Edição 388 | 09 Abril 2012

Terrence Malick e os nexos entre cinema e filosofia

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Márcia Junges

Produção do premiado cineasta norte-americano é composta seis filmes, dentre os quais Á árvore da vida é o ápice em termos de temáticas voltadas à Filosofia, explica Milton do Prado Franco Neto

Perfeccionista a ponto de dirigir um total de seis filmes ao longo de quatro décadas, Terrence Malick leva a fama de diretor recluso. Sua personalidade “artística” é responsável pela demora na finalização de suas produções, e isso o afastou da indústria cinematográfica, pondera Milton do Prado Franco Neto. “A recepção crítica, no entanto, sempre foi muito boa, com o diretor sempre recebendo prêmios importantes como no Festival de Cannes. Essa recepção parece ter ajudado a criar uma ‘persona’ cinematográfica que faz com que seus filmes sejam bem distribuídos pelo mundo, mesmo que não completamente compreendidos”. Tradutor de Heidegger, aluno de Filosofia em Harvard e professor de Filosofia no MIT antes de se tornar cineasta, Malick já tinha em mente o projeto de A árvore da vida desde o final dos anos 1970. Sua influência filosófica fica muito mais evidente com o passar do tempo, avalia o jornalista na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. O Instituto Humanitas Unisinos – IHU está exibindo a filmografia de Malick dentro da programação de Páscoa 2012, Fé, arte e cultura. Nesta terça-feira, 10-04-2012, é o momento para assistir e, em seguida, debater A árvore da vida, às 19h30min, na Sala Ignácio Ellacuría e Companheiros, no IHU.

Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Milton do Prado Franco Neto é mestrando em Estudos Cinematográficos pela Universidade Concórdia, no Canadá. É professor na Unisinos e coordenador do curso de Realização Audiovisual.

Confira a entrevista.



IHU On-Line - Qual é a importância da obra de Malick para o cinema? Há um traço característico que une os filmes desse diretor? Qual seria esse ponto em comum?

Milton do Prado Franco Neto -
Malick  é um diretor de carreira ímpar. Fez dois longas-metragens que foram sucesso de crítica nos anos 1970 e hibernou por 20 anos. Daí surgiu a fama de diretor recluso, uma espécie de J.D. Salinger  do cinema. Ou ao menos uma versão mais radical de Stanley Kubrick , cujo perfeccionismo fazia com que dirigisse poucos filmes. De qualquer forma, depois de Além da Linha Vermelha (Drama, 1998, 170 min), Malick volta a filmar com mais frequência e algumas linhas de seu cinema começam a ficar mais claros, como seu gosto pela contemplação, a relação do homem com a natureza, além do fato que a narrativa de seus filmes é de mais em mais dispersa entre vários personagens e situações que não se concluem.


IHU On-Line - Em que aspectos A árvore da vida pode ser considerado um filme espiritual e metafísico?

Milton do Prado Franco Neto -
A Árvore da Vida (EUA, 2011, drama, 139 min) é um filme que mescla no mínimo três tipos de encenação:

1) o tempo de um personagem adulto, vivido pelo ator Sean Penn , em reuniões de negócios, caminhadas por grandes prédios etc.

2) as lembranças de quando ele era criança, brincando com os irmãos, numa típica família americana do pós-guerra, incluindo aí a mãe protetora e o pai repressor.

3) imagens de um outro tempo: a criação do universo, o surgimento da vida na Terra etc.
Existe ainda a parte final do filme, onde em um não-lugar todos esses tempos parecem ser um só.

É bom lembrar que uma das primeiras cenas do filme é a da notícia da morte do irmão do personagem principal. Daí somos jogados para imagens do cosmos, que remetem ao surgimento do universo. É como se o filme nos lembrasse que cada perda individual representa um novo começo, que no fundo remete ao surgimento de tudo. Nesse sentido ele pode ser interpretado como holístico, ou, se preferir, espiritual e metafísico.


IHU On-Line - A árvore da vida foi apontado como uma “sinfonia filosófica”. Sob quais pontos de vista essa obra pode nos inspirar a uma reflexão mais profunda no período da Páscoa?

Milton do Prado Franco Neto -
Acho que a questão do retorno é pensada por várias religiões, mas encontra na ressurreição cristã uma imagem bem precisa. Acho o filme mais metafísico do que exatamente religioso, mas ele não elimina essa dimensão.


IHU On-Line - Como suas produções foram recebidas pela grande indústria cinematográfica, considerando a questão das temáticas e das linguagens inusitadas das quais se vale?

Milton do Prado Franco Neto -
Ele fez seu primeiro filme em uma época que, no cinema americano, novos talentos começaram a questionar o american way of life. Seu primeiro filme, Badlands (EUA, 1973, drama, 93 min), era bastante violento (como eram outros filmes da época, como os de Arthur Penn , Coppola , Scorsese , Brian De Palma ). A partir do segundo filme uma nova dimensão foi acrescentada e foi possível perceber que o interesse de Malick não era filmar a violência como seus contemporâneos o faziam. A personalidade mais "artística" de Malick fez com que seus filmes demorassem a ser finalizados, o que o afastou da indústria. A recepção crítica, no entanto, sempre foi muito boa, com o diretor sempre recebendo prêmios importantes como no Festival de Cannes. Essa recepção parece ter ajudado a criar uma “persona” cinematográfica que faze com que seus filmes sejam bem distribuídos pelo mundo, mesmo que não completamente compreendidos.


IHU On-Line - Em Novo mundo, Malick inaugura sua filmografia com temas ligados à transcendência. Como analisa a influência dos estudos de filosofia desse cineasta em sua produção filmográfica?

Milton do Prado Franco Neto -
Começo discordando: acho que essa dimensão já aparecia pelo menos desde seu filme anterior, Além da Linha Vermelha. Malick estudou filosofia em Harvard, traduziu Heidegger  para o inglês e ensinou filosofia no MIT antes de se tornar cineasta. A influência da filosofia vai ficando mais evidente e aparece com força total em A Árvore da Vida, filme onde temas como transcendência, vida e morte estão no cerne. O projeto original desse filme remonta desde o final dos anos 1970, mas precisou de todos esses anos de maturação para tomar forma.


IHU On-Line - A produção de Malick pode ser compreendida como uma constante busca de sentido na vida? Por quê? Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Milton do Prado Franco Neto -
Assumindo minha leitura (muito) limitada de Heidegger, acho que a preocupação com a definição do SER é que acaba sendo cada vez mais sua preocupação principal. Os filmes de Malick parecem sempre mostrar seres humanos cuja vida em harmonia é perturbada por outros seres humanos alheios à sua natureza (a guerra aparece, em diversas formas, em Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo, A Árvore da Vida). Assim sendo, acho que é correto pensar na busca pelo "sentido da vida" em seus filmes. O maior problema que isso acarreta é: sendo o cinema uma arte audiovisual, como figurar (no sentido de criar uma imagem) temas tão abstratos? Para mim, esse acaba sendo o pecado de alguns de seus filmes, ou pelo menos de alguns momentos de seus filmes, pois a figuração do "sentido da vida" não é algo tão fácil assim de ser alcançado, principalmente pelo cinema narrativo. Por isso acho que a última parte de A Árvore da Vida peca por imagens metafóricas bastante óbvias (por
exemplo, a porta aberta no deserto) que infelizmente não estão à altura do que vimos anteriormente no filme.

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