Edição 388 | 09 Abril 2012

Rádio e pesquisa: a renovação pendente

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

María Trinidad García Leiva

Abordamos aqui um rápido repasso pelos estudos acadêmicos mais recentes dedicados ao mundo do rádio, de ambos os lados do Atlântico. Esta observação nos deixa com a sensação de que, apesar da investigação ibero-americana sobre o meio gozar de relativamente boa saúde, a ela lhe falta uma boa dose de renovação que assegure seu futuro.

Em primeiro lugar, pode-se afirmar que frequentemente as análises sobre a configuração e a situação do mercado radiofônico aludem à existência de um modelo de negócio em crise, bem como ao difícil desenvolvimento de suas novas vias de financiamento. Mas poucos trabalhos sublinham e problematizam o papel central que têm, para o entendimento destes fenômenos, o futuro do mercado publicitário e a medição das audiências. Não se medem todos os ouvintes que existem nas diferentes plataformas de distribuição dos sinais de rádio nem se estimam todas as modalidades de consumo, muito frequentemente sobrepostas em meios multimídia e com múltiplos suportes e grades de programação redundantes. As audiências se fragmentam entre telas. Conteúdos, serviços e os publicitários dispersam-se. Isso afeta o incremento da cadeia de valor da indústria.

Em segundo lugar, constata-se que dar conta da regulação do setor costuma ser uma tarefa tão complexa que, em geral, não excede a reflexão sobre as políticas nacionais de comunicação. É preciso lembrar que existem muitas outras políticas, claramente assemelhadas e sinérgicas, e urge começar a pensar de modo conjunto. Um bom exemplo seriam as políticas industriais e de concorrência, ou as de projeção e cooperação cultural. A esse respeito, debaixo do guarda-chuva da rica tradição de análise que vincula rádio, educação e desenvolvimento, a investigação deve pôr em valor a cooperação mútua impulsionada pelos estados, já que ela se revela como uma via de primeira ordem para intensificar a colaboração e o intercâmbio entre culturas.

Em terceiro lugar, pode-se apreciar que, quando se trata de dar conta dos avanços tecnológicos que afetam o setor radiofônico em função dos usos sociais que se fazem das novas possibilidades à disposição, as palavras “digitalização” e “convergência” dominam a paisagem. O cenário desenhado costuma estar circunscrito à atividade da produção e a só alguns desenvolvimentos técnicos (leia-se internet). É necessário prestar atenção à sempre esquecida instância do consumo (usos, hábitos, percepções) e ao impacto que tem o fato de que existam diferentes plataformas alternativas de distribuição para os sinais de rádio (como a televisão digital terrestre, por exemplo).

Deve-se também destacar, de um lado, a geopolítica e, de outro, os envolvimentos sociais da rádio digital e convergente. A primeira permite compreender algumas das lógicas globais subjacentes aos chamados processos de materialização do “apagão analógico” e obtenção do “dividendo digital”. É preciso aprofundar em ambos os processos para compreender tanto as consequências de que a difusão e adoção de padrões em disputa seja parte de uma batalha entre grandes empresas globais e blocos econômicos supranacionais. Esses agentes em conjunto tratam de impor seus desenvolvimentos para adquirir vantagens competitivas, como para valorizar os envolvimentos futuros da partilha de frequências que se libertam com o fim da rádio analógica. No que se refere aos envolvimentos sociais da rádio digital, pode-se destacar a importância da preservação e arquivo da memória sonora compartilhada em um contexto de abundância e imaterialidade da informação. Uma vez enfrentado o trabalho de digitalizar os arquivos disponíveis, é necessário construir um bom sistema de catalogação etiquetado de conteúdos agora também multimídia.

Em quarto lugar, no que diz respeito à análise da linguagem e os conteúdos radiofônicos, a aproximação mais frequente observa gêneros e formatos já dominantes nos já conhecidos modelos de programação generalista e especializada. Apesar disso, felizmente sempre há espaço para resenhar o volume e tipo de produção da ficção radiofônica e para caracterizar a evolução da criatividade publicitária no meio e dar conta do futuro próximo do tratamento informativo no veículo rádio. No entanto, faz muita falta a ausência de resenha e estudo daqueles conteúdos que se refugiaram na rádio menos comercial e mais social, bem como a caracterização crítica da contribuição que a essas emissoras fazem aos ouvintes a partir de diferentes dinâmicas que, a partir de certas condições, poderiam se denominar como participativas.

O entendimento das mudanças que afetam o rádio requer novos olhares e aproximações, tanto aos temas de investigação já clássicos no estudo do meio como aos novos interrogantes que aí são propostos. Aos assuntos aqui recolhidos, poder-se-ia acrescentar muitos outros, tais como: a produção colaborativa de conteúdos, que na sequência são difundidos por emissoras organizadas em rede; a comercialização (ou imitação) de formatos radiofônicos em escala internacional; e o aparecimento de novos guardiões na cadeia de valor da indústria (como os licenciamentos de rádios-web), dentre outras novas mídias.

Para além de tudo exposto no texto, o objetivo ulterior é o de chamar a atenção sobre a existência de uma agenda de investigação em permanente expansão e com grande futuro. A chave para este porvir está em compreender que a pesquisa só ganhará em termos de continuidade, consolidação e visibilidade se for capaz de se renovar, enfrentando seus próprios esquecimentos e abandonos.

 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição