Edição 403 | 24 Setembro 2012

Um pensador transdisciplinar

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Márcia Junges e Thamiris Magalhães

Aos 91 anos, Edgar Morin construiu uma trajetória intensa e produtiva, jamais dissociando vida e obra. É um cidadão planetário, frisa Izabel Petraglia

Ao ser questionada a respeito do nexo que une complexidade e educação, a docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho, em São Paulo, Izabel Petraglia, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, analisa que a Complexidade questiona a fragmentação da ciência e critica a insuficiência das especializações como soluções unívocas. Propõe a solidariedade na conjugação da ciência com as culturas, as artes e a filosofia. “Complexo é um tipo de pensamento que religa os diferentes aspectos do conhecimento e opõe-se ao pensamento reducionista e disjuntivo. O pensamento complexo é desprovido de fundamentos de certezas absolutas, lineares e eternas e está presente nos múltiplos aspectos do real, nos diversos campos do conhecimento. Incorpora a incerteza como princípio da falibilidade lógica, da contradição e concebe as verdades científicas como provisórias”, explica.

Izabel Petraglia é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho, em São Paulo. Doutora em Educação pela USP, com pós-doutorado pelo Centro de Estudos Transdisciplinares Sociologia, Antropologia e História, atual Centro Edgar Morin, da EHESS (Paris), e mestre em Educação pela PUC-SP. Formada em Psicologia e em Pedagogia, é pesquisadora e coordenadora do Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade, sediado na Uninove, em São Paulo. É autora de diversos artigos, capítulos e livros, tais como: Interdisciplinaridade: o cultivo do professor (Pioneira; Edusf, 1993), Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e do saber (Vozes, 2011), Olhar sobre o olhar que olha: complexidade, holística e educação (Vozes, 2001), Edgar Morin: ética, cultura e educação, organizado em parceria com Alfredo Pena-Vega e Cleide Almeida (Cortez, 2011), Estudos de complexidade (Xamã, 2006), Estudos de complexidade 2 (Xamã, 2008), Estudos de complexidade 3 (Xamã, 2009) e Estudos de complexidade 4 (Xamã, 2010), organizados com Cleide Almeida. É conferencista e consultora em educação.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quem é Edgar Morin ?

Izabel Petraglia –
Edgar Morin é um pensador transdisciplinar. Aos 91 anos, construiu uma trajetória intensa e produtiva, jamais dissociando vida e obra. É um cidadão planetário. De origem judaica, Morin nasceu em Paris, em 8 de julho de 1921. Marxista de formação, foi combatente voluntário da Resistência Francesa de 1942 a 1944 e participou ativamente de seu universo sociopolítico e cultural. Foi militante do Partido Comunista, até ser expulso em 1951 por suas críticas e divergências ao dogmatismo stalinista. É diretor emérito de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica – CNRS; fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares, atual Centro Edgar Morin, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e é presidente da Associação pelo Pensamento Complexo.


Real x imaginário

Morin já refletiu sobre limites e possibilidades do conhecimento, problemas da humanidade e diversos temas primordiais, tais como: antropologia, política, economia, sociologia, filosofia, biologia, cibernética, ética, educação. Nas décadas de 1950 e 1960, dedicou-se também ao cinema e à comunicação de massa trazendo à tona o fascínio da admirável relação entre real e imaginário. Escreveu mais de 60 livros e foi traduzido para diversos idiomas. É autor de O método (A natureza da natureza. Vol. 1, Publicações Europa-América, 1991), sua obra mais extensa, com seis volumes e estabeleceu uma epistemologia da complexidade.


IHU On-Line – Qual é o nexo que une complexidade e educação?

Izabel Petraglia –
A complexidade questiona a fragmentação da ciência e critica a insuficiência das especializações como soluções unívocas. Propõe a solidariedade na conjugação da ciência com as culturas, as artes e a filosofia.

Complexo é um tipo de pensamento que religa os diferentes aspectos do conhecimento e opõe-se ao pensamento reducionista e disjuntivo. O pensamento complexo é desprovido de fundamentos de certezas absolutas, lineares e eternas e está presente nos múltiplos aspectos do real, nos diversos campos do conhecimento. Incorpora a incerteza como princípio da falibilidade lógica, da contradição e concebe as verdades científicas como provisórias.

A educação é a tessitura dos diversos saberes. Por isso precisamos de uma concepção transdisciplinar do conhecimento que implique, antes de tudo, em reformar o pensamento para a religação. È uma perspectiva multidimensional que nos permite enfrentar os desafios da atualidade, compreender o nosso lugar no mundo, de modo a estabelecer mais solidariedade e menos egoísmo. Nessa perspectiva que Morin tem se dedicado a refletir sobre a importância da educação. Dentre seus vários livros, destacam-se: A cabeça bem-feita: repensar a reforma; reformar o pensamento (Bertrand, 2003) e Os sete saberes necessários à educação do futuro (Cortez e Unesco, 2000).


IHU On-Line – Em que sentido a complexidade pode auxiliar na superação da fragmentação do saber, inclusive na escola básica em nosso país?

Izabel Petraglia –
Em qualquer nível de ensino, da educação infantil à pós-graduação, é necessário resgatar o sentido da palavra latina complexus – o que é tecido em conjunto – que visa à religação dos saberes. A religação é possível a partir de uma reforma do pensamento, que inclui a reforma de paradigmas das sociedades e esta depende daquela, dialógica e reciprocamente. Trata-se das articulações ordem/desordem/interações/organização que, encadeadas, operam novas emergências. Precisamos consolidar um novo paradigma já instaurado e que considera um pensamento complexo e de religação. Mas religar exige reflexão, autoanálise e autocrítica constantes, contextualização, suposição de erros e ilusões no processo do conhecimento; convivência com o incerto, cultivo do estado poético e estético da existência, escolhas, persistência, ousadia.


IHU On-Line – Como pode ser contextualizada a fragmentação do saber? Em que ela consiste, exatamente?

Izabel Petraglia –
Até o século XVIII houve um significativo desenvolvimento da cultura humanística, face ao restrito esclarecimento que se tinha sobre a condição humana. As questões fundamentais eram, então, antropocêntricas e giravam em torno de noções, tais como: bem e mal, existência ou não de um deus, a organização da vida em sociedade. Já a cultura científica teve a sua ascensão a partir do século XVIII, agregando grandes descobertas e avanços tecnológicos, sobretudo nos séculos XIX e XX, quando passou a governar o mundo ocidental. Com a perspectiva de conforto, realizações e progresso, o conhecimento científico tornou-se disciplinar e fragmentado, cada vez mais especializado e parcelado, enquanto coube à cultura humanística o desenvolvimento de ideias gerais. Operou-se, então, uma disjunção entre as duas culturas que, além de separar os conhecimentos, isolou na mesma medida os sujeitos, colocando de um lado os cientistas e especialistas, de outro os filósofos e artistas. Precisamos agora da reintegração das culturas, das práxis, dos sujeitos a Terra-Pátria, para que ciência e humanidades possam refletir-se, construir-se, regenerar-se pelo bem de cada uma e do devir planetário.


IHU On-Line – Em que aspectos práticos se colocam as contribuições de Morin para se pensar uma educação que é marcada pela fragmentação do conhecimento?

Izabel Petraglia –
A inseparabilidade da relação teoria e método é fundamental para o conhecimento complexo, que é autoeco-organizador, influencia ao mesmo tempo em que sofre influências dos paradigmas da cultura. Daí a importância de um pensamento complexo e transdisciplinar, que rompe com a fragmentação disciplinar do conhecimento, que sai de si e, ao se relacionar, se coloca ao mesmo tempo entre, através e além de qualquer campo disciplinar.


Prática educacional complexa

Não desejamos oferecer ou ditar modelos educacionais transdisciplinares do pensamento complexo, receitas ou programas, pois, se assim fosse, estaríamos propondo um paradigma que não seria complexo. Não compreendemos a teoria desvinculada da prática e a complexidade – uma epistemologia – que já não esteja presente na práxis política. Apostamos, entretanto, em algumas ideias norteadoras de uma prática educacional complexa: a utilização de diversas linguagens, flexibilização no planejamento das atividades curriculares, contextualização para a elaboração do conhecimento pertinente, acolhimento das contradições, erros e incertezas do próprio conhecimento, respeito às diferenças e solidariedade.


IHU On-Line – Que exemplos de educação transdisciplinar e complexa você apontaria como importantes nessa tentativa de religação dos saberes?

Izabel Petraglia –
Sobretudo numa época de tantas incertezas, medos e desesperança, que aponta para uma crise de dimensões planetárias, nas diversas áreas, nações, culturas, entendo que precisamos urgentemente de uma educação que nos permita reverter atitudes predadoras. Precisamos mudar radicalmente o nosso modo de interagir com o planeta, resistindo à barbárie das culturas e de um desenvolvimento tecnológico e científico descomprometido com a utopia de um mundo melhor. As artes em geral e a educação ambiental com consciência e intencionalidade, por exemplo, são profícuas à articulação de experiências complexas e transdisciplinares. Essas experiências de religação podem constituir-se em brechas fundamentais para a construção de uma política de civilização planetária mais justa, fraterna e sensível.


Baú da IHU On-Line

Leia a edição especial da revista IHU On-Line intitulada Edgar Morin e o pensamento complexo, de 10-09-2012

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