Edição 372 | 05 Setembro 2011

Política econômica preventiva. “A redução da taxa Selic é positiva”

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patricia Fachin

“A tendência é que a crise econômica mundial se agrave porque todas as medidas de estímulo adotadas nos EUA e na Europa não renderam os resultados esperados”, constata o economista Amir Khair

As medidas de prevenção à crise econômica global anunciadas pelo governo federal brasileiro estão corretas e se contrapõem à tendência de estagnação econômica europeia e estadunidense. A redução da taxa Selic em 0,5% ao ano é positiva e sinaliza que os juros tendem a baixar no país. Se isso acontecer, “haverá uma grande economia das despesas do governo e, portanto, sobrarão recursos para investimento e desenvolvimento da área social, que é o que importa para gerar desenvolvimento de forma sustentada e socialmente justa”, avalia Khair. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista menciona que a principal despesa do governo federal nos últimos 15 anos é com os juros. De 1995 a 2010, eles representaram 7,4% do PIB. “O Brasil está jogando dinheiro fora com os juros. À medida que a Selic baixar, o país terá uma economia com a conta de juros fantástica”, assinala. Se a taxa de juros se manter em 12% ao ano até dezembro deste ano, o Brasil “vai atingir 60 bilhões de acréscimo da despesa com juros. Ora, 60 bilhões de acréscimo das despesas com juros equivale a todo o esforço que o governo fez no início do ano para cortar 50 bilhões do orçamento e aumentar, nesta semana, 10 bilhões do superávit primário”, aponta. Na entrevista a seguir, Khair também comenta o aumento de 10 bilhões do superávit primário para pagar a dívida pública e menciona que a elevação salarial prevista para o próximo ano poderá ser positiva para controlar a inflação.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). É consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A crise econômica internacional pode prejudicar o Brasil? A equipe econômica do governo está correta ao anunciar medidas de prevenção à crise?

Amir Khair – A crise econômica mundial está sendo sentido por muitos países, inclusive o Brasil. A tendência é que ela se agrave porque todas as medidas de estímulo adotadas nos EUA e na Europa não renderam os resultados esperados e essas economias estão se deteriorando cada vez mais. Toda vez que é publicada alguma informação sobre as perspectivas feitas pelos organismos internacionais em relação ao desempenho dessas economias, rebaixam-se as previsões de crescimento para a quase estagnação dos EUA e de alguns países da Europa. Essas economias, que hoje são as mais fortes, já estão afetando as economias de todo o mundo. Portanto, o Brasil age corretamente ao tentar se contrapor a essa tendência de estagnação e retração da economia mundial com medidas que vão na direção certa, entre elas, em relação à Selic, que é, por si só, uma anormalidade. Independentemente de a economia mundial estar bem ou mal, não faz o menor sentido o Brasil, há mais de 15 anos, ostentar a taxa de juros mais alta do mundo. Esse parece ser um país em que campeia o financismo, quer dizer, onde não há possibilidade de se dar mais valor à economia real do que à parte relativa da cobrança de juros extorsivos.

IHU On-Line – Então foi importante reduzir os juros em 0,5% ao ano nesse momento? Qual é o significado dessa redução? Ela pode gerar algum impacto para a inflação?

Amir Khair – A inflação, na minha avaliação, é independente da Selic. Não existe nenhum banco no mundo que trabalhe com a taxa de juros básica tão elevada. Se realmente a taxa de juros resolvesse o problema da inflação, o Brasil teria deflação. Para se ter uma ideia, na China a taxa de juros Selic é de 3% ao ano. A taxa média dos países emergentes equivale, aproximadamente, à inflação. Então, como a inflação está por volta de 5 a 6% nos países emergentes, as taxas de juros básicas que correspondem à Selic de 5 a 6%.
O Brasil, hoje, é destacado em relação à taxa de juros, a qual causa distorções na economia brasileira. A principal distorção é aquela que desestimula o investimento das empresas porque o empresário, ao ver uma taxa de juros tão alta, pensa o seguinte: “Será que vale a pena eu investir no meu negócio, com risco, ou, é preferível aplicar o dinheiro rendendo a uma taxa de juros tão boa, que me permita retirar a aplicação a qualquer momento?” Quer dizer, há um desestímulo ao investimento no Brasil, uma distorção no câmbio, que supervaloriza o real – hoje, comprar produtos no Brasil está mais caro do que comprar na Europa ou nos EUA. Isso impede que as contas públicas fiquem em ordem porque o governo fez uma economia de 3 ou 3,5% nas suas despesas e as taxas de juros cresceram, nos últimos sete meses deste ano em relação ao ano passado, 48,3% com juros, enquanto as despesas do governo sem os juros cresceram 11%. Isso mostra o estrago que as taxas de juros causam nas contas públicas do Brasil, fora o fato de que elas servem de atrativos para a vinda de capital especulativo externo. Essa é uma das questões que roubam dinheiro no Brasil, porque os investidores pegam dinheiro a uma taxa praticamente zero no mercado internacional e aplicam a 12% no Brasil.

IHU On-Line – O aumento do salário mínimo previsto para o próximo ano pode resolver o problema da inflação e aumentar o poder de compra das famílias?

Amir Khair – Sim, porque quando há elevação do salário mínimo, há crescimento econômico garantido, pois dá-se uma injeção de ânimo na economia: aumenta a produção, o consumo, as empresas investem mais e o governo passa a arrecadar mais. Há um engano na avaliação de vários economistas de consultorias no sentido de que, quando se eleva o salário mínimo, se tem uma despesa fiscal grande que vai perturbar as contas públicas. Isso não é verdade. Há realmente um adicional de despesas, mas, por outro lado, tem-se um adicional muito maior de arrecadação. Então, o resultado final, quando se aumenta o salário mínimo, é a melhora das contas do país. Com relação à inflação, a condução do processo inflacionário vem do exterior, através dos preços das commodities e dos alimentos. É possível controlar a inflação da economia interna através de medidas macropotenciais, que controlam a oferta de crédito e o custo do crédito, e não através da Selic. Essas são medidas adequadas porque possibilitam controlar o consumo agindo sob uma das “pernas” principais da evolução do consumo, que é o crédito e, na outra ponta, a massa salarial. Então, quando se consegue controlar a velocidade do crédito, tornando-a compatível com o crescimento da massa salarial, consegue-se controlar o consumo e, ao mesmo tempo, evitar a inadimplência das pessoas e das empresas.

IHU On-Line – O que significa o aumento de 10 bilhões no superávit primário deste ano? De acordo com o argumento do governo, esse recurso ajudará a organizar as contas públicas do país. É isso mesmo? O que muda em relação à dívida pública a partir dessa decisão?

Amir Khair – O governo está tendo um desempenho na sua arrecadação superior ao que se estimava. A elevação desses 10 bilhões tem uma composição que está ligada à melhora da atividade econômica, especialmente no início do ano; à maior eficácia na fiscalização, que está sempre crescendo em função das notas fiscais eletrônicas; e à redução da inadimplência na medida em que os contribuintes passam a recolher mais pontualmente as suas obrigações tributárias. Há também dois fatores importantes: a Vale perdeu na Justiça uma ação e transferiu 5,8 bilhões de recursos ao Tesouro Nacional; e a implementação do Programa de Recuperação Fiscal – Refis tem permitido que os devedores paguem suas dívidas a prazos mais longos. Essas ações fazem com que o governo tenha arrecadações extras bastante importantes. Então, em vez de gastar esses 10 bilhões, o governo utilizará o recurso para abater a dívida pública. Ao fazer isso, ele sinaliza ao mercado que está atento à questão da dívida. Da mesma forma, quando a Selic cai, também há a clara percepção de que a dívida do país começará a cair.

IHU On-Line – Por que, em sua opinião, o aumento da meta de superávit representa uma submissão do governo ao mercado financeiro?

Amir Khair – Quem sempre comandou o Banco Central foi o mercado financeiro. Quando o mercado não comanda o Banco Central, como aconteceu no dia 6 de dezembro do ano passado, ocasião em que o mercado queria elevar a Selic e o Banco Central interveio com medidas macropotenciais, houve uma “gritaria geral”, porque o mercado financeiro vive da Selic elevada; ela é uma das maiores fontes de lucro dos bancos. Quando o governo faz medidas macropotenciais e eleva o custo dos bancos, eles reclamam. Então, todos os economistas que criticam a queda dos juros têm alguma ligação com o mercado financeiro.
O mercado financeiro, que sempre comandou o Banco Central, agora está chateado e coloca a culpa no governo. Se houver alguma influência no Comitê de Política Monetária – Copom, prefiro que seja do governo que é responsável pela inflação e não do mercado financeiro.

IHU On-Line – Qual é a melhor maneira de administrar a dívida pública externa?

Amir Khair – A dívida pública externa já está bastante baixa, ela deve estar por volta de 70 a 80 bilhões de dólares e o Brasil tem uma reserva de aproximadamente 350 bilhões de dólares. Então, a dívida externa é muito baixa em relação à reserva e, portanto, não há motivo de preocupação. Ela vai cair naturalmente na medida em que o governo, tendo excedentes em dólares, vai poder abatê-la. Se o real depreciar perante o dólar, ou seja, em vez de o dólar valer R,60 e passar a valer R,00, por hipótese, a dívida vai cair fortemente no Brasil, porque o país tem mais crédito em dólar do que débito. Para as contas públicas, qualquer depreciação da moeda brasileira, que no passado gerava inflação, será positiva.

IHU On-Line – Especula-se que o governo programa desindexar a caderneta de poupança e atrelá-la à Selic. O que muda, na prática e quais as consequências disso para a economia real?

Amir Khair – Na realidade, a caderneta de poupança tem um piso, que é a remuneração de aproximadamente 6% ao ano, o que equivale a 0,5% ao mês. Quando se baixa a Selic, as outras aplicações a título do governo ficam inferiores à caderneta de poupança; então todo mundo iria aplicar em caderneta de poupança, criando um problema sério da administração da dívida pública. Na medida em que o governo tira este piso de aproximadamente 6%, permite que a caderneta de poupança acompanhe, de alguma forma, a Selic. Este é o objetivo. Então, o aplicador não sairá prejudicado: se a Selic crescer, ele terá uma remuneração maior; se ela baixar, também terá uma aplicação do dólar menor, com resultado menor. Mas esta decisão tem que passar pelo Congresso; é ele quem decide.

IHU On-Line – O governo pretende aprovar a criação de um fundo de pensão dos funcionários públicos; criar um limite para a evolução das despesas de custeio; e aprovar o projeto de lei que limita a expansão anual do gasto com salários do funcionalismo. Especula-se que esse aperto fiscal forte dará ao Brasil, nos próximos 10 anos, espaço para o desenvolvimento com recursos próprios. Como o senhor vê essa possibilidade? O Brasil tem condições de se livrar da dependência do capital externo e crescer com recursos próprios?

Amir Khair – O Brasil tem plena independência e condições para isso. A principal despesa que o governo tem, e que estranhamente não é citada na opinião dos jornais e noticiários, é em relação aos juros, que representaram, nos últimos 16 anos (1995 a 2010), 7,4% do PIB. Quer dizer, é uma conta que praticamente não existe em nenhum país do mundo, considerando que a média internacional é por volta de 1,8% do PIB. Então, o Brasil está jogando dinheiro fora com os juros. À medida que a Selic baixar – parece que finalmente isso vai acontecer –, o país terá uma economia com a conta de juros fantástica. Para se ter uma ideia, nos primeiros sete meses deste ano, as despesas do governo, sem incluir os juros, subiram 11% em valores nominais, sem retirar a inflação, e os juros subiram 48%. O Brasil gastou cerca de 35 bilhões de juros a mais neste ano em relação ao ano passado. Se a Selic continuar no nível de 12%, no final deste ano o país vai atingir 60 bilhões de acréscimo da despesa com juros. Ora, 60 bilhões de acréscimo das despesas com juros equivale a todo o esforço que o governo fez no início do ano para cortar 50 bilhões do orçamento e aumentar, nesta semana, 10 bilhões do superávit primário. Então, no futuro, o que acontecerá com as contas públicas se a Selic começar a caminhar para o nível internacional, que seria algo em torno de 6%? Haverá uma grande economia das despesas do governo e, portanto, sobrarão recursos para investimento e desenvolvimento da área social, que é o que importa para gerar desenvolvimento de forma sustentada e socialmente justa.

IHU On-Line – O projeto orçamentário do governo pretende expandir o gasto público acima do crescimento do PIB em 2012. Como o senhor vê essa questão?

Amir Khair – O governo faz o orçamento, mas nem sempre o executa da maneira prevista. Normalmente, faz-se um orçamento e, no início do ano, uma estimativa dos gastos, mas nem sempre as condições são aquelas previstas: o país pode começar a crescer, pode ser que a inflação suba ou desça, o câmbio pode se modificar, etc. O fato é que o governo reestima a arrecadação dele, e se esta arrecadação for inferior ao que foi previsto no orçamento, ele faz o contingenciamento, ou seja, segura a despesa e não autoriza gastos para poder adequar as despesas à nova receita prevista. Quem pilota o orçamento é o Ministério do Planejamento e, portanto, ele tem a faca e o queijo na mão para regular o orçamento. Neste ano, o Ministério está demonstrando que consegue conter as despesas em um nível inferior ao crescimento do PIB. Consequentemente, ele está dando uma demonstração de competência da gestão do orçamento. Não tenho a menor sombra de dúvida de que em 2012 o governo terá um desempenho fiscal surpreendente, o que vai contestar as análises precipitadas do mercado financeiro, que está tentando colocar um terrorismo. Isso faz parte do jogo político do mercado financeiro, que atua não apenas contra o governo de forma geral, mas contra a sociedade.

IHU On-Line – Como vê a polêmica em torno da emenda 29?

Amir Khair – A emenda constitucional número 29 quer garantir mais recursos para a saúde, isto vale tanto para estados, municípios, quanto para a União. Na realidade, na União haveria um crescimento da ordem de 35 bilhões a mais de despesas com a saúde. O que a presidente quer é que este valor venha através de alguma forma de receita adicional, porque a própria lei de responsabilidade fiscal torna isso obrigatório. Se há uma situação na qual há um aumento inesperado de despesas, é preciso ter receita correspondente. Portanto, Dilma quer que haja outros tipos de tributação, especialmente sobre o cigarro, sobre bebidas alcoólicas. Existe uma série de alternativas que podem ser utilizadas pelo governo e aprovadas pelo Congresso para efeito de se compensar esta elevação de cerca de 35 bilhões do orçamento do governo federal.

IHU On-Line – O Plano Brasil Maior pode ser visto como uma política industrial eficiente?

Amir Khair – Ele irá ajudar e trará estímulos para a indústria. Entretanto, ele não é suficiente para colocar a indústria em pé de igualdade na competição com os produtos externos. Na realidade, o Brasil precisa ter um câmbio melhor: em vez de 1,60, algo mais próximo a 1,80. Só assim será possível oferecer condição para as empresas competirem com as empresas de fora.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição