Edição 410 | 03 Dezembro 2012

Lixo, uma mina de ouro?

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart

Visando auxiliar o desenvolvimento consciente do meio ambiente, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU apoia projetos de associações como a de reciclagem Aturoi (Associação de Trabalhadores Urbanos de Resíduos Orgânicos e Inorgânicos) e de higienização Mundo Mais Limpo. Nesse sentido, não há como abordar a questão do lixo sem analisar essas duas associações e perceber como elas lidam com o lixo – e/ou com o reciclável – e com a questão da higienização local. Para isso, a IHU On-Line conversou com alguns associados da Aturoi, com sede no Bairro Vicentina, em São Leopoldo/RS e do Mundo Mais Limpo, da Vila São Jorge, de São Leopoldo, para saber como eles lidam com este tipo de trabalho cotidianamente.

O lixo gerado pela população tem aumentado em uma escala assustadora. O mundo passa por uma necessidade de conscientização e mobilização demasiada. Nesse sentido, reduzir nada mais é do que o consumo consciente; pensar bem antes de comprar. Reciclar é transformar um produto-resíduo em outro, visando poupar os recursos naturais que seriam extraídos do meio ambiente. E é nesse sentido que surgem associações como a Aturoi, localizada no Bairro Vicentina, em São Leopoldo/RS, que do material reciclado extraem suas fontes de renda mensais e seus modos de sobrevivência diários.

Com o objetivo de explicar um pouco mais sobre o trabalho da associação Aturoi, o vice-presidente José Alencar Ponciano Pereira conversou pessoalmente com a IHU On-Line e explicou o funcionamento de suas atividades na associação.


A associação de reciclagem Aturoi


A associação de reciclagem Aturoi – incubada do Tecnosociais (incubadora de empreendimentos econômicos solidários), que é um programa vinculado à ação social da Unisinos e ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU existe há sete anos, mas os associados trabalham organizados desde 2003, porque eles iniciaram no movimento social. “Nós viemos do Movimento dos Trabalhadores Desempregados – MTD. Então, dentro do movimento a gente aprende a se organizar e trabalhar de forma coletiva. Isso foi um avanço muito grande para nós, de chegarmos aonde chegamos hoje”, diz José Alencar Ponciano Pereira, mais conhecido como “Dico”, vice-presidente da Aturoi.


O trabalho diário com o lixo e o reconhecimento dos agentes ambientais

Questionado sobre como se sente na cidade de São Leopoldo lidando cotidianamente com o lixo, Dico avalia que, hoje, a realidade e a convivência com a população em São Leopoldo é diferente de alguns anos atrás. “Quando começamos em 2003, nós não éramos vistos como trabalhadores. Éramos vistos e taxados como vagabundos. Isso porque já trabalhávamos organizados, mas também tinham os catadores autônomos. Então, as pessoas rasgavam sacolinhas de lixo, sujavam tudo na frente da casa das pessoas. A população via num todo. Até então, eles não sabiam que existiam grupos organizados e catadores autônomos. Para eles, era tudo lixeiro, catador, vagabundo, que não queria trabalhar. Em 2005, isso muda. Quando as pessoas começam a ver a nossa organização como um movimento, essa situação se alterou”, frisa. Atualmente, sete anos depois, eles são vistos de maneira diferente em São Leopoldo. “O catador organizado é visto como trabalhador. Conseguimos evoluir muito nessa questão de classe. Hoje somos reconhecidos como agentes ambientais. Além disso, a população de São Leopoldo está se conscientizando e muitos fazem visitas a nosso galpão para ver a forma como trabalhamos”, conta.


Funcionamento do trabalho

Os associados da Aturoi têm uma coleta seletiva mecanizada na cidade. “Existe uma empresa privada de limpeza que faz o recolhimento e a coleta para nós. Antes, éramos nós que fazíamos este trabalho: a coleta porta a porta. Então, éramos mais reconhecidos na população, porque éramos nós que estávamos ali no dia a dia. Hoje não. Ficamos dentro do galpão e a empresa faz a coleta. Quando as pessoas querem saber alguma coisa, como que tipo de material nos mandar, eles telefonam e às vezes vão fazer uma visita, até mesmo para conhecer o nosso espaço de trabalho”, explica. Dico assinala que o caminhão passa atendendo todos os bairros da cidade diariamente. “Depois que fazem a coleta, levam o material até o galpão e lá fazemos a parte da triagem. Depois enfardamos e, então, o produto já está pronto para a venda.” Hoje, eles fazem venda semanal. “Nosso galpão pegou fogo ano passado e queimou todo um trabalho de oito anos. Hoje estamos recomeçando, mas de forma bem organizada. Somos 17 pessoas trabalhando nesta associação, em 13 famílias”.


Visão das pessoas que olham para o catador

Quem conhece os associados da Aturoi e reconhece as suas trajetórias de trabalho elogia-os porque as suas ideias são de tirar o catador da rua. “Isso para a cidade de São Leopoldo será uma conquista muito grande, porque é difícil tirar o catador da rua e trazê-lo para dentro de uma organização. Porque o autônomo, trabalhando sozinho na rua, consegue em salário alcançar mais do que dentro de uma entidade. Por isso que está difícil trazer esses catadores para nossa associação. Atualmente conseguimos mostrar para a população que nós, mesmo sendo catadores, se tivermos um espaço de formação, temos condições de tocar um projeto de coleta seletiva dentro do município. Então, estamos trabalhando nisto: tirar o catador da rua, integrá-lo junto da gente para fortalecer o nosso movimento em São Leopoldo”, pondera Dico.


Vivendo daquilo que as pessoas descartam

É muito bom viver do que as pessoas consideram lixo, segundo José Alencar Ponciano Pereira. Ele explica que as pessoas descartam muita coisa boa. “Encontramos celulares, roupas, calçados por exemplo. Então, vemos muita coisa boa que reaproveitamos. O que para muitos é lixo, para nós é útil, porque começamos a utilizar essas coisas no dia a dia”. A empreitada mais difícil que os associados da Aturoi estão tendo hoje é a conscientização das pessoas. “Claro que também temos erros”, admite Dico. Segundo ele, não há como culpar apenas a população na questão de reciclar o seu lixo e destiná-lo para o local certo. “A última conscientização que fizemos foi há três anos e as pessoas acabam esquecendo. Então, agora estamos retornando com essa atividade de conscientizar a população. Ademais, essa divulgação é necessária, porque as pessoas, muitas vezes, não têm paciência e/ou tempo para separar o seu lixo. Mas é uma coisa fácil de fazer”, avalia.

Ainda este ano, os associados irão começar a fazer um trabalho de conscientização em todos os bairros de São Leopoldo. “Vamos conversar com as pessoas, explicar qual o destino que damos para o material reciclado, uma vez que tem muita gente que acha que nós trabalhamos e a prefeitura ganha o dinheiro. É bem o contrário. A prefeitura entra apenas com os gastos. Na realidade, o lucro do material é todo dividido entre nós, os associados”, esclarece Dico. Na realidade, “queremos mudar a visão das pessoas, porque política é uma coisa e trabalho ou projeto social é outra. Além disso, queremos mostrar para a sociedade que o material deles está beneficiando mais de 200 famílias”.


Processos do lixo

Logo depois que os associados reciclam o lixo, eles vendem para o atravessador, que paga o preço que quiser para eles pelo material. “Mas até ano que vem queremos terminar com isso, porque quando montamos uma cooperativa ou uma associação queremos ser independentes para valorizar mais o nosso produto, aumentando o valor, a renda dos associados e, consequentemente, gerar mais emprego. Ano que vem já almejamos ser uma cooperativa”, almeja Dico.

Para Juliete Ponciano Pereira, associada da Aturoi há cinco anos, há muita coisa boa que eles encontram no lixo. “Muitas vezes a maioria das pessoas que trabalha no galpão depende apenas deste serviço e, às vezes, encontramos até dinheiro. Esses dias encontrei um perfume”, lembra.


Lixo como reflexo da sociedade e como mina de ouro

A partir do lixo, podem-se tirar algumas conclusões de como percebemos a sociedade. “As pessoas consomem bastante. E isso se reflete no lixo”, conta.

Hoje, todas as embalagens são recicláveis. “Portanto, conseguimos reutilizar coisas que antes iam para o aterro. Isso é bem legal”. Os associados chamam o lixo de mina de ouro, “que, na realidade, é uma mina de outro”. Isso porque antigamente ninguém colocava a mão no lixo. “Todo mundo tinha nojo. Hoje vemos pessoas que têm dinheiro abrindo reciclagem, porque sabem que este ciclo está muito grande. E tem muito lixo em São Leopoldo”, avalia Dico.

“Ainda hoje apenas 30 ou 40% da população de São Leopoldo separa seu lixo. Então, temos muito trabalho pela frente”. Para o associado, quando eles conseguirem atingir, no mínimo, 80% da população separando seu material, destinando-o para o lugar certo, eles ficarão satisfeitos. “E assim conseguiremos tirar o catador da rua, porque o único jeito de tirá-lo de lá é fazer com que as pessoas não coloquem material na rua, esperando o caminhão passar e entregando diretamente para ele. É claro que isso não quer dizer que não estamos querendo dar trabalho para o catador. Pelo contrário. A ideia é agregá-los a nós para que o movimento se fortaleça, para que consigamos ter mais conquistas dentro da nossa organização. Para isso, esses catadores terão que se agregar”. E finaliza: “queremos fazer da coleta seletiva de São Leopoldo uma coleta modelo”.


Leia mais...

Dico já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:

* Trabalho coletivo e opção de futuro. O depoimento de um catador. Entrevista publicada na Revista IHU On-Line, edição 390, de 30-04-2012

* Saiba mais sobre a trajetória de Dico em http://bit.ly/IISfDF.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição