Edição 360 | 09 Mai 2011

Rosa: os textos e a trama de fios

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Márcia Junges e Patricia Fachin

“Maldição do idioma”, a filosofia mata a poesia, disse o escritor em entrevista a Günther Lorenz, a menos que venha de Kierkegaard ou Unamuno. Literatura especulativo-metafísica é o que a obra roseana sinaliza, menciona Luiz Rohden

Uma literatura especulativo-metafísica é o que Guimarães Rosa propõe, levantando questões que fazem o leitor se questionar “sobre a vida e as questões ético-políticas para além das veredas”. Uma metafísica movente ou vertente é a sua proposta literária, teoriza o filósofo Luiz Rohden, na entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail.

Rohden é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, mestre e doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com a tese Experiência e linguagem: princípios da hermenêutica filosófica. Cursou pós-doutorado no Boston College, nos Estados Unidos. De suas obras, destacamos: O poder da linguagem: a arte retórica de Aristóteles (Porto Alegre: Edipucrs, 1997); Entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem (São Leopoldo: Unisinos, 2005) e Interfaces da Hermenêutica: método, ética e literatura (Caxias do Sul: Editora UCS, 2008). Em 10 de maio, o filósofo participa do Simpósio margens da palavra: veredas filosófico-literárias no Brasil, na Unisinos.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Quais são os principais elos que entrelaçam a literatura de Guimarães Rosa  à filosofia?

Luiz Rohden -
Em primeiro lugar, do ponto de vista do conteúdo, podemos dizer que ambos tratam de questões relativas ao homem, à natureza, ao mundo material e espiritual. Ou seja, o constante esforço de Rosa em compreender e traduzir em linguagem o bem e o mal, Deus e o Demônio, o físico e o metafísico, tem por escopo tematizar a identidade humana tecida com suas distintas feições. Podemos dizer que sua obra contém, expressa e tematiza o humano – brasileiro e universal – a partir das minas com suas riquezas e horrores.

Do ponto de vista da linguagem, Rosa operou uma revolução e inovação na literatura brasileira e universal à medida que a tomou não apenas como um instrumento de comunicação, mas como modo de expressão e de constituição do real. Ao modo de Heidegger  e de Gadamer  podemos dizer que, em seu esforço por tematizar o real, ele o fez tramando seus textos com fios da poesia, do mito, do seu regionalismo e do rigor científico da nossa língua.


IHU On-Line - É possível falar em uma metafísica da linguagem a respeito de Grande Sertão: Veredas? Por quê?

Luiz Rohden -
Embora possa soar estranho falar nestes termos, o fato é que o próprio Rosa, na conhecida entrevista concedida a Günter Lorenz, mencionou expressões como metafísica da língua, linguagem da metafísica para expressar sua criação literária. Na entrevista Lorenz perguntou-lhe: “Você tem alguma coisa contra os filósofos?” ao que respondeu: “Tenho. A filosofia é a maldição do idioma. Mata a poesia, desde que não venha de Kierkegaard  ou Unamuno, mas então é metafísica”. Em outro momento ele mesmo, atribuindo valores aos diferentes aspectos de sua obra, mensurou-a assim: “a) cenário e realidade sertaneja: 1 ponto; b) enredo: 2 pontos; c) poesia: 3 pontos; d) valor metafísico-religioso: 4 pontos”. Longe, pois, de parecer um antimetafísico, o que Rosa, em verdade, propõe é a uma literatura especulativo-metafísica, ou seja, que põe questões e leva o leitor a perguntar-se sobre sua vida e as questões ético-políticas para além das veredas. Neste sentido, podemos dizer que sua proposta literária pode ser concebida como uma espécie de metafísica movente, ou talvez, metafísica vertente, à medida que procura entrelaçar o finito com o infinito, o particular e o universal de modo dialético-dialógico.


Leia mais...

Luiz Rohden
já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

* A crítica de Gadamer e Kierkegaard à filosofia abstrata. Edição 314 da Revista IHU On-Line, de 09-11-2009

* IHU Repórter – Luiz Rohden. Edição 329 da Revista IHU On-Line, de 10-05-2010

* Guimarães Rosa, um amante do saber. Edição 275 da Revista IHU On-Line, de 29-09-2008

* Gadamer: alegre, simpático e simples. Edição 9 da Revista IHU On-Line, de 18-03-2002



Baú da Revista IHU On-Line

A IHU On-Line já publicou duas edições especiais sobre Guimarães Rosa. Confira:

* “Sertão é do tamanho do mundo”. 50 anos da obra de João Guimarães Rosa. Edição 178 da Revista IHU On-Line, de 02-05-2006

* Machado de Assis e Guimarães Rosa: intérpretes do Brasil. Edição 275 da Revista IHU On-Line, de 29-09-2008

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