Edição 409 | 19 Novembro 2012

Uma obra canônica de Thomas Kuhn

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Márcia Junges e Thamiris Magalhães

A terceira edição de A estrutura das revoluções científicas, com modificações acrescentadas pelo autor, certamente será de interesse para os interessados nas diferentes áreas impactadas por essa obra, assinala Nelson Boeira

“As teses avançadas por Kuhn deram origem a uma controvérsia acessa, que inclui a chamada disputa Popper-Kuhn (particularmente sobre a denominada ‘psicologia do conhecimento’), além de inúmeras restrições ou críticas, seja à aplicabilidade das ideias apresentadas, seja à sua imprecisão, escassez de base empírica, etc.”, avalia o filósofo Nelson Boeira, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. E acrescenta: “Saliente-se que algumas das concepções do autor já haviam sido antecipadas por historiadores da ciência como Alexandre Koyré, como reconheceu o próprio Kuhn. Contudo, é importante salientar, como já mencionou mais de um estudioso, que A estrutura das revoluções científicas teve mais impacto sobre a filosofia e a sociologia da ciência que sobre a historiografia da ciência”. Segundo Boeira, uma boa coletânea de artigos sobre esses esforços para aplicar as teorias de Kuhn a uma variedade de campos do saber pode ser encontrada, por exemplo, em Paradigms and revolution (Notre Dame, 1980), editado por Gary Gutting.

Nelson Boeira possui graduação em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo-RS e mestrado em Sociologia pela New School for Social Research, com doutorado em História pela Yale University. É pós-doutor pela Universidade de Tufts. Atualmente leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Tem experiência na área de Filosofia Política e Ética Contemporânea, sendo um dos organizadores da obra História geral do Rio Grande do Sul (Passo Fundo: Meritus, 2009).

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Em que medida a Física e a Filosofia confluem e dialogam na obra A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn?

Nelson Boeira – Entrei em contato com A estrutura das revoluções científicas em 1971, durante meu curso de mestrado, na New School for Social Research, em Nova Iorque. Já no primeiro semestre, surpreendi-me ao constatar que na lista de leituras requeridas em praticamente todas as disciplinas oferecidas, nos mais diferentes cursos, aparecia o referido livro de Thomas Kuhn. Conversando com amigos que cursavam outras universidades da região, constatei que isso também acontecia nos cursos mais diversos. Isso me despertou o interesse na obra: qual a razão dessa unanimidade?

Percepção 

Logo no primeiro semestre, pude perceber que argumentos básicos (a negação da visão da história da ciência como uma acumulação progressiva e contínua de conhecimentos, a ênfase na inexistência de paramentos, regras e fatos que nos permitam comparar paradigmas científicos distintos) e alguns conceitos centrais (paradigmas, seu conteúdo e função na ciência normal e no processo de aprendizagem e pesquisa científica) do livro eram apresentados, com maior ou menor precisão, em todos os cursos e aplicados, com maior ou menor fecundidade explicativa, em outras áreas além da história das ciências naturais ou formais.

Muito rapidamente, constatei que a obra de Kuhn gerara uma imensa literatura secundária, desde seu aparecimento em 1962 e especialmente a partir da segunda edição ampliada, em 1970. Pareceu-me importante que um livro com tal repercussão fosse traduzido para o português. Em vista disso, entrei em contato com a editora americana da obra e fui informado que os direitos de tradução pertenciam à Editora Perspectiva. Contatei esta editora, tive minha proposta de tradução aceita e passei ao trabalho. Se não estou enganado, comecei a tradução no final de 1972 e a conclui já no Brasil, em 1974. A primeira edição brasileira foi publicada em 1975, com base na segunda edição americana, da qual consta um importante posfácio de 1969.

IHU On-Line – Qual é a importância dessa obra para a filosofia da ciência e da história da ciência?

Nelson Boeira – O primeiro livro de Kuhn, A revolução coperniciana (ou será Copernicana?), publicado em 1957, recebeu atenção considerável por parte dos historiadores das ciências naturais, embora não contivesse as concepções que dariam renome ao autor. Foi somente em 1959, no artigo “A tensão essencial: tradição e inovação na pesquisa científica”, que foram formuladas, pela primeira vez, ainda que parcialmente, algumas das teses posteriormente desenvolvidas em A estrutura das revoluções científicas.

Repercussão

A primeira edição desse livro gerou ampla repercussão, da qual é exemplo distinguido o livro de Lakatos e Musgrave, A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento (São Paulo: Cultrix, 1979). Especialmente a partir da segunda edição, as ideias de Kuhn foram exaustivamente examinadas ou aplicadas (com maior ou menor competência, correção e relevância) a outros campos do saber. (Por exemplo, à história, filosofia e sociologia da ciência, à sociologia, à ciência política, à historiografia, à economia, à psicologia, à arte e à literatura, à teologia e à educação.)

Controvérsia

As teses avançadas por Kuhn deram origem a uma controvérsia acessa, que inclui a chamada disputa Popper -Kuhn (particularmente sobre a denominada “psicologia do conhecimento”), além de inúmeras restrições ou críticas, seja à aplicabilidade das ideias apresentadas, seja à sua imprecisão, escassez de base empírica, etc. Saliente-se que algumas das concepções do autor já haviam sido antecipadas por historiadores da ciência como Alexandre Koyré , como reconheceu o próprio Kuhn. Contudo, é importante salientar, como já mencionou mais de um estudioso, que A estrutura das revoluções científicas teve mais impacto sobre a filosofia e a sociologia da ciência do que sobre a historiografia da ciência. Uma boa coletânea de artigos sobre esses esforços para aplicar as teorias de Kuhn a uma variedade de campos do saber pode ser encontrada, por exemplo, em Paradigms and revolution (Notre Dame, 1980), editado por Gary Gutting.

Ressalte-se que, com frequência, as tentativas de aplicação das ideias do autor deveram-se menos a uma compreensão precisa de seus conceitos e teses do que aquilo que suas concepções parecem oferecer como estímulo a novas formas de análise das teorias científicas, especialmente no tocante às ciências humanas e artes.

Retificações e precisões de teses

Ressalte-se ainda que o próprio Kuhn, em obras posteriores, realizou sucessivas retificações e precisões de suas teses, até sua última publicação. A terceira edição de A estrutura das revoluções científicas, com modificações acrescentadas pelo autor, certamente será de interesse para os interessados nas diferentes áreas impactadas por essa obra, que podemos hoje chamar de canônica.

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