foi a origem da ideia de fazer essa produção?

Camilo Tavares - Todo o processo levou cinco anos. A ideia inicial era totalmente diferente do filme final. A princípio tínhamos a ideia de compilar as crônicas da vida de meu pai  seguindo sua carreira estudantil e depois como jornalista com foco em fatos que marcaram a política do Brasil. Mas depois de uma reunião de roteiro, na qual meu pai me trouxe uma antiga pasta que o José Silveira, do Jornal do Brasil, tinha lhe dado, com fac símiles de telegramas do embaixador Gordon , datados de 1961, percebi que tínhamos nas mãos algo inédito e até então confidencial... 

Depois de muitas discussões demos então um novo enfoque ao filme: a câmera estaria na Casa Branca, e os documentos originais “top secret”, quase todos desconhecidos do grande público seriam o roteiro do filme: tudo que está ali é verdade, texto original e foi garimpado nos arquivos de Washington com uma equipe incansável! Além dos telegramas entre a CIA, o embaixador, as Forças Armadas e a Casa Branca, a pesquisa encontrou joias como os áudios originais do Presidente Kennedy  e Lyndon Johnson . Parte deste material foi liberada em  2004 e 2005 através da FOIA - Freedom of Information Act (Lei de Livre Acesso a Informação) pela qual o NARA, Instituto em Washington, coordenado por Peter Kornbluh (que está no filme!)  se destaca com grande mérito. 

Além disto, com o apoio de Carlos Fico (UFRJ) garimpamos a mídia dos EUA, buscando programas exibidos em 1962 e 1963 na TV americana (rede CBS e NBC). Estes programas foram peças chave na época da Guerra Fria para convencer e preparar o público e a mídia interna dos EUA da ameaça comunista que o Brasil representava com Jango  no poder. Muito parecido com o que vivemos hoje se pensarmos no poder da mídia.

IHU On-Line - Há documentos inéditos revelados ou todos citados já haviam aparecido em trabalhos anteriores? Se sim, quais? Os áudios da Casa Branca são inéditos? O que revelam, em sua opinião? 

Camilo Tavares - Aqui no Brasil quase tudo é inédito! O mais impactante, ao meu ver, são os áudios do Presidente Kenendy com o embaixador Gordon em abril de 1962, já tramando toda a conspiração civil e militar! Outra joia rara é a correspondência do adido Militar Vernon Walters, que assinava como ARMA. Estes documentos comprovam seu papel protagonista em aproximar Kruel  dos golpistas liderados por Castelo Branco . Além disto, o detalhamento em imagens e telegramas da CIA, que acompanha passo a passo todas as ações de pessoas chave como Brizola  e Bocayuva e monitorava os militares que apoiavam e João Goulart.

Mas acima de tudo o grande destaque é para o embaixador Gordon. Ele é a figura central desta conspiração e desde 1961, quando aqui chegou, tinha como missão montar seu QG no Rio de Janeiro para comandar o golpe que ocorreu em 1964. A pesquisa de áudio e telegramas do embaixador trouxe muitos detalhes curiosos que vão render próximas séries para TV e novos filmes...

IHU On-Line - Quanto tempo durou a confecção do filme? 

Camilo Tavares - Foram necessários cinco anos, investimentos pessoais, recursos da produtora Pequi Filmes e um impecável trabalho a seis mãos, entre pai, filho e esposa (!), a Karla Ladeia, que assina a produção executiva do filme.

IHU On-Line - Houve quem se recusasse a depor para o documentário? 

Camilo Tavares – Não. Tivemos muito cuidado em ser imparciais desde o início. Queríamos desde o princípio dar voz aos entrevistados para defenderem seu ponto de vista da História. Meu pai fez questão de entrevistar os militares que apoiaram Castelo Branco no Golpe de 1964. Muitas vezes, meu pai havia estado com eles como preso político, como foi o caso de Jarbas Passarinho , que após a entrevista lembrou que havia assinado a extradição de meu pai.  Neste sentido penso que o filme alcança uma maturidade que é importante para construir um rico diálogo de nossa História - sem revanchismos.

IHU On-Line - Flávio Tavares aparece em algumas referências no filme. Este filme é também, em alguma medida, uma homenagem pessoal ao seu pai, que foi preso e exilado pelo regime militar? 

Camilo Tavares - Sim. Mas acima de tudo, o filme O dia que durou 21 anos é uma investigação, quase que judicial, da participação dos EUA no Golpe Militar de 1964. Houve espectadores que consideraram o filme um instrumento até para solicitar um pedido formal de desculpas dos EUA por apoiar o Golpe Militar que derrubou um presidente democraticamente eleito! 

IHU On-Line - Flávio Aristides (cuja foto aparece rapidamente em um dossiê de “procurados”) é Flávio Tavares? 

Camilo Tavares - Sim, é ele mesmo!

IHU On-Line - Com quem fala o presidente Lyndon Johnson em áudio em que discute o tom da mensagem ao novo presidente brasileiro? Com Dean Rusk? 

Camilo Tavares - Não é com outro assessor. Dean Rusk era o Tesoureiro que financiou toda a conspiração civil e militar. Ali tem Bundy e outro assessor direto do Presidente Johnson na Casa Branca. Este áudio é um outro achado raro! Estava classificado nos EUA como restrito, e nós da Pequi Filmes, junto com o NARA de Washington, pedimos que fosse aberto ao público! 

IHU On-Line - Foi intenção do filme mostrar Lincoln Gordon como uma espécie de vilão? 

Camilo Tavares - Não! Veja bem: quem ama a Guerra Fria e odeia os comunistas vai adorar, amar o Gordon, afinal ele venceu! Gordon foi o arquiteto do golpe, o grande estrategista civil. Nós convidamos o assessor dele: Bob Bentley, o braço direito de Gordon. Bob topou vir ao Rio a convite do filme. Gravar com ele no consulado dos EUA foi muito interessante. Em 1964 Bob Bentley estava dentro do Congresso Nacional e conhecia meu pai, que era jornalista político do jornal Última Hora.

IHU On-Line - Qual é a importância de um filme como este para a historiografia brasileira e para o conhecimento da participação americana no golpe de 1964? 

Camilo Tavares - Essencial. Nosso objetivo é que jovens adultos e idosos vejam o filme! Nos cinemas estamos em nove capitais a partir do dia 29 de março de 2013. E depois que seja distribuído em larga escala nas Universidades Federais e Estaduais. Quem sabe o Ministério da Educação, na figura do Aloizio Mercadante  ou a Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário , não se interessam?

IHU On-Line - Qual é a importância da participação dos EUA no movimento que derrubou o governo de João Goulart? 

Camilo Tavares - Os EUA foram essenciais antes, durante e após o golpe de 1964. Em 1968, temos telegramas que comprovam que, em São Paulo, a Câmara de Comércio dos EUA dava apoio ao AI-5 . Nos textos vemos que a ditadura estava fora de controle no sentido da tortura e da violação aos direitos humanos, mas os EUA mantinha o “silêncio dourado” - expressão original do telegrama! Ou seja, a violência era vista como um “mal necessário” para manter o sistema econômico com base no capital privado dos EUA aqui no Brasil. 

FICHA TÉCNICA

Diretor: Camilo Tavares

Produção: Karla Ladeia

Roteiro: Camilo Tavares

Fotografia: Luiz Myiasaka, Cleumo Segond, Márcio Menezes, André Macedo

Trilha Sonora: Dino Vicenti

Duração: 77 min

Ano: 2012

País: Brasil

Gênero: Documentário

Cor: Colorido

Distribuidora: Pequi Filmes

Estúdio: Pequi Filmes 

Classificação: 14 anos

 

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