Edição 363 | 30 Mai 2011

A direita financeira midiática e os limites da democracia

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Bruno Lima Rocha

É comum assistirmos a comentaristas econômicos de veículos com grande audiência e penetração tomar como critério de verdade a editorias e matérias publicadas em fontes especializadas em escala global.

Estes jornais, portais e revistas, produzidos em suporte eletrônico e impresso, escritos em inglês (como língua franca da globalização capitalista até o momento), teriam o poder de influenciar formadores de opinião em países emergentes como o Brasil, ou em decadência como Espanha e Portugal. O que é pouco ou nada difundido, por ser premissa oculta, é o fator fundamental do posicionamento político-ideológico destes veículos, pois não existe comunicação social sem posição e opinião e as bases de pensamento por eles defendidas. É óbvio que me refiro a publicações como The Wall Street Journal, Financial Times e The Economist, sendo o último o de maior influência do presente. Tais veículos professam abertamente as bases da chamada direita financeira. O problema é que no Brasil quase ninguém fala disso. E por que será?

Dentro do panorama político, circulando no universo das ideias de representação da sociedade em termos de distribuição, controle, alocação, circulação e usufruto de recursos e poder, um setor ideológico está na berlinda e por isso mesmo parte para o ataque. Após a mega estafa em escala global, cuja bolha imobiliária, o esquema de venda de títulos podres e ativos tóxicos sem lastro ou valor real (chamados de derivativos) e a noção geral de que a autorregulação dos mercados não passa de um mito neoliberal, aqueles que os adeptos da teoria crítica chamam de direita financeira passam a buscar uma base argumentativa de defesa.

Esta direita financeira encontra-se sob diversas formas e manifestações. Em geral, porém, pode ser localizada em um exemplo de teoria das portas giratórias, onde atores-chave circulam pelos agentes econômicos do sistema financeiro (bancos de investimento, de crédito, corretoras, agências de “análise de risco”), postos fundamentais no Estado (na autoridade monetária e em ministérios como Fazenda e Planejamento) e também nos meios de produção de bens simbólicos, a exemplo de universidades e veículos formadores de opinião. Essa gente, quando fala, influencia. Alguns meios com influência em escala global costumam ser citados como se portadores de alguma verdade de tipo científico, ou razão a ponto de serem tomados como fontes fidedignas num momento de, por exemplo, sacar alguma resolução de política econômica nacional.

Em termos de posicionamento, a chamada credibilidade e o suposto rigor metodológico destes veículos formam um discurso ficcional. Crer nos editoriais do Wall Street Journal ou nas matérias de fôlego do The Economist é um posicionamento político. Sua suposta precisão ao expressar “as regras da economia” é tão factível como a fictícia ideia de “isenção” das agências de análise de risco, a exemplo da Standard & Poors ou a Moody’s. Em termos de política, seria algo tão recomendado para a prestação de assessoria econômica para um Estado assim como ocorreu na Grécia e sua visceral e trágica relação com a Goldman Sachs, cuja resultante é uma rebelião popular e greves gerais em sequência.


Dois fatores a serem ocultados: a democracia e a conta

Reza o receituário do capitalismo de que não existe almoço grátis. Também é igualmente verdade o triste fato de que quase sempre os que pagam a conta mal entendem porque estão pagando. Quando as versões da suposta crise econômica e do rombo financeiro dentro das incontroláveis finanças dos principais bancos europeus são traduzidas como simples aumento do déficit público e incapacidade do cumprimento dos acordos impostos pela Comissão Econômica Europeia, o que os principais veículos de difusão da direita financeira estão fazendo é simplesmente ocultar a relação principal de causa e efeito. Nesse bojo, dedicam laudas sem fim a respeito do problema dos gastos públicos e ao Estado de bem-estar social.

Quando estas mensagens chegam aos países latinos, os intérpretes daqui fazem mimetismo com suas matrizes de pensamento e atribuem o volume do déficit ao tamanho do Estado e sua “incapacidade de autogerenciamento”. Tal absurdo é repetido centenas de vezes ao analisar-se o ocaso do Estado português – a cumprir planos de metas do FMI tal como o Brasil o fazia na década de 1980 – ou o desemprego altíssimo na Espanha atual. O que estes supostos especialistas e suas fontes de origem nunca dizem é simplesmente o óbvio. O Estado opera como pagador de última instância das grandes corporações, sobretaxando a população em carga tributária e retirada de direitos, financiando com recursos coletivos os agentes econômicos privados.

Foi isto o que causou a quebra da capacidade de investimento e mesmo de financiar a máquina pública em países como Irlanda, Islândia, Grécia, Portugal e Espanha e este é o risco real que corre a sobrevivência da Zona Euro. Ao impor os acordos de salvação, a Comissão Econômica Europeia e o FMI estão é retirando direitos e comprometendo a soberania de eleitores e cidadãos destes países, uma vez que suas vontades, já muito pouco respeitadas após as eleições, passam a ser totalmente ignoradas.

O mando do povo e o exercício de sua soberana de decisão, ou seja, a democracia em qualquer escala, sempre vai ser um entrave a livre circulação do capital em geral e do financeiro em particular. É por isso que os veículos que defendem a direita financeira têm de ocultar as relações de causa e efeito e plantar cortinas de fumaça sobre os fatos reais. A conclusão é: se tudo o que é sólido evapora no ar, é porque alguns fazem esta riqueza desaparecer e outros tantos fazem isso parecer algo “natural”.

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