Edição 406 | 29 Outubro 2012

Um novo papel social da mulher brasileira

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Graziela Wolfart

Segundo a professora e economista do IPEA, Ana Amélia Camarano, a responsabilidade financeira familiar feminina veio para ficar no Brasil. “42% da renda de todas as famílias brasileiras vem das mulheres. Não se pode abrir mão disso. Imagine a renda diminuir 42% se as mulheres voltarem para casa? É um caminho sem volta”

Uma das novidades trazidas pelos dados do censo 2010 foi o aumento do número de mulheres como chefes de família no Brasil. A pesquisadora do IPEA, Ana Amélia Camarano, não sabe se isso é positivo ou negativo. Para ela, trata-se de uma importante mudança da sociedade. E o que configura essa mudança seria a maior independência econômica da mulher, sua maior participação no mercado de trabalho, maior renda e maior escolaridade. “Por outro lado”, continua a professora, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line, “a independência econômica leva a um maior número de mulheres que moram sozinhas, e por isso chefiam a família, e também a um maior índice de separação, o que, consequentemente, as tornam chefes de família”. Segundo a análise de Ana Amélia, é mais comum que as mulheres assumam esse papel na medida em que envelhecem, porque ficam viúvas. “Como os homens morrem, em média, sete anos antes que as mulheres, elas ficam viúvas e se tornam chefes de família. Elas têm a renda da pensão por morte e podem complementar com outras fontes de renda, formais ou informais”, explica.

Ana Amélia Camarano de Mello Moreira possui graduação em Economia e mestrado em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, e doutorado em Population Studies, pela London School of Economics. É professora na Escola Nacional de Ciências Estatísticas e técnica em pesquisa e planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Tem experiência na área de Demografia, com ênfase em envelhecimento populacional.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os pontos positivos e negativos do crescimento das mulheres como chefes de família, dado apontado pelo último censo?

Ana Amélia Camarano – Na verdade, não sei se isso é positivo ou negativo. Esse é um fato, uma mudança da sociedade. O que configura essa mudança é a maior independência econômica da mulher, sua maior participação no mercado de trabalho, maior renda, maior escolaridade. Por outro lado, a independência econômica leva a um maior número de mulheres que moram sozinhas, e por isso chefiam a família, e também a um maior índice de separação, o que, consequentemente, as tornam chefes de família. 

IHU On-Line – Qual a influência da melhora na participação das mulheres no mercado de trabalho e nos níveis de escolaridade e renda para que elas crescessem como chefes de família? Que tipo de “mudança sociológica” esse dado indica?

Ana Amélia Camarano – Ele indica uma maior participação da mulher, indica um novo papel social da mulher. Essa mulher, que era tradicionalmente a cuidadora (enquanto que o homem era o provedor), hoje é uma provedora importante, mas continua mantendo seu papel e função de cuidadora. 

IHU On-Line – E isso não acaba sobrecarregando a mulher ainda mais?

Ana Amélia Camarano – Acredito que sim, porque a mulher continua mais envolvida nas atividades domésticas, mesmo trabalhando fora. Por isso se fala da dupla jornada de trabalho.

IHU On-Line – Qual a relação entre o envelhecimento e a colocação das mulheres como chefes de família? É mais comum que elas assumam esse papel na medida em que envelhecem?

Ana Amélia Camarano – Sim, porque elas ficam viúvas. Como os homens morrem, em média, sete anos antes que as mulheres, elas ficam viúvas e se tornam chefes de família. Elas têm a renda da pensão por morte e podem complementar com outras fontes de renda, formais ou informais.

IHU On-Line – Em sua opinião, a responsabilidade financeira familiar feminina veio para ficar ou é algo transitório?

Ana Amélia Camarano – Eu acho que ela veio para ficar. 42% da renda de todas as famílias brasileiras vem das mulheres. Não se pode abrir mão disso. Imagine a renda das famílias no país diminuir 42% se as mulheres voltarem para casa? É um caminho sem volta. 

IHU On-Line – O que isso representa em relação às características da mulher contemporânea?

Ana Amélia Camarano – Ela é uma mulher mais independente, inclusive sexualmente. Essa é outra revolução que foi feita e impacta os arranjos familiares, que foram a separação da sexualidade da reprodução e a separação da sexualidade do casamento. Isso permite que as mulheres tenham uma vida mais independente que as do passado, tanto econômica como sexual e socialmente.

IHU On-Line – Como essa “nova mulher” repercute na configuração tradicional das famílias?

Ana Amélia Camarano – Temos a diminuição da família tradicional, que é aquela formada por casal com filhos. Em 1980, essa família era quase 70% do total de famílias brasileiras. Hoje é menos de 50%. O que temos são novos arranjos: famílias chefiadas por mulheres sem marido, famílias chefiadas por mulheres com marido, famílias chefiadas por homens sem mulher, mulheres e homens morando sozinhos, etc.

IHU On-Line – A partir da nova configuração familiar que se instaura segundo os dados do último censo, quais os desafios para a previdência no Brasil, tendo em vista a dinâmica populacional?

Ana Amélia Camarano – Primeiramente, temos a questão do envelhecimento, ou seja, mais pessoas recebendo benefício por um tempo maior. Depois, temos a legislação previdenciária em relação à mulher, que ainda é baseada nos contratos tradicionais de gênero, em que a mulher é a cuidadora e dependente. Por isso ela recebe uma pensão de viuvez. Isso também acontece com os homens, mas como é baixa a proporção de homens viúvos, elas recebem o valor integral, quando viúva, do benefício do marido. Isso vai ter que mudar, porque hoje a mulher trabalha. Ela terá a sua aposentadoria. A legislação brasileira também permite que a mulher acumule os benefícios previdenciários dela com a pensão por morte do marido, porque isso é ainda fruto da visão de que a mulher era apenas cuidadora.

IHU On-Line – O que a senhora destaca em relação aos dados do censo 2010 sobre a taxa de fecundidade da mulher brasileira e o que pode ser dito sobre as projeções populacionais para os próximos anos?

Ana Amélia Camarano – A fecundidade está abaixo do nível de reposição, aliás, bem abaixo. Isso vai acarretar que, em torno de 2030, a população brasileira começará a diminuir e a força de trabalho começará também a diminuir, o que causará um impacto importante caso não haja um grande aumento de produtividade, até no crescimento do PIB. 

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