Edição 361 | 16 Mai 2011

A busca espiritual da juventude

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Patricia Fachin

Os Ys têm mais liberdade para conhecer diferentes sistemas religiosos, por isso, a tendência desta geração, segundo Solange Rodrigues, é o trânsito em diversas alternativas religiosas num curto espaço de tempo

A internet é a principal ferramenta utilizada pela geração Y e a “proximidade com a tecnologia é uma das marcas geracionais dos jovens de hoje”, aponta Solange Rodrigues, em entrevista à IHU On-Line, por e-mail. Segundo ela, através da rede, a juventude estabelece “identidades pessoais e sociais”, de tal modo que todos sentem necessidade de acessar sítios de relacionamentos como Orkut ou estar conectados ao MSN para serem reconhecidos como sujeitos.

No que tange à opção religiosa, os jovens se definem como “buscadores do sagrado” e, nesta perspectiva, o acesso à rede acaba sendo um meio para juventude exercitar a fé e o autoconhecimento. “No seu relacionamento com a dimensão do sagrado, na busca de sentido para a vida, as tecnologias de informação comunicação entram como mais um elemento acionado pelos jovens, que recorrem à internet para pesquisar e para se comunicar, para formar comunidades também em torno de identidades religiosas”, destaca, em entrevista concedida por e-mail.
Solange é mestre em Sociologia, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente é pesquisadora do Iser Assessoria. Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que relação os jovens da chamada geração Y mantêm com a religião e que valor dão à religiosidade? Quais são as crenças e práticas religiosas da juventude contemporânea?

Solange Rodrigues - Jovens estão imersos na dinâmica da vida social, não formam um mundo à parte. Suas crenças e práticas religiosas são as mesmas que as da população em geral. O que pesquisas recentes têm demonstrado é que, no atual contexto de pluralismo religioso, alguns processos e tendências relativas à religião, presentes na contemporaneidade, tornam-se mais intensos entre os jovens: o trânsito entre diversas alternativas religiosas em curto espaço de tempo; o peso da consciência individual na adesão religiosa, se comparado ao da tradição familiar; o crescimento do contingente daqueles que se declaram sem religião. Note-se que declarar-se “sem religião” não significa ser destituído de uma vivência do sagrado. De acordo com pesquisas realizadas na década de 2000, jovens que não estavam vinculados a nenhuma religião declararam possuir uma gama enorme de crenças (em Deus ou deuses, nos orixás, em duendes, em cristais, na natureza, numa força superior, na Bíblia, em espíritos, etc.). São estes que a pesquisadora Regina Novaes  tem denominado de “religiosos sem religião”. Esse processo de desinstitucionalização - ou seja, a vivência da experiência do sagrado, do mistério, sem vínculo com uma religião instituída, é um pouco mais frequente entre os jovens. É preciso assinalar, no entanto, que uma parcela dos jovens também está engajada em diversas organizações religiosas. Assim, nesta geração há aqueles que se mantêm vinculados a uma determinada religião, aqueles que transitam entre as opções presentes no campo religioso, aqueles que vivem uma espiritualidade independentemente de aderir a esta ou aquela religião, e também aqueles que se declaram ateus ou agnósticos.

Portanto, não há um único padrão de relacionamento da juventude com a religião na atualidade. Há uma série de desigualdades (socioeconômicas, regionais, de acesso à educação, trabalho e bens culturais...) e de diferenças (de gênero, de cor/etnia, orientação sexual, de adesão política...) que atravessam a juventude contemporânea, e constituem diferentes identidades juvenis. Tanto que já se tornou corrente falar na existência de juventudes, isto é, no plural. Também no que se refere à religião, os jovens se diferenciam: tanto na escolha entre as alternativas presentes no campo religioso como na forma de adesão – mais tênue ou mais intensa.

Experiência particular

No entanto, para além das diferenças, os jovens de hoje compartilham de uma “experiência geracional comum”, constituída pelas incertezas relativas ao ingresso e permanência no mundo do trabalho, em profunda transformação; pela convivência cotidiana com diversas formas de violência; pelas possibilidades descortinadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação; pela ameaça da crise ecológica. Trata-se de um contexto comum, que afeta de modo diferenciado cada jovem, dependendo das desigualdades e diferenças citadas anteriormente, e das trajetórias biográficas. Assim, a dificuldade de encontrar trabalho pode significar para jovens que contam com uma rede de proteção familiar a oportunidade de complementar os estudos; para outros, esta situação pode colocar em risco sua sobrevivência e a de sua família.
E isso é importante para relativizar a tendência de definir a juventude de uma época a partir de determinadas características, práticas ou concepções. Por exemplo: a juventude libertária da década 1960 (chamada de “geração de 68”), que liderou o movimento pacifista, que se confrontou com regimes políticos repressores, que estabeleceu novos padrões de comportamento social, constituiu uma parcela da juventude de sua época. Uma parte fundamental, que mudou o mundo, mas tantos outros jovens daquele período mantiveram-se distantes das ideias e atitudes desse grupo.

IHU On-Line - Como o fenômeno religioso é visto e interpretado pela juventude? Nesse sentido, como os jovens assumem e reelaboram significados, rituais e princípios oferecidos pelos diferentes sistemas religiosos?

Solange Rodrigues - Estamos tratando de dois campos bastante complexos, diferenciados internamente: juventude e religião. Para saber como o fenômeno religioso é visto e interpretado pela juventude, precisamos saber antes: de qual fenômeno religioso estamos tratando? E, além disso, quem são os jovens que os interpretam? Com que quadro de referências? Não existe uma resposta única e universal. De qualquer modo, é possível apontar algumas tendências, como o privilégio da experiência do sagrado sobre a reflexão; o conhecimento racionalizado sobre o este sagrado – do sabor sobre o saber; a valorização das propostas místicas em que os jovens se sentem produtores, e não apenas consumidores, de bens espirituais, com a participação ativa nos ritos; a constituição de um sistema religioso próprio, reunindo elementos presentes em diferentes religiões. Outra tendência é dar visibilidade ao pertencimento ou experiência religiosa, pelo uso de símbolos, de peças do vestuário, ou de tatuagens, inscrevendo no corpo sinais de uma experiência mística e, ao mesmo tempo, acionando uma prática cada vez mais frequente entre os jovens, religiosos ou não. Também merecem destaque a incorporação de estilos musicais como o rock ou rap em rituais religiosos voltados para um público juvenil, ou mesmo a realização de concertos de música religiosa, em que jovens podem tocar instrumentos, cantar, dançar. Por outro lado, elementos presentes em determinadas culturas juvenis, como pranchas de surfe ou ringues de luta livre passam a fazer parte de espaços onde jovens se reúnem para cultos religiosos. É neste sentido que se diz que jovens reelaboram significados, ritos e princípios religiosos, em diálogo com questões de sua época e com elementos que fazem parte de seu universo sociocultural.

IHU On-Line - Qual o sentido da religião para esta geração que lida com tecnologias e é influenciada pelo consumo?

Solange Rodrigues - Para pessoas de todas as gerações, a religião continua sendo fonte de sentido para a vida, um meio de buscar respostas para as questões fundamentais da existência: De onde viemos? Para onde vamos? Por que existe dor e sofrimento? A religião também é um espaço privilegiado de convívio social, possibilita a formação de grupos em torno de identidades específicas. Além disso, as religiões propõem regras de conduta, de relacionamento entre as pessoas e com a natureza. Isso tudo diz respeito também aos jovens. Como disse anteriormente, a relação com as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) fazem parte da experiência desta geração de jovens, por mais diferentes que sejam as possibilidades de acesso às TIC, derivadas das desigualdades sociais. Numa pesquisa realizada, em 2009, com jovens de um bairro periférico pertencente a um município da região metropolitana do Rio de Janeiro, discorrendo sobre como eles usavam o tempo livre, uma jovem falou sobre as lan houses, e declarou: “Lá onde eu moro, se você não tem Orkut ou MSN, você não é ninguém”. Este depoimento mostra como a relação com estas ferramentas conforma identidades pessoais e sociais. No seu relacionamento com a dimensão do sagrado, na busca de sentido para a vida, as TIC entram como mais um elemento acionado pelos jovens, que recorrem à internet para pesquisar e para se comunicar, para formar comunidades também em torno de identidades religiosas.

No que diz respeito ao consumo, estamos vivendo um tempo de consumismo exacerbado, de produção de mercadorias que logo serão descartadas, em que shopping já foram comparados a templos de consumo, numa lógica de organização da vida social que tem sido descrita como sociedade de consumo, em que a possibilidade de consumir torna-se o critério para conferir cidadania. Daí que pessoas destituídas de condições para consumo sejam consideradas desnecessárias, descartáveis... Neste contexto, a religião pode representar para os jovens mais um campo de consumo (de produtos religiosos), como pode fornecer valores éticos que rejeitam o consumismo.

IHU On-Line - Diria que os jovens de hoje são mais liberais ou mais conservadores em relação à religião? Em que aspectos e por quê?

Solange Rodrigues - Da mesma forma em que parcelas da juventude podem ser consideradas mais liberais em relação à religião, outros segmentos apresentam um perfil mais conservador. Dentro de uma mesma religião há jovens com atitudes diferenciadas. Aqui seria necessário explicitar o que está sendo chamado de liberal ou de conservador. Compreendo que liberal seja aquela atitude de maior liberdade frente aos preceitos propostos por uma determinada religião, ao passo que conservadora seria a atitude de maior rigor na observância daqueles preceitos. Um aspecto significativo diz respeito às práticas sexuais e reprodutivas. Por exemplo: apesar de a Igreja Católica codificar detalhadamente a vivência da sexualidade de seus adeptos, proibindo entre outros o relacionamento sexual fora do casamento, as relações homoafetivas e o aborto, pesquisas apontam uma distância cada vez maior entre as ideias e as práticas dos fiéis e a doutrina proposta, em especial entre os jovens. Uma pesquisa realizada em meados dos anos 2000 revelou dados significativos: 19% dos jovens católicos se declararam favoráveis à descriminalização do aborto, e 46% favoráveis à legalização da união entre pessoas do mesmo sexo (Retratos da Juventude Brasileira, 2005, dados analisados por Regina Novaes). Ou seja, a religião vê abalada sua capacidade de definir o comportamento de seus membros, que se orientam também por outros interesses para além dos religiosos. Por outro lado, surgem também dentro do catolicismo grupos juvenis que voltam a valorizar a manutenção da virgindade até o casamento.
Outro aspecto diz respeito ao exercício da autoridade: enquanto alguns jovens tendem a questionar os líderes religiosos quando percebem uma falta de sintonia entre seu discurso e suas práticas, ou quando se encontram diante de exigências consideradas inexplicáveis, e isso pode ser apontado como uma atitude liberal, relacionada aos valores de um ambiente democrático; de maneira oposta, outros jovens acatam totalmente os desígnios de quem exerce a liderança em sua religião.
Isso tudo revela uma tendência observada nas grandes religiões universais, de adoção de atitudes fundamentalistas, de formação de grupos que procuram reforçar as tradições e identidades. Tanto o catolicismo, como as denominações protestantes, o judaísmo, o islamismo, entre outras, possuem em seu interior grupos reacionários que contam com a participação de jovens.

IHU On-Line - O que diferencia a atual geração de jovens de outras gerações no que se refere à religião?

Solange Rodrigues - Talvez a maior diferença seja uma certa liberdade para transitar entre diferentes sistemas religiosos. É frequente encontrarmos jovens que em um curto período passaram por diversas experiências religiosas e que se definem como “buscadores” do sagrado. Neste sentido, têm a atenção despertada para religiões de matriz oriental, que aumentaram sua presença no país nas últimas décadas, ou para espiritualidades exóticas e esotéricas, muitas vezes associadas à dimensão terapêutica e do autoconhecimento.
Isso não deve ser confundido com uma atitude de descompromisso dos jovens em relação à religião. Cada vez mais se pode observar a adesão de jovens a sistemas ou movimentos religiosos que exigem uma rígida observância de regras comportamentais. Alguns inclusive escolhem viver radicalmente os princípios da fé em comunidades constituídas em torno de uma identidade religiosa, como no Santo Daime , no Hare Krishna , na Toca de Assis .

Esses processos são vivenciados por pessoas de todas as idades, não apenas pelos jovens. Todavia, estamos tratando de uma fase da vida em que se intensifica uma experimentação que pode dar origem a escolhas existenciais importantes: a vivência da sexualidade, a busca de parceiros, a orientação sexual, a continuidade ou não dos estudos, a inserção profissional, os círculos de amizade, as adesões ideológicas, políticas, a adoção de determinados valores. A religião também é um campo de experimentação e de escolha para os jovens, mesmo que em todas estas áreas da vida as decisões não sejam definitivas e irreversíveis.

IHU On-Line - A classe social influência de alguma maneira na visão que o jovem tem da religião? Que processos conduzem à adesão ou à desfiliação religiosa dos jovens?

Solange Rodrigues - Alguns estudos têm mostrado que a classe social é um elemento que distingue os jovens no que diz respeito às adesões religiosas. Vejamos alguns dados de um estudo realizado pela Unesco em 2004: há mais jovens católicos nas classes D/E (69%) do que entre os jovens das classes A/B (61,5%); o percentual de jovens evangélicos é mais elevado nas classe C (20,3%), do que nas classes A/B (18,3%) e D/E (18%). Os jovens sem religião têm presença um pouco maior nas classes A/B (8,4%) do que nas classes D/E (7,5%). (Juventudes: outros olhares sobre a diversidade, 2009, p. 152; dados referentes à religião analisados por Regina Novaes e Alexandre Fonseca.)

Mesmo que estas configurações expressem um determinado momento da trajetória dos jovens com relação à religião, a busca de respostas para suas dúvidas e angústias existenciais, pela abertura ao novo, a extrema curiosidade, tudo isso pode explicar uma adesão mais fluída, os vínculos tênues que uma parcela da juventude mantém com as instituições religiosas. A adesão ou a desfiliação religiosa vai depender da possibilidade de satisfação das necessidades pessoais de sentido, naquele momento do curso da vida, oferecidas ao jovem por um determinado grupo religioso. Dependerá também da possibilidade de o jovem encontrar naquela tradição religiosa um grupo de pessoas com os quais possa se reconhecer, construindo identidade.

IHU On-Line - Nos anos 1960, 1970, os jovens eram engajados com movimentos de base da Igreja Católica. Hoje, como vê a mobilização da juventude acerca de projetos sociais com o aporte da Igreja?

Solange Rodrigues - Os jovens hoje continuam engajados em movimentos de base da Igreja Católica, só que hoje esta adesão tem pouca ou nenhuma visibilidade. E não existem estudos comparativos que mostrem se o envolvimento de jovens com estes movimentos de base nos anos 1960 e 1970 era maior ou menor que a atual. Hoje os jovens católicos estão inseridos nas quatro Pastorais da Juventude (Pastoral da Juventude, Pastoral de Juventude Estudantil, Pastoral da Juventude do Meio Popular e Pastoral da Juventude Rural), nas Comunidades Eclesiais de Base, e em muitas outras organizações juvenis. Um exemplo são as Conferências Vicentinas Jovens.

As quatro PJs estão promovendo uma ampla mobilização nacional em torno da Campanha contra a Violência e o Extermínio de Jovens. Além disso, é perceptível a presença de jovens das PJs na mobilização por políticas públicas de juventude, que se intensificou no Brasil na última década. As PJs têm assento em diversos conselhos de juventude em âmbitos municipal, estadual e nacional. Muitas vezes os representantes da Igreja têm reconhecida sua capacidade de liderança sendo eleitos para a presidência ou a secretaria executiva desses organismos de representação juvenil. Alguns gestores de secretarias municipais ou estaduais de juventude também são ou foram vinculados à Igreja Católica. Na primeira Conferência Nacional de Juventude foi bastante expressiva a presença de jovens da Igreja Católica. Além disso, há toda uma mobilização juvenil em torno de iniciativas sociocomunitárias, como, por exemplo, nos pré-vestibulares comunitários. Sem falar nos jovens católicos que têm militência partidária. Só que desde os anos 1990 têm maior visibilidade (tanto no campo das pesquisas como nos meios de comunicação) a Renovação Carismática Católica , que entre os seus setores internos tem um voltado para os jovens (Ministério Jovem), e mais recentemente, experiências derivadas da RCC, as “novas comunidades”.

O que acontece é que muitas vezes novas lideranças da Igreja Católica deixaram de incentivar a apoiar o tipo de engajamento sociopolítico desenvolvido pelas PJs. Mas aqui é preciso assinalar, ainda, que há ação social realizada por jovens que vivenciam outras experiências religiosas. Tanto no catolicismo, como a assistência prestada pelos jovens da Toca de Assis à população em situação de rua (com alimentos, curativos, cortes de cabelo), quanto em outras tradições religiosas, como jovens de terreiros de candomblé envolvidos em oficinas de valorização da história e da cultura negra na sociedade brasileira, ou jovens de igrejas evangélicas que se articulam em torno da Aliança Bíblica Universitária ou da Rede Fale, que promovem atividades de incidência sociopolítica.

IHU On-Line - Como o uso da tecnologia influencia a relação dos jovens com a religião?

Solange Rodrigues - A proximidade com a tecnologia é uma das marcas geracionais dos jovens de hoje, mesmo que pesem as diferenças de acesso: enquanto uma parcela dos jovens brasileiros dispõe de computador em casa com acesso à internet em banda larga, às vezes com uma máquina para cada membro da família, outros dependem da escola, dos locais de trabalho, de centros públicos ou privados para acessar a essas tecnologias de informação e comunicação. Em todo caso, jovens acionam a tecnologia que têm disponível para alimentar sua vivência religiosa, da mesma forma em que a empregam em outros âmbitos de sua vida: seja para se comunicar com seu grupo religioso, para se articular, formando redes sociais, para se expressar, por meio de blogs, do Twitter, para criar páginas e portais na web divulgando seus grupos e ideias religiosas, para pesquisar e descobrir novas formas de relacionamento com o sagrado.

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