Edição 408 | 12 Novembro 2012

Sociedade sustentável. Um debate em ambiente virtual

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Graziela Wolfart e Thamiris Magalhães

Gilberto Faggion explica como se desenvolve o Ciclo de Estudos em Educação a Distância (EAD) – Sociedade Sustentável, promovido pelo IHU e destaca que “se cria no espaço virtual um ambiente que não existe em lugar algum. Passa a existir ali dentro, por meio da interação. É o próprio viver, a própria existência. E dessa maneira cria novos mundos, novas ligas e novos sentires que não existem em outro meio”

Qual a importância de refletir sobre as perspectivas de emergência de uma sociedade sustentável, no sentido de evidenciar a necessidade de um novo paradigma civilizacional, prospectando alternativas sustentáveis de organização social e econômica capazes de contribuir à sustentabilidade do Planeta e da sociedade? Esse é o objetivo do Ciclo de Estudos em Educação a Distância (EAD) – Sociedade Sustentável, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU desde 2010 e que está atualmente na sua quarta edição.

Para entender um pouco mais sobre os temas abordados em cada módulo do curso e como funciona a dinâmica da modalidade do ensino à distância por intermédio do ambiente virtual, a IHU On-Line entrevistou pessoalmente o coordenador do curso, professor Gilberto Faggion, que leciona na Unidade de Ciências Econômicas da Unisinos e integra o grupo de colaboradores do IHU onde coordena um dos eixos temáticos descrito como “Sociedade sustentável” . Ele explica que uma das potencialidades da modalidade de ensino à distância é a criação coletiva. “De alguma maneira, o EAD possibilita a criação, o desenvolvimento de novas possibilidades de vida, novos modos de vida, novas percepções, que não existiriam se não tivesse esse instrumento funcionando”.

Gilberto Antonio Faggion é graduado em Comércio Exterior e Administração de Empresas, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e mestre em Administração, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor da Unisinos e trabalha no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Mais informações sobre o curso podem ser obtidas em http://bit.ly/NWRJVc

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Há quanto tempo se realiza o Curso em EAD Sociedade Sustentável? Como ele surgiu?

Gilberto Faggion –
O curso de educação à distância aqui no Instituto Humanitas Unisinos – IHU surgiu em 2006-2007, quando se transformou um ciclo (Repensando os Clássicos da Economia), que era apenas presencial, no formato em EAD. Tivemos várias edições pelo meio virtual e foi muito interessante. A partir de 2010, além deste, se começou um ciclo de estudos em EAD sobre Sociedade Sustentável. O atual já está na quarta edição, sendo que a primeira foi em 2010. Ele surge basicamente com o objetivo de ir além da fronteira física do IHU. Temos pessoas participantes de vários locais do país e até de fora dele.


IHU On-Line – Que tipo de material você utiliza nos módulos do curso?

Gilberto Faggion –
O curso tem cinco módulos e o material principal que utilizamos vem do próprio sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU (www.ihu.unisinos.br). Nesta página, buscamos notícias e artigos que são traduzidos, entrevistas feitas pelo sítio e pela revista do IHU, matérias capturadas de jornais, etc. Algum complemento vem do YouTube, no sentido de divulgar vídeos sobre Serge Latouche  ou André Gorz , por exemplo, onde eles estejam falando, para ilustrar melhor os temas. Ao lado da questão do material, há a técnica. Basicamente, o que se busca aqui é fornecer um ou dois textos básicos, alguma matéria e, a partir disso, se faz um fórum virutal. Nesse fórum é onde se propicia o debate. O mais importante nesse debate é que a pessoa possa expressar o que entende, o que ela consegue perceber daquilo no seu dia a dia, o quanto perto, o quanto longe, se faz sentido, se não faz. Então, todo esse material cumprirá seu papel se conseguir estimular a reflexão. Além disso, utilizamos textos produzidos pelos próprios autores publicados nos Cadernos IHU ideias como subsídios. Temos também leituras complementares, formando uma longa lista de materiais disponíveis no sítio do IHU.


IHU On-Line – Quais os limites da modalidade de ensino à distância?

Gilberto Faggion –
O principal limite é o fato de não estarmos fisicamente no mesmo local. O fato de não estarmos em uma mesma sala pode, às vezes, interferir. Ou o fato de uma pessoa estar disponível e a outra somente em outro horário. Até fazer um chat, que é algo síncrono, na mesma hora, torna-se difícil. O que funciona muito melhor é a atividade assíncrona. Nós colocamos os textos, os assuntos, criamos o fórum e, ao longo de uma semana, as pessoas vão debatendo. Apesar de ser algo online, não significa que vai ser instantâneo. Outro limite do EAD é que tudo vai precisar estar produzido dentro do espaço virtual. Às vezes, no presencial, podemos usar muito mais a imaginação, via fala ou algo que se escreve no quadro. No EAD é preciso que tudo esteja pronto, elaborado, previamente planejado, calculado exatamente o tempo que vai levar – com margens de erro. Então, os limitantes estão totalmente ligados à operacionalidade. Se não se planeja muito claramente o que vai ser, para que finalidade e aonde se quer chegar, corre-se o risco de não conseguir dar conta. Às vezes se quer debater um assunto, mas não há material suficiente. O último limite envolve uma questão individual, que depende de cada um. A aula só ocorre se o aluno/participante faz o que precisa ser feito. Do contrário, a aula não ocorreu. Diferentemente de uma aula presencial, em que às vezes o participante está meio desligado, não está com muita vontade naquele dia, e de algum jeito a aula acontece igualmente. No EAD, não. Tudo já está pronto, há uma série de atividades a fazer e depende da pessoa conseguir um tempo, se organizar, planejar e fazer tudo em quatro ou cinco horas, de forma assíncrona, ao longo de uma semana. Só que às vezes a pessoa se atrasa em cinco horas em uma semana e na semana seguinte já sente o peso das cinco horas anteriores que não fez e, eventualmente, depois de três semanas, ela já precise de 15 horas, o que exige mais do que um dia à disposição para isso, levando facilmente à desistência. Orientamos sempre que é possível recuperar, mas na ideia do imediatismo alguns querem recuperar em meia hora o que eram cinco horas na outra semana. Então começa a ficar complicado quando a pessoa quer resolver as últimas quatro semanas de atividade em um sábado à tarde. Aí, a qualidade fica duvidosa.


IHU On-Line – E as potencialidades?

Gilberto Faggion –
Se a pessoa planeja, se organiza, e consegue manter uma disciplina mínima de frequência às aulas, ela tende a ter uma aprendizagem mais profunda, mais intensa, onde realmente lê e escreve. O sujeito não vai apenas estar como ouvinte. A potencialidade é justamente essa, de aproveitar, ao máximo, capacidades que a pessoa tem, como ler, escrever, o que ela reflete a partir de uma imagem, de um som, e concretizar isso. Porque se não escrever para expressar o que percebeu é como se ela não estivesse presente. A outra potencialidade é justamente o oposto do limite que apontei antes. A pessoa pode fazer as atividades do lugar em que estiver, de longe, de muito longe, na hora em que quiser, do jeito que quiser, no ambiente da sua casa, do seu trabalho, dividir uma aula que seria de cinco horas em várias meia-horas ao longo de uma semana, dar mais ênfase e ritmo ao que considera mais importante naquele momento. Outra potencialidade é que pessoas que fisicamente não conseguiriam se reunir conseguem fazê-lo por meio do EAD. Também destaco aqui que o computador e a conexão têm momentos em que deixam de ser meros instrumentos e ferramentas de aprendizagem para passar a ser um ambiente de aprendizagem. Cria-se no espaço virtual um ambiente que não existe em lugar algum. Passa a existir ali dentro, por meio desta interação. É o próprio viver, a própria existência. E dessa maneira cria novos mundos, novas ligas e novos sentires que não existem em outro meio.
Outra potencialidade que ainda tem muito caminho a percorrer é a criação coletiva. A tendência atual é a do “cada um faz o seu”. Mas a experiência do texto coletivo é muito interessante, pois traz para o mesmo artigo diferentes olhares, por mais desafiador que isso possa parecer. Num primeiro momento pode parecer um grande caos, mas se isso é relido depois, retomado e “reolhado”, percebem-se diferentes olhares e percepções sob um mesmo ponto, sendo que em um espaço presencial se favorece a tendência da concordância. No virtual, parece que a discordância fica mais fácil de acontecer. Junto disso vem outra questão: assuntos, termos, palavras que não seriam ditas presencialmente, pois as pessoas jamais teriam coragem de levantar, dizer e expressar, no virtual podem ser ditas. E isso pode enriquecer muito o debate. De alguma maneira, o EAD possibilita a criação, o desenvolvimento de novas possibilidades de vida, novos modos de vida, novas percepções, que não existiriam se não tivesse esse instrumento funcionando.


IHU On-Line – O que foi trabalhado especificamente no módulo Por um novo paradigma civilizacional? Como surgiu a ideia deste tema?

Gilberto Faggion –
Em relação a este tema foram trabalhados autores que apresentam novas propostas. Este tema surge em função de após termos visto no módulo 1 qual era o estado atual da crise civilizacional, ou seja, em que momento nos encontramos, e ter levantado as várias evidências de crise e percebido que essa crise é múltipla, que não há uma única solução; e mais especificamente no módulo 2 termos visto a questão energética do mundo contemporâneo, onde se percebe haver uma série de alternativas energéticas, mas a civilização e as decisões políticas continuam a enfatizar algumas que não são as mais sustentáveis; e no módulo 3 surge a ideia de apresentar aos participantes algumas possibilidades de se repensar um novo paradigma de civilização. Inicialmente elencamos uma série de autores que representam, na nossa visão, propostas para um novo paradigma civilizacional. O primeiro deles é Serge Latouche, que traz a ideia do decrescimento ou acrescimento como condição essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais convivial, onde não tivesse esse mito, essa busca implacável pelo crescimento sem fim. O objetivo é contrapor a ideia de crescimento, sem dizer que se quer decrescer. Em um segundo momento se estudou Ivan Illich , um pensador bastante radical e inovador e nele se analisou o paradigma da convivialidade, como uma saída para a crise civilizacional. Na terceira semana do módulo 3 estudamos Gilberto Dupas, brasileiro, que traz a questão do mito do progresso e a capacidade crítica. Então, questionou-se e se debateu sobre a lógica dominante e seus limites. Na quarta semana do módulo 3 estudamos um pouco melhor as ideias de Andre Gorz, como a proposta que ele faz do fim do trabalho assalariado, de superar a sociedade salarial, pensando em como poderia ser organizada a vida cotidiana e como poderia ser o trabalho. Na sequência, enfatizamos dois autores: Jean-Pierre Dupuy e Patrick Viveret, em função da ideia de levantar a questão do que seria a sustentabilidade, como seriam as gerações futuras e as ações que temos hoje, além da própria ideia da economia da gratuidade como uma alternativa dentro dessa crise civilizacional. E na sexta semana do módulo 3 encerramos propondo um novo paradigma civilizacional a partir das ideias de Edgar Morin, tentando ver a possibilidade de se desenvolver uma política de civilização que considere o planeta, o humano e todas as suas inter-relações em primeiro lugar.


IHU On-Line – E em relação ao módulo Pensar global e agir local, o que será analisado? Pensando em quê este tema foi proposto?

Gilberto Faggion –
Após ter levantado a questão dos vários paradigmas possíveis que se poderia assumir e levar adiante, começamos a pensar no que pode ser feito. E daí vem a ideia de que é importante pensar global, mas agir a partir do local onde estamos e das ações que temos como fazer. Esse módulo faz com que as pessoas repensem sua pegada ecológica, se questionem sobre quantos planetas precisamos para viver, repensem seus hábitos de consumo, e como são os movimentos que estão surgindo nesse sentido, etc. Então, nesse módulo, dividido em três partes, procura-se levantar questões do ponto de vista local. E se procura aprender com as ideias de outros povos, como, por exemplo, a proposta indígena aymara (da Bolívia), do bem-viver . O importante é pensar em pequenos gestos concretos que posso fazer na minha casa, na minha cidade, na minha comunidade, no meu trabalho, que possam fazer alguma diferença nesse sentido. E isso tudo dentro da ideia de também melhorar a consciência de cada um e sua percepção em relação a nossos atos, nosso consumo, como utilizamos e descartamos os itens. Todas as ideias enfatizam a proposta de uma sociedade mais sustentável. Logo após esse módulo, o quinto encerra o curso com o título “Por uma ecologia da ação”. Aqui é retomada a ideia de Edgar Morin do pensamento complexo e da ecologia da ação. Enfatizamos a própria questão do conceito de metamorfose em Morin, a partir do qual não basta apenas haver mudanças nas estruturas externas; é necessário também haver uma metamorfose a partir de cada indivíduo. E para terminar – por que não? – pensa-se na própria espiritualidade, em uma melhor relação com o planeta, com a conexão que se tem com o ele, com os seres, com tudo o que o envolve. E aqui citamos São Francisco de Assis , a partir da ideia de uma ecologia exterior, mas que tem também uma ecologia interior, em que todos os seres vivos devem manter entre si o mínimo respeito para conviver em um planeta, que é o único que temos.

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