Edição 390 | 30 Abril 2012

Trabalho imaterial. Exigência do novo capitalismo produtivo

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Cesar Sanson

“Assiste-se a uma transformação significativa no processo produtivo. Em contraponto ao trabalhador calado do modo de produção do capitalismo taylorista-fordista, o capital produtivo da revolução informacional pede um trabalhador que disponibilize recursos imateriais como o conhecimento, a cooperação e a comunicação nos processos de trabalho”, constata César Sanson, docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, em artigo que publicamos a seguir.

Segundo ele, “a marca distintiva, que caracteriza a sociedade pós-fordista, é a emergência da economia do imaterial e do trabalho imaterial”.

Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, é especialista em economia do trabalho pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, onde também cursou mestrado e doutorado em Sociologia, com a tese Trabalho e subjetividade. Da sociedade industrial à sociedade pós-industrial. É autor dos Cadernos IHU Ideias número 60, intitulado A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida; e do número 94, intitulado Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos. Também é autor dos Cadernos IHU número 32 intitulado Trabalho e subjetividade: da sociedade industrial à sociedade pós-industrial. 

Confira o artigo.

 

Os últimos anos do século XX imprimiram uma nova configuração à sociedade do trabalho. No epicentro dessa mudança encontra-se a emergência da economia do imaterial e do trabalho imaterial.

O capital produtivo hoje, principalmente aquele conectado ao capital globalizado, investe cada vez mais nas capacidades cognitivas dos trabalhadores como fator decisivo para o plus produtivo. A sociedade industrial mobilizou massas enormes de trabalhadores e os empurrou para uma divisão técnica do trabalho que lhes reservava tarefas simples e repetitivas. O operário foi reduzido a uma máquina produtiva.

Agora, ainda que de forma embrionária, assiste-se a uma transformação significativa no processo produtivo. Em contraponto ao trabalhador calado do modo de produção do capitalismo taylorista-fordista, o capital produtivo da revolução informacional pede um trabalhador que disponibilize recursos imateriais como o conhecimento, a cooperação e a comunicação nos processos de trabalho.

A sociedade industrial está sendo deixada para trás. A evolução das forças produtivas desembocou numa nova revolução – a Revolução Tecnológica/Informacional. A novidade dessa revolução reside no fato de que ela supera o tratamento que era dado à informação pela Revolução Industrial. As Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação agem diretamente sobre a informação e permitem a possibilidade de estruturar o não estruturado. Nas revoluções anteriores, o conhecimento esgotava-se no invento propriamente dito. As pessoas aprendiam e assimilavam o uso dessas tecnologias, usando-as. Nessa revolução, o conhecimento é utilizado para gerar mais conhecimento, num processo cumulativo sem fim.

Na sociedade industrial, o trabalho insere-se na esfera da reprodução, dispensa o conhecimento, está preconcebido e atende a um padrão tecnológico e organizacional estruturado de antemão. As tarefas são rotineiras, repetitivas, e podem ser pré-codificadas e programadas para que as máquinas as executem. A relação homem/máquina é despojada de qualquer enriquecimento. Trata-se de uma relação racionalizada por procedimentos que manifestam uma interação mecanicista. O saber operário não é reconhecido, ou apenas parcialmente, por encontrar-se circunscrito nos padrões pré-estabelecidos pela máquina.

Agora, com a introdução das Novas Tecnologias da Comunicação e Informação, as mudanças são significativas. Cada vez mais a valorização do trabalho repousa sobre o conhecimento, sobre a capacidade de interação com a máquina, superando a mera subordinação. Trata-se do que se denomina de “sistema de produção de conhecimentos por conhecimentos”. Na nova forma de se organizar o trabalho e ativá-lo, busca-se a reconquista da parte do trabalho vivo que o desenvolvimento histórico do capitalismo tentou aniquilar. Ao capital hoje interessa a mercadoria do corpo não apenas como unidade biológica, mas como corporalidadade social, ou seja, aquilo que ele reúne em si como parte integrante de uma capacidade produtiva maior, que se reúne no general intellect – o cérebro social de que fala Marx. 

A marca distintiva, que caracteriza a sociedade pós-fordista, é a emergência da economia do imaterial e do trabalho imaterial. O trabalho imaterial ainda não se apresenta hegemônico quantitativamente, mas já o é qualitativamente. A nova forma de organizar o trabalho colocou no centro do processo produtivo os recursos imateriais. A principal fonte do valor reside agora na criatividade, na polivalência e na força de invenção dos assalariados e não apenas no capital fixo, a maquinaria. A capacidade de interação, de iniciativa, de disponibilidade, de ativação, é requerente no modo de ser no trabalho das empresas, e o trabalhador não deve se contentar em reproduzir as capacidades predeterminadas e prescritas para o posto de trabalho que ocupa, mas sim desenvolver-se como um produto que continua ele mesmo a se produzir.

Na nova forma de organizar o trabalho são solicitados aos trabalhadores os requisitos da mobilidade, da flexibilidade, da adaptabilidade, a capacidade de interação, de disposição linguística, o talento comunicativo. O trabalho requer um engajamento total do trabalhador. Pode-se falar em uma prescrição da subjetividade orientada pela mobilização e engajamento de todas as faculdades e os recursos que podem ser extraídos e oferecidos pelo sujeito do trabalho.

Logo, o plus do trabalhador ativado por seus recursos imateriais é considerado central no novo modo produtivo e essencial na organização da força de trabalho. Doravante, o capital investe sempre e cada vez mais na bios – na vida – do trabalhador procurando ativar os recursos imateriais próprios de cada operário na perspectiva de que esses recursos sejam disponibilizados ao capital. Está claro que lógica do capital é apropriar-se desses recursos imateriais que se desenvolvem como qualidades subjetivas e subordiná-las ao seu projeto.

O caráter “revolucionário” do trabalho imaterial, entretanto, segundo Hardt e Negri (2005), Virno  (2002) e Gorz  (2005), entre outros, repousa no fato de que as formas centrais de cooperação produtiva já não são criadas apenas pelo capitalista como parte do projeto para organizar o trabalho, mas emergem das energias produtivas do próprio trabalho, ou seja, o sujeito do trabalho joga um papel decisivo como parte integrante da própria forma de organizar o trabalho.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999.

COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez; SILVA, Gerardo; (Orgs). Capitalismo cognitivo. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003.

FOUCAULT. Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GORZ, André. O imaterial. São Paulo: Annablume, 2005.

LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial. DP&A Editora: Rio de Janeiro, 2001.

NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Multidão. Rio de Janeiro – São Paulo: Record, 2005.

VERCELLONE, Carlo. Um panorama sobre a nova divisão cognitiva do trabalho. IHU On-Line, São Leopoldo, ano IV, n. 161, 2005, p.17-21. 

VIRNO, Paolo. Grammaire de la multitude. Quebéc: Conjectures & l’éclat, 2002.

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