Edição 377 | 24 Outubro 2011

Geração Y: primeira geração global

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Graziela Wolfart

A velocidade é característica dessa geração, associada à impaciência, independência, autossuficiência e segurança em relação ao que sabem e ao que querem da vida, defende a professora Isamara Allegretti

Quinta-feira, dia 27 de outubro, a professora MS Isamara Della F. Allegretti, coordenadora do curso de Graduação Tecnológica de Gestão de Recursos Humanos da Unisinos, abordará o tema “Trabalho, formação e aprendizagem da geração Y” no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento ocorre das 17h30min às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Isamara concedeu a entrevista a seguir por e-mail para a IHU On-Line, onde afirma que “essa geração se desenvolve a partir das novas formas de produção que inauguram novas formas de relações de trabalho. As formas de produzir, que substituíram o clássico modelo taylorista-fordista, passaram a demandar outro tipo de trabalhador, comprometido com resultados e empreendedor na busca de soluções criativas e inovadoras para processos e produtos. As antigas hierarquias foram substituídas”. Para ela, “esta geração parece não depositar todas as fichas da vida no trabalho. Mas a conquista de um espaço no mundo através do trabalho segue sendo um objetivo importante”.

Isamara Allegretti é psicóloga graduada pela PUCRS, especialista em Saúde e Trabalho pela UFRGS e mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem é a geração Y? Como ela pode ser caracterizada e definida?

Isamara Allegretti – Antes de definir quem é a geração Y, faz-se necessário dizer que a idade não pode ser o único critério a ser utilizado. O período de tempo que define uma geração é apenas uma referência, seus limites são tênues. Outros critérios precisam ser levados em consideração, sejam as vivências históricas de conjuntos populacionais, a visão de mundo e os valores compartilhados. Encontramos, na literatura, que essa geração compreende os nascidos entre os anos 1980 e 1990. Há alguns que apontam o excesso de alarde sobre as peculiaridades da também chamada geração Milênio, e que se trata muito mais de um estágio de vida (adolescência inquieta e contestadora, por exemplo). Mas outros autores, como Don Tapscott , afirmam que o que caracteriza essa nova geração é a produção de conexões cerebrais distintas de gerações anteriores, conduzindo a novos modos de conectar informações que levam a um funcionamento cerebral diferente do de seus pais. Uma das consequências disso seria a velocidade no processamento de dados (imagens, textos, etc.). Aliás, velocidade é característica dessa geração, segundo Sidnei Oliveira , associada à impaciência, independência, autossuficiência e segurança em relação ao que sabem e ao que querem da vida. Uma característica marcante e que terá impacto importante nas relações de trabalho envolvendo essa geração é a forma como encara a hierarquia, demonstrando baixa capacidade de submissão. São muitos os aspectos a comentar, mas talvez valha a pena destacar outro que é comum na literatura: trata-se da primeira geração global, forjada a partir das mídias eletrônicas. Isso permite um alto nível de conectividade que é marca registrada da geração Y.

IHU On-Line – Como se estabelecem os processos de trabalho, formação e aprendizagem na geração Y?

Isamara Allegretti – Pode parecer lugar-comum afirmar que se trata de pergunta complexa e que demandaria um bom tempo para respondê-la, pois merece um tratado a respeito. Diria que essa geração também se desenvolve a partir das novas formas de produção que inauguram novas formas de relações de trabalho. As formas de produzir, que substituíram o clássico modelo taylorista-fordista, passaram a demandar outro tipo de trabalhador, comprometido com resultados e empreendedor na busca de soluções criativas e inovadoras para processos e produtos. As antigas hierarquias foram substituídas através de processos de Downsizing e Reengenharia, por exemplo, criando novos perfis de competências nas organizações, gerando a necessidade de um novo perfil de trabalhador, mais autônomo, solucionador de problemas, adaptável e flexível, responsável e com alta capacidade de trabalhar em equipe. Quero dizer com isso que novas competências passam a serem demandas no mundo do trabalho.

Participação ativa e coletiva na produção do conhecimento

A formação não tem mais na escola/universidade um locus privilegiado, sendo que esses espaços se tornam uma entre tantas possibilidades de aprendizagem que não se reduzem a eles. A difusão da comunicação digital, por exemplo, permite alta capacidade de pesquisa em tempo real; o professor deixa de ter o protagonismo de tempos anteriores nos processos de educação e aprendizagem e passa a desempenhar novos papéis, numa perspectiva muito mais de orientação. Essa geração quer participar de forma mais ativa na produção do conhecimento, mais coletiva também. Possui a expectativa de que os espaços de trabalho sejam mais lúdicos e divertidos, inspirados em empresas como a Google. Tapscott afirma que a geração Y leva os amigos para o trabalho, através da permanente conectividade. A aprendizagem, para essa geração, pressupõe boas doses de autonomia, e nesse sentido o professor tem um papel fundamental na orientação e supervisão da aprendizagem. Outra característica é a baixa tolerância a aulas que exigem longos tempos de concentração e apresentam baixa variedade metodológica. Nesse sentido, as escolas investem cada vez mais em tecnologias educacionais que permitem criar, na sala de aula, um ambiente mais próximo ao cotidiano midiático do aluno.

IHU On-Line – Qual a importância do trabalho e da formação para esse “grupo” social (se é que podemos chamar assim)?

Isamara Allegretti – Como disse anteriormente, a formação não se limita à sala de aula e as competências desenvolvidas passam a apresentar características distintas. A formação extraclasse é certamente superior a outros momentos históricos, principalmente pela familiaridade com que utilizam equipamentos de qualquer natureza. Essas tecnologias são muito amigáveis para os jovens dessa geração. Mostram-se curiosos frente ao novo, mas também são seletivos em relação aos seus interesses. Observo um senso de praticidade bastante elevado: não querem “perder tempo” com os fundamentos das coisas, o que conduz a um senso de utilidade no que se refere à formação. Costuma-se ouvir muito em sala de aula: “como eu posso aplicar isso?” Ou seja, se não é passível de aplicação, não serve.

O trabalho não é mais o centro da vida

Parece que o trabalho também adquire novos contornos para essa geração. Ele é entendido como parte da vida e não como o centro da vida. A própria fidelidade a uma organização não é um valor cultuado por esses jovens, que se mostram muito atentos às oportunidades geradas no mercado. O trabalho também é meio de adquirir o que desejam, os recentes objetos de desejo, de consumo. Muitos se mostram extremamente conscientes da importância de se ligarem a organizações que os valorizem como sujeitos e que criem oportunidades de crescimento. Penso que a educação se tornou global e o trabalho também.
É importante salientar que não se trata de generalizar questões tão complexas como essas. Ainda penso que vale o que afirmou Castells  a respeito dos trabalhadores autoprogramáveis e os genéricos. Ou seja, as empresas demandaram muitos jovens talentosos capazes de gerar a necessária inovação que as conduzam a patamares diferenciados no competitivo mundo dos negócios, mas ainda demandaram muitos “trabalhadores genéricos”, que a qualquer momento podem ser substituídos por outros ou por máquinas.

IHU On-Line – Como os jovens da geração Y lidam com o saber?

Isamara Allegretti – Esse é um aspecto interessante nessa geração. Recentemente assisti a uma reportagem que mostrava uma jovem se divertindo ao contar que tentou ensinar a avó a lidar com o computador e relata as dificuldades apresentadas pela senhora com o manuseio da tecnologia. Ao final, diz a jovem: “Vó, vai cozinhar!”. Esse fato me faz pensar que há certa onipotência em relação ao saber, principalmente porque o saber está relacionado ao que essa geração valoriza e domina, ou seja, a tecnologia. É evidente que esse fato gera um problema para os modelos tradicionais de educação, em que o saber está centrado na figura dos pais, dos professores e também dos chefes. Por outro lado, espera-se que a sabedoria venha com o tempo, através da desconstrução dessas crenças de que necessitamos consolidar em determinados momentos da vida e que nos dão a ilusão de que estamos no controle da existência.

IHU On-Line – Como se dá a relação entre trabalho e tempo livre (pessoal) para a geração Y?

Isamara Allegretti – Esta geração parece não depositar todas as fichas da vida no trabalho. Mas a conquista de um espaço no mundo através do trabalho segue sendo um objetivo importante. Talvez a diferença esteja no fato de que a desobrigação da fidelidade à empresa coloque as rédeas da construção da carreira muito mais nas mãos desses jovens trabalhadores. Não é incomum verificar que, aos trinta anos, já houve muitas trocas de empregos. A busca por novas oportunidades e de uma melhor empregabilidade é condição permanente. Percebo que algumas empresas têm procurado desenvolver ambientes de trabalho que gerem a sensação de familiaridade, na busca de aumentar a satisfação dos trabalhadores nesses ambientes e, por decorrência, a produtividade. Isso tem funcionado em muitos casos, principalmente quando associado com desafios. E essa geração é movida a desafios. Por outro lado, também a tecnologia é bastante responsável pela invasão dos tempos de não trabalho.

IHU On-Line – Quais as principais novidades e contradições da geração Y?

Isamara Allegretti – Tem-se dito da geração Y que a grande novidade é que ela desenvolveu novas formas de conectividade com o mundo, possuindo a competência de estar conectada através de diversos estímulos concomitantes. Isso exige estudos que possibilitem uma melhor compreensão acerca dos processos cognitivos, pois a escola/universidade de hoje não avançou na mesma velocidade para acompanhar essa nova forma de ver o mundo. Talvez esteja se desenvolvendo outra racionalidade para a qual não tenhamos ainda as metodologias necessárias para fazer frente a estas outras demandas.
Quanto às contradições, não sei se chamaria assim. Parece-me que estamos vivendo outro momento; a vida é carregada de contradições. Estamos permanentemente buscando compreender como se produzem essas outras subjetividades, que aos olhos de quem está no mundo há mais tempo podem soar como contradições. Um exemplo que tem se apontado com relação aos Ys é que são, ao mesmo tempo, individualistas/competitivos e preocupados com questões ambientais, que são de uma ordem mais coletiva. Também é uma geração que tem acesso à informação como talvez nenhuma outra teve, ao mesmo tempo em que demonstram dificuldades em transformar essa informação para melhor compreender o mundo e a vida. Enquanto se mostra independente, carece de constante reconhecimento e feedback sobre suas ações. São contradições? Não sei... Talvez simplesmente a emergência de um novo padrão de comportamento social que ainda precisamos compreender.

Leia mais...

>> A IHU On-Line já publicou uma edição sobre a geração Y. Confira: 

* Cinco gerações contemporâneas. Uma descrição. Edição número 361, de 16-05-2011.

>> Isamara Allegretti já concedeu uma entrevista à IHU On-Line. Confira: 

* Terra fria, de Niki Caro. Publicada na edição número 218, de 07-05-2007.

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