Edição 389 | 23 Abril 2012

Bioma rico em diversidades

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Thamiris Magalhães

Produções florísticas, faunísticas, frutíferas, de plantas medicinais e madeireiras são alguns exemplos do que pode ser encontrado no único bioma exclusivamente brasileiro

 

“Vejo a Caatinga com uma particularidade ímpar. E esta beleza excepcional do bioma reside na diversidade de paisagens e o contraste visual proporcionado pelas estações seca e chuvosa”, comenta, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Marcos Antonio Drumond. Segundo ele, após um episódio de chuva na Caatinga seca, em poucos dias surge uma vegetação exuberante, sugerindo uma verdadeira ressurreição da vegetação, “como se fosse uma página acinzentada que, quando virada, dá lugar ao verde com várias tonalidades mescladas com o amarelo e branco e outras cores das flores do referido bioma”.

Quando aborda a questão das plantas medicinais, Drumond afirma que a Caatinga é como uma verdadeira farmácia viva na qual “a maioria das espécies é destacada por inúmeras utilizações na medicina caseira e outras”. Como exemplo, ele cita a aroeira, baraúna, angico, pelo alto teor de tanino; pau-ferro, marmeleiro, quebra-faca e outras. “Vale destacar que toda a diversidade de espécies do bioma poderia ser mais bem aproveitada economicamente, diante de estudos pormenorizados, especialmente explorando os princípios ativos de cada uma dessas espécies para a indústria farmacológica”, diz.

Marcos Antonio Drumond é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa desde 1978. É graduado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Viçosa, com mestrado em Engenharia Florestal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP e doutorado em Ciências Florestais pela Universidade Federal de Viçosa. Tem experiência nas áreas de fitossociologia, manejo florestal, agrossilvicultura, recuperação de áreas degradadas, florestas energética e ainda com a seleção e manejo de plantas oleaginosas dos gêneros Jatropha, Ricinus e Helianthus. É responsável pela introdução de diversas espécies arbóreas de múltiplos usos na região do semiárido. Drumond é ainda professor no curso de pós-graduação em Engenharia Florestal da Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que motivo muitas vezes a Caatinga é vista como uma área seca e quente, com uma vegetação formada por cactus e arbustos contorcidos?

Marcos Antonio Drumond – Como a Caatinga é um tipo de vegetação constituída especialmente de árvores e arbustos de pequeno porte, folhas miúdas e caducifólias  e que passa por pelo menos seis meses de estiagem ao ano, alguns mecanismos de adaptação foram desenvolvidos como espinhos, folhas pequenas e caducifólias, mecanismos que reduzem a transpiração excessiva. A vegetação herbácea é temporária e presente apenas no período chuvoso. Sob a vegetação de Caatinga, os solos são geralmente rasos e, às vezes, com afloramentos rochosos. Em geral, a temperatura é alta, com baixos índices pluviométricos, marcada pela irregularidade na distribuição das chuvas no tempo e no espaço. Seus índices pluviométricos são bastante irregulares, variando de 250 a 1.000 mm por ano e, geralmente, concentradas de dois a três meses. Devido à proximidade do Equador, as temperaturas médias são elevadas em torno de 27°C, com precipitações médias anuais em torno de 500 mm, com insolação média de 2.800 horas.ano-1, e evaporação em torno de 2.000 mm.ano-1. Essas características bioedafoclimáticas são determinantes para as áreas de domínio das Caatingas. Totalmente coberto pela vegetação de Caatinga, o semiárido brasileiro é um dos mais densamente povoados do mundo e, em função das adversidades climáticas, associadas aos outros fatores históricos, geográficos e políticos que remontam centenas de anos, abriga a parcela mais pobre da população do país.

IHU On-Line – Quais riquezas da fauna e flora a Caatinga oferece? 

Marcos Antonio Drumond – Estas riquezas já foram temas de inúmeros trabalhos científicos. Dentre tais trabalhos, os inventários da flora demonstram que o estoque madeireiro da Caatinga é baixo quando comparado a outros biomas, podendo variar conforme as condições edafoclimáticas locais. Algumas espécies são de grande importância econômica, especialmente para os agricultores da região, como é o caso de Spondias tuberosa , Anadenanthera macrocarpa , Schinopis brasiliensis , Miracroduon urundeuva , Mimosa caesalpiniifolia , Tabebuia impetiginosa , Bursera leptophloeos . Além dessas, temos a Amburana cearenses , considerada espécie nobre, como S. brasiliensis, M. urundeuva, que já se encontram de alguma forma protegidas, portanto, proibidas de exploração para fins energéticos pelo Código Florestal Brasileiro, para evitar sua extinção. (Portaria do Ibama n. 37, de 3 de abril de 1992.)

Quanto à fauna, ela é diversificada e rica em endemismo embora haja, de forma geral, informações insuficientes para a maioria dos grupos estudados e, por isso, os números encontrados ainda subestimam a real diversidade desse ecossistema. Porém, assim como as plantas, os animais também desenvolveram adaptações às condições climáticas da região, a exemplo de hábitos noturnos e comportamento migratório.

IHU On-Line – Quais são as contribuições frutíferas, medicinais e madeireiras do bioma?

Marcos Antonio Drumond – Dentre as principais espécies frutíferas nativas, o maior destaque recai sobre o umbuzeiro, por ele ser responsável pela sustentação econômica de muitas famílias que vivem do seu extrativismo, nos períodos de safra. O estado da Bahia é o maior produtor extrativista do umbuzeiro e é o maior consumidor nacional desse fruto, consumido in natura e nas formas de sucos, umbuzadas, doces variados, geleias, além dos picles dos xilopódios das mudas de até 20 cm de altura. Dentre outras espécies frutíferas alternativas para os agricultores familiares, podemos citar o maracujá-do-mato (Passiflora cincinnata Mast. – Passifloraceae); os araticuns (Anona sp. – Annonaceae), com sete espécies listadas no Nordeste; o murici (Byrsonima spp. – Malpighiaceae), presente nas dunas às margens do rio São Francisco; o mandacaru (Cereus jamacaru P. DC. – Cactaceae) e outras cactáceas; o cambuí (Eugenia crenata Vel.), a goiabinha ou araçá (Psidium spp. – Myrtaceae) e o croatá (Bromelia corata Linn. – Bromeliaceae). Todas podem ser encontradas sendo comercializadas em feiras livres nas regiões da Caatinga.

Plantas medicinais

Quanto às plantas medicinais, a Caatinga é como uma verdadeira farmácia viva em que a maioria das espécies é destacada por inúmeras utilizações na medicina caseira e outras. Podemos citar a aroeira, baraúna, angico, pelo alto teor de tanino; pau-ferro, marmeleiro, quebra-faca e outras. Vale destacar que toda a diversidade de espécies do bioma poderia ser mais bem aproveitada economicamente, diante de estudos pormenorizados especialmente explorando os princípios ativos de cada uma dessas espécies para a indústria farmacológica.

Espécies madeireiras

As espécies madeireiras são aquelas responsáveis pelo abastecimento energético de usos doméstico, comercial e industrial em pequenas, médias e grandes indústrias de transformação. Muitas espécies, pelo elevado valor energético ou por grande concentração de tanino nas suas cascas, foram bastante exploradas no passado. Atualmente, com a demanda por produtos orgânicos para curtição e produção do couro orgânico, a procura por essas espécies vem se intensificando, trazendo grande preocupação com as ameaças a esses patrimônios genéticos. Dentre as espécies mais procuradas, pode-se citar: Miracrodun urundeuva, Anadenanthera macrocarpa, Schinopis brasiliensis e as do gênero Mimosa, especialmente a Mimosa tenuiflora. Dentre as espécies nativas, apenas a sabiá – Mimosa caesalpiniifolia – é plantada comercialmente para produção de estacas.

Características das principais espécies madeireiras da Caatinga

Angico Anadenanthera macrocarpa Benth. é uma árvore da família Mimosaceae, com porte mediano, atingindo até 15 m de altura, dependendo da região. A casca é grossa e muito rugosa. As folhas são compostas bipinadas e pequenas, com 10-25 pinas, com 20 a 80 folíolos. As flores são alvas, dispostas em capítulos globosos, axilares. Os frutos são vagens achatadas, finas, compridas e de cor escura. As folhas são tóxicas ao gado, porém, quando fenadas ou secas juntamente com os ramos novos, constituem excelente forragem para bovinos, caprinos e ovinos; a resina exudada dos troncos é hemostática, depurativa, adstringente e é utilizada na medicina caseira em infusão e em xarope. A casca, muito rica em tanino, é utilizada na indústria do curtume; e na medicina popular é utilizada como expectorante (chá) ou cicatrizante (infusão). A madeira serve para estacas, mourões, lenha e carvão de elevado poder calorífico.

Aroeira Miracroduon urundeuva é uma árvore da família Anacardiaceae, de porte mediano, chegando a atingir 10 m de altura e 30 cm de diâmetro. Apresenta fuste linheiro, madeira dura de cor bege-roseado quando verde e roxo escuro quando seco. A casca é castanho escuro, subdivididas em placas escamiformes, rica em tanino (cerca de 15%), e são utilizadas na indústria do curtume. Na medicina popular, a casca é utilizada no tratamento das vias respiratórias e urinárias. As folhas quando maduras servem como forrageiras. A resina exudada dos troncos é utilizada no preparo da goma arábica. A madeira serve para obras externas, mourões, vigas, construções rurais, estacas, dormentes e carvão de elevado poder calorífico; a densidade básica da madeira é superior a 0,66g/cm3, o rendimento gravimétrico de carbonização é 38,4% a 420±200C, o teor de carbono é de 72%, teor de cinza é de 4,8, obtidos através da análise química imediata do carvão em base seca.

Baraúna Schinopsis brasiliensis Engl. é uma árvore da família Anacardiaceae, típica do sertão nordestino, geralmente, encontrada em grupamentos em certas áreas e desaparecendo em outras. Árvore de porte mediano chegando a atingir 12 m de altura e 30 cm de diâmetro. A casca é escura, rugosa e também rica em tanino, utilizada na indústria do curtume. Na medicina popular, a casca é utilizada como analgésico digestivo. As folhas são verdes e permanecem durante quase todo ano, podendo ser utilizadas no tratamento da gripe e pressão alta. A resina exudada dos troncos é utilizada no preparo da goma arábica. A madeira é muito dura e de elevada densidade, servindo para obras internas, pilão esteios, vigas, estacas, mourões, lenha e carvão de elevado poder calorífico.

Jurema preta Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret., pertencente à família Mimosaceae, é uma árvore de pequeno porte de até 7 m de altura, com acúleos esparsos nas partes mais novas, às vezes, podendo ser encontrada inermes naturalmente na Caatinga. As folhas são compostas, alternas e bipinadas. As flores são alvas, dispostas em espigas e melíferas. Os frutos são pequenas vagens pluriarticuladas. As folhas são forrageiras para os caprinos e bovinos e as cascas são sedativas, narcóticas, adstringentes e amargas, sendo utilizadas como cicatrizantes, digestivas e na curtição de couro. A madeira serve para estacas, lenha e carvão de elevado poder calorífico.

Sabiá – Mimosa caesalpiniaefolia Benth., pertencente à família Mimosaceae, ocorre naturalmente nos estados do Rio Grande do Norte, Piauí e Ceará, parte do Maranhão e de Pernambuco, na chapada do Araripe, divisa com o Ceará. Foi introduzida com êxito em regiões úmidas dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, sendo que nesses locais a espécie é conhecida como sansão-do-campo. É uma árvore de pequeno porte, atingindo fase adulta, até 8 m de altura e cerca de 20 cm de diâmetro à altura do peito; o tronco apresenta acúleos que desaparecem com a idade. Já os ramos jovens apresentam um grande número de acúleos. Tem crescimento cespitoso, ou seja, de um mesmo ponto na base da planta partem vários fustes. Cresce preferencialmente em solos profundos e férteis, podendo, a partir do terceiro ao quarto ano, já poder fornecer madeira para estacas de cercas. Tem apresentado bom desenvolvimento também em solos mais pobres, porém, nesses casos, é importante suprir as plantas por meio de adubação orgânica ou química. A espécie se destaca como uma das principais fontes de estacas para cercas no Nordeste, em especial no estado do Ceará. A madeira também é utilizada para energia, apresentando peso específico em torno de 0,87 g cm-3 e um teor de carbono de aproximadamente 73%. Essas características qualificam a espécie como uma boa opção para a produção de lenha e carvão. Atualmente, nas áreas irrigadas do Vale do Rio São Francisco, no semiárido nordestino, as estacas têm sido amplamente comercializadas e utilizadas principalmente como tutores para apoio e sustentação das videiras.

IHU On-Line – Quais são as principais espécies forrageiras encontradas no bioma?

Marcos Antonio Drumond – O potencial das espécies forrageiras podem variar em função das variações edafoclimáticas. Entre as diversas espécies da Caatinga com potencial forrageiro, pode-se destacar a maniçoba (Manihot pseudoglaziovii Pax& K. Hoffm.), o angico (Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan), o pau ferro (Caesalpinia ferrea Mart), a catingueira (Caesalpinia pyramidalis Tul), a catingueira rasteira (Caesalpinia microphylla Mart), a favela (Cnidoscolus quercifolius Pax & K. Hoff.), a canafistula (Senna spectabilis (DC.) Irwin et Barn), o marizeiro (Geoffroea spinosa Jacq.) o mororó (Bauhinia sp.), o sabiá (Mimosa caesalpiniifolia Benth.), o rompe gibão (Pithecelobium avaremotemo Mart.), o juazeiro (Ziziphus joazeiro Mart.), a jurema preta (Mimosa tenuiflora Willd ), o engorda-magro (Desmodium sp), a marmelada de cavalo (Desmodium sp), o feijão bravo (Phaseolus firmulus Mart), a camaratuba (Cratylia mollis Mart), o mata pasto (Senna sp) e as urinárias (Zornia spp), entre as espécies arbóreas, arbustivas e semiarbustivas. Destacam-se ainda as cactáceas forrageiras como, por exemplo, o facheiro (Pilosocereus pachycladus Ritter) e o mandacaru (Cereus jamacaru DC.). Entretanto, destacamos ainda o umbuzeiro, que pode ter suas folhas utilizadas como opção alimentar para caprinos, ovinos, bovinos e muares como pastejo direto no período chuvoso e/ou fenadas, especialmente, no período de seca.

IHU On-Line – Existem espécies na Caatinga que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta? Isso dá destaque ao bioma?

Marcos Antonio Drumond – Sim. O único bioma exclusivamente brasileiro abriga fauna e flora com muitas espécies endêmicas, ou seja, que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Daí a importância desse que é considerado patrimônio biológico de valor incalculável. Dentre elas podemos destacar o umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda), pela sua expressão econômica, geradora de emprego e renda para o sertanejo, que é uma espécie arbórea de ocorrência natural exclusiva do semiárido brasileiro, e um dos recursos genéticos mais importantes para a produção de frutos destinados ao consumo in natura e à industrialização, além de ser importante alternativa econômica e recurso de subsistência para comunidades rurais no semiárido do nordeste brasileiro nos períodos de safra.

IHU On-Line – Quais são as riquezas e diversidades vegetais que a Caatinga oferece? Tem dados de quantas espécies vegetais e animais vivem no bioma? O que esses dados representam?

Marcos Antonio Drumond – Quanto à flora, são registradas cerca de 1.500 espécies para a região, sendo as famílias Leguminosae (18,4%), Convolvulaceae (6,82%) Euphorbiaceae (4,83%), Malpighiaceae (4,7%) e Poaceae (4,37%) consideradas as mais ricas em número de espécies. De endêmicas, são 20 gêneros e mais de 300 espécies. 

Algumas famílias apresentam grande diversidade no bioma. A família Leguminosae é a mais diversa, com 293 espécies em 77 gêneros, das quais 144 são endêmicas da Caatinga. Espécies de muitos gêneros de Leguminosae contribuem para a constituição dos extratos arbóreo e arbustivo que dão a feição característica da Caatinga, como Mimosa, Acacia, Caesalpinia e Senna. Outra família floristicamente importante é Euphorbiaceae, com grande diversidade de espécies dos gêneros: Croton, Cnidoscolus e Jatropha. As Cactáceas constituem um importante elemento da paisagem, com seus caules suculentos, desprovidos de folhas e cobertos por espinhos. Foram registradas para o referido bioma 58 espécies das quais 42 são endêmicas da Caatinga. Outros gêneros característicos são Cereus, Pilosocereus, Melocactus e Tacinga, sendo este último endêmico do bioma. A família Bignoniaceae é bem representada, especialmente com espécies de lianas dos gêneros Arrabidaea, Adenocalymma e Piriadacus, o último endêmico da Caatinga. Vale destacar que o número de espécies arbóreo-arbustivas é pequeno com predominância do extrato herbáceo, sendo a maioria temporárias.

Fauna

Quanto à fauna, a Caatinga é pobre em espécies e em número de animais por espécie, porém rica em endemismo; em espécies migratórias; em animais de hábitos noturnos e com adaptações fisiológicas. A heterogeneidade ambiental associada à singularidade de certos locais permite supor a possibilidade de a fauna de invertebrados da Caatinga ser riquíssima em diversidade e endemismo. Porém, o conhecimento do grupo ainda é pequeno para uma quantificação. Os insetos, as abelhas, as formigas e os cupins são os representantes mais estudados, onde a apifauna da Caatinga está representada por cerca de 190 espécies, sendo registrada uma predominância de abelhas raras e elevado percentual de endemismo.

Sobre a biota aquática, os conhecimentos são ainda incipientes, sendo os peixes os mais estudados: 240 espécies de peixes das quais, aproximadamente, 57% são endêmicas deste bioma; as informações também são pontuais, destacando-se o grande número de peixes registrado para o Médio São Francisco. A herpetofauna também é pouco conhecida, sendo esta representada por 47 espécies de lagartos, dez anfisbenídeos, 52 espécies de serpentes, quatro quelônios, três crocodilos e 48 anfíbios, dos quais existe um endemismo de 15%.

Avifauna

Apesar de a Caatinga ser considerada um importante centro de endemismo para aves sul-americanas, a distribuição, a evolução e a ecologia da avifauna continuam ainda muito pouco investigadas quando comparadas com o esforço feito para outros ecossistemas, sendo esse grupo o mais representativo, com cerca de 510 espécies registradas, das quais aproximadamente 92% se reproduzem na região, estimando-se que cerca de 15 espécies e 45 subespécies sejam endêmicas desse bioma. Entretanto, o grupo das aves é considerado mais vulnerável, sendo listadas mais de 20 espécies ameaçadas, dentre elas a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e a arara-azul-de-lear (Anodorbynchus leari).

Mamíferos

O grupo dos mamíferos, em geral, é de pequeno porte e ainda existem lacunas no conhecimento da diversidade do grupo, mas é rica em diversidade: 148 espécies com endemismo para 19 espécies, podendo ser maior após estudos com roedores e morcegos. Os primeiros são os mais abundantes. 

IHU On-Line – Em que sentido a pecuária tem modificado a vegetação do bioma? 

Marcos Antonio Drumond – Com relação à pecuária, a capacidade de suporte da Caatinga é de oito a 13 hectares por bovino e de 1 a 1,5 ha/caprino. O Nordeste possui 10,4 milhões de caprinos, o que corresponde a 88% do rebanho brasileiro, e a ovinocultura responde por 39%, com 7,2 milhões de ovelhas. Como alternativa alimentar, vem crescendo a formação de pastos de capins exóticos. A desobediência dessa relação da capacidade de suporte da Caatinga, que é a superlotação de animais nas áreas, tem causado impactos indesejáveis tanto para vegetação como para os solos, pela compactação do pisoteio intenso de animais. Essa degradação dos solos reflete diretamente de forma quantitativa e qualitativa a cobertura vegetal das áreas. 

IHU On-Line – Como avalia o fato de uma grande concentração de indústrias, como a de gesso nos municípios pernambucanos da Chapada do Araripe, utilizarem-se dos recursos florestais da Caatinga, neste caso, como suprimento energético?

Marcos Antonio Drumond – A Chapada do Araripe, inserida no semiárido brasileiro, estende-se por mais de 76 mil km2, ocorrendo em 103 municípios, dos quais 25 se encontram no estado do Ceará, 18 em Pernambuco e 60 no Piauí.

Em aproximadamente 18 mil km2, que corresponde a 20% do território pernambucano, está concentrada a maior reserva de gipsita em exploração do Brasil. É a maior área de produção da América Latina e a segunda do mundo, abastecendo o mercado nacional com 95% do gesso consumido. A indústria do gesso é responsável por 93% de todo consumo de energéticos florestais na área do polo gesseiro. Estima-se que aproximadamente 65% da área da Chapada do Araripe foram desmatadas até 2009.

A demanda atual de energéticos de base florestal para o polo gesseiro do Araripe ultrapassa dois milhões de mst.ano-1 (incluindo os consumos industrial, comercial e domiciliar). Ressalta-se ainda que as atividades do polo gesseiro concorrem de maneira determinante para o agravamento dos problemas ambientais da região por consumir, quase que exclusivamente, a vegetação nativa em seus fornos de desidratação do minério – a gipsita. Isso representa, numa superfície de corte sob manejo florestal, entre 9.500 ha.ano-1 (ciclo de rotação com 13 anos) e 11.885 ha.ano-1 (ciclo de rotação de 15 anos), considerando-se estoques médios de lenha entre 160 e 200 mst.ha-1, respectivamente.

Nesse contexto, a lenta recuperação da Caatinga devastada é ainda mais preocupante, já que são necessários pelo menos de 13 a 15 anos para que a vegetação nativa cortada volte a recompor o estoque original. Isso implica dizer que, com o desmatamento de 21 ha para obtenção de 5.250 mst.dia-1 de madeira da floresta nativa, a área do bioma só voltará a alcançar volume de produção semelhante após ser deixada sem uso algum ao longo de 15 anos.

IHU On-Line – De que maneira pode ser realizado o uso sustentável dos recursos naturais na Caatinga?

Marcos Antonio Drumond – Recomenda-se adotar o manejo sustentável da Caatinga, que seria uma intervenção na vegetação, com a finalidade de introduzir modificações na estrutura e na composição de espécies de sua cobertura florestal. Em uma análise mais generalizada, esse manejo sustentável do bioma implicaria uma mudança de perspectiva onde não é mais suficiente apenas o manejo, conforme o princípio do rendimento sustentável, mas também o manejo objetivando outros benefícios múltiplos de sustentabilidade, entre os quais: econômicos, sociais e ambientais.

Para as áreas degradadas, recomenda-se a realização das atividades de recuperação de acordo com o seu estágio sucessional, utilizando espécies de uso múltiplo de rápido crescimento, especialmente visando torná-las produtivas e, consequentemente, contribuir para a redução da pressão sobre a vegetação nativa ainda existente.

IHU On-Line – De que forma recursos como água, solo, fauna e flora estão sendo utilizados no bioma? 

Marcos Antonio Drumond – De maneira exaustiva. Atualmente a utilização da Caatinga ainda se fundamenta em processos meramente extrativistas para obtenção de produtos de origens pastoril, agrícola e madeireira. O modelo predatório, contudo, causa preocupação. Devido à exploração indiscriminada da vegetação, especialmente para fins energéticos, já se observam perdas irrecuperáveis da diversidade florística e faunística, aceleração do processo de erosão, declínio da fertilidade do solo e da qualidade e quantidade da água pela sedimentação, desencadeadas por práticas inapropriadas.

Outros fatores que contribuem de forma significativa para a ampla degradação ambiental e, consequentemente, para a perda da diversidade biológica da Caatinga são métodos tradicionais de manejo e exploração intensiva da vegetação arbóreo-arbustiva para obtenção de madeiras, implantação de culturas irrigadas e pastagens, aliados às precariedades climáticas.

Pelo elevado valor energético e pela grande concentração de tanino nas suas cascas, espécies como o angico foram exploradas de modo significativo no passado. Atualmente, com a procura de produtos naturais para curtição e produção do couro orgânico, a exploração vem se agravando. Com isso, a preocupação de uma erosão genética do patrimônio vegetal vem sendo reforçada. Nesse sentido, a falta de tradição do segmento florestal na região, o ensino e as práticas voltadas ao monocultivo bem como a inexistência de pesquisas que quantifiquem e qualifiquem as melhores alternativas agroflorestais, por zona agroecológica, entre outros, são fatores limitantes ao desenvolvimento de sistemas agroflorestais no bioma Caatinga.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Marcos Antonio Drumond – Vejo a Caatinga com uma particularidade ímpar. E esta beleza excepcional do bioma reside na diversidade de paisagens e o contraste visual proporcionado pelas estações seca e chuvosa. Após um episódio de chuva na Caatinga seca, em poucos dias surge uma vegetação exuberante, sugerindo uma verdadeira ressurreição da vegetação, como se fosse uma página acinzentada que, quando virada, dá lugar ao verde com várias tonalidades mescladas com o amarelo e branco e outras cores das flores do referido bioma.

 

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