Edição 361 | 16 Mai 2011

As tecnologias e a falsa sensação de afeto

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Patrícia Fachin

Para o psiquiatra José Outeiral, o ciberespaço poderá ser útil como ferramenta tecnológica. Contudo, não é necessariamente positivo para as relações humanas

Na avaliação do psiquiatra José Outeiral, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, as tecnologias criam, entre os jovens, a falsa sensação de estabelecer um relacionamento afetivo. Presente no dia a dia da juventude, sítios de relacionamento e redes sociais são utilizadas, na opinião dele, como “uma fuga para as relações periféricas e fugazes”.
Outeiral é psicoterapeuta de Grupo e especialista em psiquiatria de adultos, crianças e adolescentes. Membro da Sociedade Psicanalítica de Pelotas e da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, é ex-professor da Faculdade de Medicina da PUCRS. Entre suas obras, citamos Adolescer (Editora Revinter, 2008) e O adolescente borderline (Editora Artmed, 1993). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor caracteriza o comportamento dos jovens da chamada geração Y, que nasceram junto com as tecnologias? O que os diferencia das outras gerações?

José Outeiral - As gerações se sucedem e mantêm pontos em comum e diferenças com as gerações anteriores. Uma das diferenças pode ser a que envolve a "intromissão" da tecnologia nas relações interpessoais; muitos jovens se "escondem" do contato interpessoal através de sítios de relacionamento, outros, ao contrário, imaginam que têm "dezenas" de amigos no Orkut. A tecnologia nunca substituirá, sob meu ponto de vista, o contato humano.
 
IHU On-Line - Quais são os valores da juventude?

José Outeiral - Há um incremento do narcisismo, por exemplo; a “saga dos vampiros” representa um aspecto individualista onde nas relações busca-se extrair do outro aquilo de que alguém necessita; há um evitar da intimidade e uma fuga para as relações periféricas e fugazes, “vampirescas”, por assim dizer, de uma estética gótica, “bárbaros” para os renascentistas.

IHU On-Line - O senhor diz que o ciberespaço é utilizado de forma positiva para formar grupos virtuais, mas, por outro lado, ele pode gerar um “adoecer”. Pode nos explicar essa ideia?

José Outeiral - Tenho dúvida de que o ciberespaço seja, efetivamente, positivo para as relações humanas. Como ferramenta tecnológica, poderá ser útil se bem utilizado, o que não é fácil. Há uma máquina que se interpõem entre as pessoas e onde se pode usar um “nickname” que nos remete ao falso.

IHU On-Line – Alguns especialistas caracterizam a geração Y como ansiosa. Esse comportamento é reflexo da cultura de redes?

José Outeiral - Há uma ansiedade porque as relações são fugazes e superficiais. Há uma grande velocidade que impede o estabelecimento de vínculos, mas a ansiedade é característica dos seres humanos desde que há civilização.

IHU On-Line - Diferente da geração anterior, os jovens de hoje priorizam mais a vida pessoal do que a vida profissional? Psicologicamente, como compreender esse comportamento?

José Outeiral - Penso o inverso: há uma ênfase, como posso perceber em meu trabalho clínico e no que leio sobre o assunto, um grande anseio por êxito profissional em detrimento, por vezes, da realização pessoal. A terceira causa de morte de jovens no Brasil, segundo o IBGE, é por suicídio, o que nos dá uma ideia de que “o ser humano” está em tensão.

IHU On-Line - Como, de maneira geral, esses jovens se comportam em relação às questões de gênero, diversidade sexual, preconceitos?
José Outeiral - Há uma maior aceitação da diversidade e da singularidade e isto, ao mesmo tempo, causa incertezas quanto aos padrões que eram vigentes na geração anterior.

IHU On-Line- Dizem que os jovens de hoje são mais individualistas do que os de outras gerações. A que aspectos o senhor atribui essa individualidade?
José Outeiral - Acredito que um dos fatores é uma sociedade centrada no narcisismo e em valores materiais.

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