Edição 370 | 22 Agosto 2011

De apocalípticos a proféticos: a metanoia necessária diante da Criação

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Moisés Sbardelotto

É necessária uma “mudança de paradigma” diante da crise ambiental: uma revisão de ideias, hábitos e práticas rumo a uma nova organização coletiva. A perspectiva profética abre mais fortemente a possibilidade de esperança, defende o teólogo Haroldo Reimer

“Defender a Criação”, como afirma o tema do Mutirão Ecumênico deste ano, “é um propósito nobre e necessário em face do exercício do amor e da solidariedade cristã”. Na opinião do teólogo luterano Haroldo Reimer, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, dificilmente existe a chance de salvar a Criação por parte dos seres humanos. “Podemos, sim, assumir uma posição de defesa, que implica em intervir nas discussões públicas com ações afirmativas e propositivas”, explica.

Em vez de uma postura apocalíptica, o teólogo defende uma leitura “em perspectiva profética”: “Há uma crise no horizonte, já em processo acelerado de execução. Mas ainda pode haver tempo para promover ações capazes de frear o processo. A isso poderíamos dar o nome religioso de “conversão”, ou até usar o termo grego metánoia”, ou seja, uma “mudança de paradigma” e axiológica, defende. É preciso compreender que “somos parte de um todo. Nós humanos somos um subsistema dentro de um sistema maior. A organização do todo não existe em função dos humanos”, defende. Nesse sentido, “as contribuições de Francisco de Assis  devem ser um patrimônio comum às igrejas. Considerar o planeta como uma grande casa é um elemento valioso da mística”, diz.

Haroldo Reimer é teólogo luterano, doutor em Teologia pela Kirchliche Hochschule Bethel, da Alemanha, e pós-doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É também professor titular no Departamento de Filosofia e Teologia da PUC Goiás e professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG. É autor, dentre outros, de Toda a Criação (Oikos Editora, 2006), Gênesis – casa comum: espaço da vida, cuidado e felicidade (Cebi, 2007) e Bíblia e ecologia (Reflexão, 2010).

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Como podemos compreender o significado do ecumenismo hoje? De Babel a Pentecostes, que fundamentos bíblicos podemos encontrar para a busca da “unidade na diversidade” cristã?

Haroldo Reimer –
Em termos bíblicos, Babel é indicativo para um projeto de domínio. É um texto com fortes traços míticos. “Façamos grande o nosso nome”, afirma-se no texto de Gênesis 11. A língua e o poder militar vinculados à torre de controle das cidades, vinculados à estrutural imperial mesopotâmica, expressam anseios de dominação cultural e militar. O texto bíblico, em Gênesis 11, propõe o desmantelamento das estruturas de dominação, sinalizando positivamente para a diversidade de línguas e culturas, sem um centro de dominação. As pessoas e os povos poderiam ou deveriam viver na dispersão no mundo habitado, na legitimidade e dignidade de sua própria codificação simbólica, a que chamamos de cultura, incluindo a cultura religiosa.

O evento de Pentecostes, narrado em Atos 2, afirma fundamentalmente que cada um pôde entender na sua própria língua. Não se fala da necessidade ou existência de uma língua universal; ressalta-se o entendimento do evangelho dentro do código próprio da língua e da cultura de cada grupo, em toda sua diversidade. Não há aí, pois, um projeto de poder ou de dominação. Na recepção do texto, contudo, tal lógica de dominação acabou sendo imposta quando a igreja se amoldou grandemente à estrutura de dominação do império romano.

A exclusividade e o monopólio da verdade cristã foram tônicas no discurso de vários dos “pais da igreja”, grandes teólogos, mas cuja recepção e influência se encontram em momentos de transição e estruturação de uma lógica de poder que perdurou por séculos e séculos, claro com variantes e em face de constantes desafios, também de ordem militar, como, por exemplo, o avanço islâmico a partir do século VIII. A Reforma Protestante, assumindo impulsos reformistas anteriores, rompeu com esta estrutura monolítica da relação da igreja com o império, sem, contudo, necessariamente romper com a relação Igreja/Estado. O conflito da ruptura simultaneamente demandou os esforços por aproximação e reconciliação. Os “espíritos ecumênicos” sempre tiveram clareza de que o ponto principal de aproximação entre os grupos eclesiais distintos é a fidelidade ao Evangelho. Esta fidelidade, contudo, não significa nenhuma forma de uniformização. A expressão “para que todos sejam um”, em João 17, indicativa do propósito da unidade, não significa uniformidade, mas fidelidade ao núcleo central: o exercício do amor a Deus e ao próximo.


IHU On-Line – Em nível mundial, como o senhor analisa a caminhada ecumênica até hoje? Que avanços ocorreram e que pontos ainda precisam ser mais trabalhados? Em sua opinião, qual o papel da igreja luterana nesse contexto?

Haroldo Reimer –
A pergunta até extrapola a minha competência. Tenho participado do movimento ecumênico, mas não sou um especialista no assunto. Outros o são. Tenho percebido que a movimento ecumênico conseguiu colocar importantes pontos na agenda de discussões, que tem a ver com questões da comunidade global. Especialmente o Conselho Mundial de Igrejas, por meio de várias iniciativas, conseguiu promover a discussão das questões ecológicas. Houve e há sintonia com esforços no âmbito da Organização das Nações Unidas. Aí houve avanços. Ideias puderam ser disseminadas e fertilizadas, ajudando a dar passos rumos a uma mudança de paradigma.

Mas parece haver certos entraves no movimento que derivam da força conservadora das grandes tradições religiosas no Ocidente. Aí afloram problemas históricos com questões de gênero. No seio das igrejas, a ordenação de mulheres pode ser mencionada como exemplo. No contexto da sociedade em geral, é forte a discussão sobre os direitos reprodutivos. As igrejas têm um patrimônio simbólico a ser preservado e transmitido às gerações presentes e futuras. Este patrimônio não pode ser enterrado, mas deve ser colocado em circulação e enriquecido com novos elementos.

A igreja luterana tem sido um espaço ecumênico. No Brasil, ela atuou de forma propositiva para a constituição do movimento ecumênico formal. Grandes lideranças ecumênicas foram forjadas no seio da comunidade luterana, por vezes até em divergência com setores internos mais resistentes ou conservadores. Com um espírito ecumênico, ela se nega a participar da acirrada disputa “por almas”. Nisso se expressa a convicção de que Deus, como princípio criador e redentor, não está limitado a determinada confissão religiosa e nem se substancia em determinada estrutura religiosa, como foi expresso há anos atrás por documento controverso emanado do espaço católico-romano oficial. Mesmo com retrocessos como a proposta do ensino religioso confessional, a igreja luterana tem mantido a sua abertura para o diálogo e a caminhada ecumênica. Isso expressa confiança e maturidade, sendo fruto de uma espiritualidade cultivada em meio a adversidades.


IHU On-Line – A temática do Mutirão é “Unidos em Cristo na defesa da Criação”. Para o senhor, o que significa “defender a Criação”? E como a “unidade em Cristo” inspira e estimula essa defesa?

Haroldo Reimer –
Os sinais de desajustes ecossistêmicos “na Criação” são evidentes. A cada dia se tornam mais patentes. Por um lado, a natureza tem seu ritmo próprio, muitas vezes surda e indiferente às agruras ou sofrimentos humanos. Grandes catástrofes como terremotos, tsunamis ou deslizamentos são exemplos para isso. Por outro lado, há desajustes que se devem claramente à ação humana sobre o ambiente. A poluição do ar, das águas e do solo é decorrência direta da intervenção das pessoas no espaço. O desmatamento de grandes áreas e a ocupação desenfreada e desmedida de espaços é outro exemplo. A lógica consumista, sem consciência dos impactos no ambiente, atrelada à ganância por lucros de, infelizmente, ainda muitos segmentos do universo capitalista acelera as intervenções nefastas. Os índices em geral mostram que, quando há um aumento na produção, há aumento do avanço sobre os recursos naturais. Em jogo estão duas questões que se conjugam, mas que deveriam receber tratamento diferenciado: a necessidade de acesso aos recursos naturais para possibilitar vida digna para milhões de pessoas e a voracidade consumista-capitalista desenfreada. O ambiente e, nele, as pessoas pobres são os segmentos mais ameaçados.

“Defender a Criação” é um propósito nobre e necessário em face do exercício do amor e da solidariedade cristã. Trata-se uma declaração de defesa da vida de milhões de pessoas pobres que estão alijadas do acesso aos bens naturais para suprir sua vida em dignidade. Simultaneamente, trata-se de uma declaração de defesa da integridade do ambiente como um todo. Há nomes distintos que podemos usar para nos referir ao espaço ou mundo que habitamos: criação, natureza, ambiente. Colocar esta defesa da Criação sob o lema da “unidade em Cristo” remete para a identidade ou aos objetivos dos proponentes; são pessoas cristãs que querem abraçar esta causa. Numa rede muito maior de iniciativas em prol do ambiente ou da Criação, há um grupo com identidade cristã que dá ou visibiliza a sua contribuição. Isso é bom e deve ser bem-vindo.

Mas a proposta deve ser tratada com ufanismo. É louvável que na formulação temática não apareça a expressão “salvar a criação”, como foi o caso em outros momentos. Para nós humanos, dificilmente existe a chance de salvá-la. Podemos, sim, assumir uma posição de defesa, que implica em intervir nas discussões públicas com ações afirmativas e propositivas. Estas, preferencialmente, deveriam vir acompanhadas com práticas efetivas, condizentes com as respectivas propostas. Quando a igreja propõe, ela mesma deveria ser o campo experimental da ação, no sentido de fomentar a credibilidade da proposta. E há entre as igrejas, especialmente aquelas envolvidas na proposta ecumênica, muitas iniciativas boas e louváveis.


IHU On-Line – Quando se fala em Criação, logo se remete aos dois relatos do Gênesis. A que contexto social e histórico esses relatos buscam responder? E que Deus e que ser humano eles nos revelam? O que é necessário reforçar ou revisar desses relatos diante do contexto contemporâneo?

Haroldo Reimer –
As páginas iniciais da Bíblia expressam a perspectiva judaico-cristã acerca das origens do mundo habitado. Apesar de sua ampla aceitação e domínio sobre o imaginário ocidental, enquanto textos sagrados oficiais, estes relatos iniciais da Bíblia são uma expressão de fé entre muitas outras. Muitos povos ao redor da Terra procuraram responder à pergunta pela origem do mundo habitado e das pessoas, produzindo narrativas a respeito. Hoje, mais de 200 relatos da criação estão catalogadas, revelando uma riqueza e uma diversidade cultural enormes.

Os dois relatos da Criação em Gn 1 a 3, no texto atual formatados como relato contínuo, remetem ao intento de segmentos do povo hebreu de construir uma narrativa capaz de responder às perguntas pela sua origem última. A resposta, em forma de narrativa, normativa e mítica, é dada a partir da perspectiva da fé monoteísta. Dizer que Deus, em particular o Deus dos hebreus, Yahweh, está na origem de todas as coisas é um confissão de fé, que busca ser afirmada como uma fé-doutrina. A emergência destes relatos brota, por um lado, da própria necessidade – interna – de um povo de construir uma narrativa sobre a sua origem.

Por outro lado, o momento histórico do exílio e do pós-exílio de amplos segmentos do povo judeu, durante o século 6 a.C., favoreceu a formatação destas narrativas. No contexto de chamada tolerância dos persas, que dominaram a Palestina no século VI e V a.C., a reorganização de povos subjugados era permitida e fomentada. Assim, os hebreus tiveram um impulso externo para formatar seu relato de origem. Este relato deveria contribuir sensivelmente para outorgar identidade a um povo em fase de reorganização.

O relato de Gênesis 1 a 3 expressa a imagem de um Deus vinculado com o espaço criador, a Criação. Criação pode ser entendida aí como um ato ordenador a fim de possibilitar um espaço para a vida em conjunto num lugar. Deus é o criador e também o mantenedor da Criação. A mim alguns detalhes chamam a atenção no texto. A Criação é considerada como sendo “boa”. Mesmo antes da criação dos humanos, cada elo da Criação tem seu valor próprio, independente de sua funcionalidade em relação ao homem. A ordenação do “dominar em subjugar”, em Gênesis 1,28, deve ser suplantada, em termos interpretativos, pela ordenação de “cultivar e guardar”, em Gênesis 2,7. A “ordem” da criação está construída numa ordenação do tempo. Há tempo para trabalho e um tempo para pausa. O tradicional shabat significa interromper a atividade laboriosa e usufruir do descanso. Deus assim o fez; pessoas, numa espécie de imitatio dei, podem fazer o mesmo. Transparece no texto a imagem de um Deus que está vinculado com a Criação. Deus é coabitante da criação e quer dividir com os demais a responsabilidade da manutenção desta complexa criação.


IHU On-Line – O lema do Mutirão deste ano é o versículo de Romanos 8, 19: “A criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus”. Qual o contexto e o significado mais profundo dessa afirmação de Paulo aos cristãos de Roma? Como podemos compreendê-la hoje, diante da chamada crise ecológica?

Haroldo Reimer –
Para mim, esta frase da carta de Paulo aos romanos é expressão de um pensamento apocalíptico. O autor antevê o final dos tempos; prevê um tempo de tribulações antes do tempo final. Os gemidos da Criação, os sofrimentos antes da virada do éon, do tempo, são característicos de textos apocalípticos. Paulo comunga aí de um gênero literário e de certo jeito de pensar. Em meios aos sofrimentos vindouros ou em andamento, a pessoa justa é recomendada ao exercício da solidariedade, à fidelidade, a fim de alcançar o ‘galardão’ da recompensa na vida no novo tempo. Esta postura, contudo, não tem a eficácia de reverter a virada em processo, antevista pelo apocalíptico.

Hoje, não necessariamente precisamos ser adeptos de um modo de pensar apocalíptico. Porque esse jeito de pensar impede a espera por reformas antes da catástrofe. Como leitores e leitoras do texto, nós somos antes compelidos a fazer uma releitura, que é um artifício próprio de mecanismos de recepção de textos sagrados. Diante da chamada crise ambiental, com suas multifacetárias manifestações, é preferível cultivar uma perspectiva da situação com abertura para mudanças ou intervenções transformadoras. A natureza tem seu ritmo próprio, com crises em momentos distintos da história natural. Isso há de continuar. Contudo, há décadas, ou talvez alguns séculos, os humanos, como comunidade planetária, construíram um modo de organização com interferências exacerbadas, danosas e até nefastas ao ambiente, com capacidade acumulada para colocar o próprio planeta em risco. Há cientistas que falam até que, mundialmente, já estaríamos numa nova era geológica, o chamado “antropoceno”, justamente marcado pela dominância dos humanos como comunidade global. Os humanos se tornaram uma ameaça ao ambiente natural, uma ameaça progressiva para a saúde do planeta!

Diante desta constatação, é preferível ler o texto em questão sob a perspectiva profética, no seguinte sentido: há uma crise no horizonte, já em processo acelerado de execução. Mas ainda pode haver tempo para promover ações capazes de frear o processo, talvez não com resultados imediatos, mas em perspectiva de longo prazo. A isso poderíamos dar o nome religioso de “conversão”, ou até usar o termo grego metánoia. Numa linguagem mais acadêmica ou científica, falamos de “mudança de paradigma”: um conjunto de ideias, hábitos e práticas necessita passar por revisão rumo a uma nova organização coletiva. Não se pode mais privilegiar somente um subsistema dentro do sistema global. Tradicionalmente, tem-se privilegiado o subsistema econômico em detrimento do ecossistema maior ou global.

A perspectiva profética abre mais fortemente para a possibilidade de esperança. Ainda é possível esperar pela reversão de um processo acelerado de conversão. Neste sentido, a ardente expectativa de criação é a da revelação mais plena do ser humano. Essa amplitude de perspectiva ou visão alargada tem a ver com uma espiritualidade holística ou integral. O conjunto das relações deve ser pensado, avaliado e redirecionado com vistas às perspectivas de paz, de bem-estar ou de justiça no horizonte da história. O humano passa a desenvolver um novo tipo de relação com os elementos fenomênicos do ambiente. Projetam-se novos valores, símbolos, sobre os elementos da natureza. Trata-se de uma mudança axiológica, que é alvissareira, podendo atingir um momento quântico de expansão e aceitação.


IHU On-Line – Em sua opinião, há visões antropológicas ou cosmológicas que as igrejas precisam mudar para que se dê novo valor ao ecumenismo e à ecologia?

Haroldo Reimer –
O movimento ecumênico é ou deveria ser aquele movimento que cultiva fortemente a noção de que, como humanos, habitamos o grande ecúmeno, o planeta Terra. As aproximações físicas serão cada vez mais intensas. Praticamente não existem mais novas fronteiras de colonização no planeta. A diversidade cultural, apesar das tendências para sua homogeneização, é e continuará a ser uma realidade. É preciso construir aproximações para além da proximidade física irrefreável, salvo em condomínios fechados, privados.

Como humanos, somos seres ligados à história e ao destino do planeta. Isso me parece ser uma dimensão a ser ressaltada. Irremediavelmente, com a globalização passamos a ter um destino comum. Somos parte de um todo. Nós humanos somos um subsistema dentro de um sistema maior. A organização do todo não existe em função dos humanos! Essa percepção tem a ver com a superação do tradicional e ainda influente esquema do chamado dualismo ocidental, segundo o qual a dimensão corporal recebe menos importância. Ao padecer o corpo – da pessoa e da terra –, padece o todo.
Para as igrejas, é importante dar-se conta de que a questão ecológica não é um modismo passageiro. É o tema do século ou talvez dos séculos seguintes. As mudanças climáticas terão efeitos duradouros sobre vida, esperança e sofrimento das pessoas. Talvez os desajustes ambientais venham a provocar mais sofrimentos que todas as guerras juntas. Aí, comunitária e coletivamente, mas passando pela consciência individual, há de se criar novas práticas, novos jeitos de pensar e agir.


IHU On-Line – Em sua opinião, quais são as principais contribuições da teologia e da mística cristãs para a “defesa da Criação”, como sugere o tema do Mutirão Ecumênico?

Haroldo Reimer –
A teologia e a mística cristãs têm uma contribuição importante a dar. Mas esta contribuição é uma entre muitas. Primeiramente, sempre deve haver o reconhecimento de que a igreja comungou, em boa medida, do espírito moderno, do capitalismo voraz em relação aos recursos da Criação. Isso vale em especial para as igrejas protestantes, mas não só. Reconhecido o pecado, pode-se obter a justificação para o novo agir. Simultaneamente, porém, podem-se e devem-se receber, manter e transmitir as contribuições importantes em termos de espiritualidade ecológica surgidas ao longo dos tempos.

As contribuições de Francisco de Assis devem ser patrimônio comum às igrejas. Considerar o planeta como uma grande casa é um elemento valioso da mística. Importa reconhecer e cultivar a ideia de que a casa é o espaço fundamental de vida e que deve ser preservada, cuidada. Creio que as tradições sabáticas elaboradas nos textos da Bíblia constituem outro elemento valioso. A partir de uma perspectiva de fé, a vida não se constitui e não se consuma na incessante atividade laborativa. O trabalho é parte integrante da dignidade humana, mas não pode ser seu objetivo e fim último.

O descanso e o ócio são igualmente constitutivos para a dignidade da pessoa humana. Isso deveria ser afirmado como mais ênfase em face de desenvolvimentos globais com tendência a redução de jornadas de trabalho em decorrência de racionalizações das atividades produtivas. O valho ranço teológico dualista deveria ser superado em prol destas perspectivas da Criação como uma grande embora complexa unidade. E o indivíduo, com suas percepções individuais, passa a ser valorizado como elemento a partir do qual começa a se operar um “caminho mental”; o ponto de mutação passa pelo indivíduo; sua multiplicação pode atingir um estágio quântico, gerando efetiva mudança de paradigma. As igrejas podem contribuir para isso; têm capital simbólico acumulado para esta empreitada. Com o que se estarão dando passos efetivos e realizando ações efetivas de “defesa da criação”.


Leia mais...

Haroldo Reimer
já concedeu outra entrevista à IHU On-Line

A terra, os pobres, os animais: uma visão ecológica da vida. Edição 346, de 04-10-2010 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição