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Moisés Sbardelotto
No dia 13 de maio passado, a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, subordinada à Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, divulgou a instrução Universae Ecclesiae, contendo normas de aplicação da Carta Apostólica Motu Proprio Summorum Pontificum de Bento XVI, publicada em julho de 2007.
Com o motu proprio (ou seja, um decreto papal) que entrou em vigor em setembro daquele ano, o Papa Ratzinger promulgou "uma lei para a Igreja universal" para regular o uso da liturgia romana anterior à reforma realizada em 1970, no Concílio Vaticano II. Assim, além de celebrar a missa com o Missal Romano contemporâneo, os “diversos fiéis” " – segundo a Instrução – que, "tendo sido formados no espírito das formas litúrgicas precedentes ao Concílio Vaticano II teriam a “faculdade” de assistir a missas celebradas conforme o Missal de Pio V, do século XVI, publicado em 1570, logo após o Concílio de Trento, no contexto da Contrarreforma. De acordo com a instrução, o “ardente desejo” desses fiéis é o de “conservar a antiga tradição”.
A sua versão atualizada pelo Vaticano II introduziu modificações como o uso da língua vernácula de cada local, a simplificação dos ritos e o altar separado da parede, em que o padre celebra voltado para o povo. Já o Missal de Pio V prescreve que a missa seja rezada em latim, com o sacerdote versus Deum (voltado para Deus, de costas para os fiéis), com um rito muito mais rebuscado e repleto de rubricas. Este missal “mais antigo” reafirmava à época dois pontos-chave para o contexto de divisão com os protestantes: a presença real de Cristo na Eucaristia e a natureza sacrificial da Missa. Além disso, reunia os diversos ritos litúrgicos da Igreja de então sob um mesmo missal.
Ao longo da história, a chamada "missa tridentina" (de Trento) sofreu poucas alterações, sendo que a mais recente ocorreu em 1962, com João XXIII, que publicou um novo código das rubricas do Cânon Romano, incluindo, na oração eucarística, uma referência ao nome de São José e eliminando a invectiva contra os "pérfidos judeus". Na bula que acompanhava o novo missal, João XXIII já fazia referência ao Concílio Vaticano II , então já convocado, que deveria propor os grandes princípios da reforma da liturgia.
Foi João Paulo II, em 1984, que concedeu a faculdade de retomar, sob certas condições, o uso do Missal Romano pré-conciliar. Quatro anos depois, Wojtyla publicou um motu proprio que exortava os bispos a serem "generosos" ao permitir o usus antiquior do Rito Romano. Com a atual autorização oficial de Bento XVI, explicitada e reformulada na nova instrução, fica definido que “os textos do Missal Romano do Papa Paulo VI e daquele que remonta à última edição do Papa João XXIII são duas formas da Liturgia Romana, definidas respectivamente 'ordinária' e 'extraordinária'”: ou seja, dois usos do mesmo Rito Romano, um da Idade Média e outro da Idade Moderna. Segundo a instrução, “ambas as formas são expressões da mesma lex orandi da Igreja”. Porém, “pelo seu uso venerável e antigo a forma extraordinária deve ser conservada em devida honra”.
As entrevistas que seguem buscam analisar essa instrução com maior profundidade, a partir de alguns pontos litúrgicos e teológicos centrais que poderão afetar a vida das comunidades a partir de agora.