Edição 405 | 22 Outubro 2012

Uma descoberta, muitas dúvidas

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Por Márcia Junges / Tradução: Sandra Dalonder

Demonstração fundamental porque comprova a hipótese do preenchimento do espaço vazio com uma sustância invisível que permeia o Universo, encontrar o Bóson tem papel fundamental em determinar as características das partículas elementares, afirma Gian Giudice

Muito mais dúvidas do que respostas. Esse é o saldo após a comprovação do Bóson de Higgs, considerado muito mais um ponto de partida do que um ponto de chegada, acentua o físico teórico italiano Gian Giudice na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Entre os estudiosos, o conceito mais importante por trás dessa partícula é a supersimetria: “Com a descoberta do Bóson de Higgs, observamos como a natureza manifesta as simetrias e isso nos permite continuar com as nossas especulações para revelar novos aspectos que regem o Universo”. Se isso for verdade, acrescenta Giudice, “o espaço que nos rodeia teria novas dimensões, uma espécie completamente nova, impossível de ser descrita com os números habituais. Outra possibilidade é que o espaço tenha mais de três dimensões. Descobertas desse tipo iriam revolucionar a nossa concepção de espaço-tempo. Estas são, no entanto, até este momento, apenas hipóteses teóricas. A natureza poderia nos surpreender, apresentando algo completamente diferente”. Especula-se, ainda, que o Bóson de Higgs possa ter levado a “uma fase de rápida expansão do Universo, que criou as estruturas que observamos hoje no cosmos”.

Gian Giudice nasceu em Pádua, Itália, e trabalha no European Organization for Nuclear Research – CERN como físico de partículas e cosmólogo. Graduou-se em Física na Universidade de Pádua e obteve Ph.D em Física Teórica, na Escola Internacional de Estudos Avançados, em Trieste. De 1988 a 1990 foi pesquisador associado no Laboratório Acelerador Fermi, perto de Chicago. De 1990 a 1992 foi pesquisador do Departamento de Física da Universidade de Texas, Austin, no grupo liderado por Steven Weinberg.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – O que é o Bóson de Higgs?

Gian Giudice –
Costuma-se dizer que o Bóson de Higgs explica a origem da massa. Temos nesta declaração os dois lados da moeda. O significado da massa foi explicado por Einstein em 1905, com a equação E=mc2: a massa é a energia intrínseca de um corpo em repouso. A equação, no entanto, não responde à questão de o que é esta energia e, de fato, várias formas de energia podem contribuir para a massa. O problema surge quando nos aprofundamos no mundo das partículas. Descobre-se que a existência da massa de algumas partículas entra em contradição com as simetrias que caracterizam as forças fundamentais. Aí surge o mecanismo de Higgs que resolve esta contradição, permitindo um meio-termo entre a massa e simetria. Deixe-me explicar como tudo isso funciona. O mecanismo de Higgs cria a hipótese de que, mesmo que se remova todo tipo de matéria e radiação do espaço, não se obtém nada, mas o espaço vazio é preenchido por uma substância. Esta substância, chamada campo de Higgs, atua sobre as partículas que se propagam no espaço, fornecendo-lhes energia. Essa energia corresponde precisamente à massa. Os Bósons de Higgs são a demonstração do campo de Higgs, sob a forma de partículas.


Átomos estáveis

Deve-se enfatizar que o mecanismo de Higgs é apenas uma das contribuições à massa, apesar de não ser o mais importante. Ele contribui com menos de um quilo de meu peso e apenas 0,2% da massa do Universo. Mas é uma contribuição essencial para compreender as propriedades das partículas. Ele determina, por exemplo, a massa do elétron. Uma vez que a massa do elétron determina o raio dos átomos, podemos dizer que o mecanismo de Higgs determina o tamanho dos átomos, em vez de sua massa. Sem o mecanismo de Higgs não poderiam se formar átomos estáveis; não haveria a química e a matéria como nós a conhecemos.


IHU On-Line – Qual é a importância da comprovação dessa partícula para a ciência, em geral, e para a física de partículas e cosmologia em específico?

Gian Giudice –
A descoberta do Bóson de Higgs é um passo fundamental para a ciência porque confirmou a hipótese de que o espaço vazio é preenchido por uma substância invisível que permeia todo o Universo e que desempenha um papel essencial na determinação das características das partículas elementares.


IHU On-Line – Por que a comprovação da existência dessa partícula é importante e o que ela revela sobre a origem do Universo? O que muda sobre o conhecimento que tínhamos anteriormente sobre a forma como surgiu o cosmos?

Gian Giudice –
Uma das descobertas mais importantes das últimas décadas foi entender que as leis físicas do mundo das partículas nos permitem entender a evolução do Universo a partir dos primeiros momentos após o Big Bang. A natureza parece esconder seus segredos no mundo do infinitamente pequeno, e é aí que devemos olhar se quisermos entender o Universo como um todo. A descoberta de Higgs é mais um passo no sentido de uma compreensão unitária das leis fundamentais do Universo. Há também especulações de que o Bóson de Higgs desempenhou um papel muito importante nos primeiros instantes após o Big Bang. Por exemplo, pensava-se que o Bóson de Higgs poderia ter levado a uma fase de rápida expansão do Universo, que criou as estruturas que observamos hoje no cosmos. Estes pressupostos, no entanto, são altamente especulativos e ainda estamos longe de ter uma prova de que o Bóson de Higgs é, de alguma forma, responsável pela expansão.


IHU On-Line – O surgimento das categorias tempo e espaço terá nova compreensão a partir dessa descoberta? Por quê?

Gian Giudice –
A questão da existência do vazio já havia sido pensada por Aristóteles  e tem sido debatida ao longo da história da ciência. Hoje descobrimos algo fundamental sobre a estrutura do espaço-tempo. Entendemos que um décimo de bilionésimo de segundo após o Big Bang, o espaço-tempo sofreu uma transição de fase, assim como a que transforma água em gelo sob uma determinada temperatura. Da mesma forma o tecido do espaço-tempo foi cristalizado em uma substância nova. Esta substância é o que forma o Bóson de Higgs.


IHU On-Line – Qual é a interação e influência do Bóson de Higgs sobre as outras partículas, os assim chamados “acoplamentos”?

Gian Giudice –
O Bóson de Higgs interage com outras partículas com forças de intensidades variáveis, medidas pelo o que os físicos chamam de “acoplamentos”. O modelo mais simples de Bóson de Higgs prevê que a intensidade das interações entre o Bóson de Higgs e todas as outras partículas elementares é proporcional à massa da própria partícula. Os experimentos do LHC estão agora medindo com grande precisão estes “acoplamentos” para ver se os resultados estão de acordo com esta previsão.


IHU On-Line – Em artigo publicado no La Repubblica  o senhor afirma que o Bóson de Higgs é apenas a ponta do iceberg de um fenômeno mais complexo. Que fenômeno seria esse? Já há pistas sobre ele?

Gian Giudice –
A maioria dos físicos está convencida de que o Bóson de Higgs não é o ponto de chegada, mas apenas um ponto de partida. O Bóson de Higgs deixa muitas perguntas sem respostas e, portanto, não estamos convencidos de que existam novas estruturas e novos fenômenos que possam explicar o comportamento da natureza em distâncias muito pequenas.


IHU On-Line – Em que aspectos a descoberta dessa partícula muda a concepção sobre o surgimento do Universo e a descoberta do ordenamento que existe por trás dele?

Gian Giudice –
Para os físicos, o conceito mais importante por trás do Bóson de Higgs é a simetria. Com a descoberta do Bóson de Higgs, observamos como a natureza manifesta as simetrias e isso nos permite continuar com as nossas especulações para revelar novos aspectos que regem o Universo.


IHU On-Line – Que fenômenos desconhecidos podem estar por trás do Bóson de Higgs?

Gian Giudice –
Temos algumas ideias sobre os possíveis fenômenos que estão por trás do Bóson de Higgs. Uma possibilidade é que a natureza possua um novo tipo de simetria: a supersimetria. Se isso fosse verdade, o espaço que nos rodeia teria novas dimensões, uma espécie completamente nova, impossível de ser descrita com os números habituais. Outra possibilidade é que o espaço tenha mais de três dimensões. Descobertas desse tipo iriam revolucionar a nossa concepção de espaço-tempo. Estas são, no entanto, até este momento, apenas hipóteses teóricas. A natureza poderia nos surpreender, apresentando algo completamente diferente.


IHU On-Line – Por que as propriedades do espaço “vazio” são cruciais para a compreensão do mundo a partir da física?

Gian Giudice –
Porque o espaço vazio representa o tecido sobre o qual construímos nossas teorias. É o ponto de partida para a nossa compreensão do espaço-tempo.


IHU On-Line – Em linhas gerais, quais são as características fundamentais e como funciona o acelerador de partículas LHC? Qual é a sua peculiaridade em relação a outros aceleradores de partículas?

Gian Giudice –
No LHC dois feixes de prótons circulam em um túnel de 27 km de comprimento, impulsionados por um sistema complexo de campos magnéticos fortes. Os feixes circulam em sentidos opostos para depois colidirem em pontos onde estão colocados os detectores de partículas, que são instrumentos gigantescos concebidos para medir todas as características das partículas produzidas nas colisões. O aspecto mais inovador do LHC é a elevadíssima energia de feixes de prótons, o que nos permite estudar a matéria em distâncias nunca antes exploradas.
 

IHU On-Line – Que outras grandes descobertas foram realizadas a partir do LHC, além do Bóson de Higgs?

Gian Giudice –
No momento o Bóson de Higgs é a única descoberta feita pelo LHC. O programa LHC, no entanto, ainda está no início, e, somente no futuro, poderemos dizer o que a natureza nos reservou. Além disso, o LHC está operando neste momento com metade da energia do projeto. Em 2014, a energia será dobrada e o potencial para a descoberta será muito maior. Eu só posso dizer que é emocionante trabalhar neste momento com a física do LHC, porque estamos explorando um mundo novo e desconhecido.

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