Edição 359 | 02 Mai 2011

Sol, fonte renovável de energia, de vida, de espiritualidade

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Moisés Sbardelotto e César Sanson

A energia nuclear é "uma escolha energética em direção à morte e não à vida", segundo o engenheiro italiano Enrico Turrini. Ele poderia ser chamado de "convertido energético": após trabalhar em uma usina nuclear da Europa, se deu conta de que um reator, mesmo projetado com sistemas avançados de segurança, jamais poderá oferecer garantias aos seres que vivem ao seu redor. Assim, indo em direção contrária, Turrini defende uma valorização das fontes renováveis, "todas solares", como as energias fotoelétrica, térmica, eólica, hídrica e de biomassa. "Por quê? As fontes solares são totalmente limpas, distribuídas de forma diferenciada em todo o Planeta, superabundantes e inexauríveis, enquanto o Sol existir", afirma. No fundo, porém, Turrini encontra nessa sua opção teórica um gesto prático de uma escolha espiritual: as energias fósseis são "uma escolha totalmente contrária a uma visão ética de grande valor como o que Jesus nos propõe". Ao contrário, defende, "o Sol é uma fonte de espiritualidade". "O que ele nos oferece e o que ele nos ensina estão em plena concordância com o que Jesus nos propõe nos Evangelhos. É uma espiritualidade que se manifesta olhando para a Natureza que vive da energia do Sol. Todos os seres gozam dessa energia de formas diferentes e podem compartilhá-la". Além disso, o Sol também "nos oferece toda a sua energia com amor, porque a presenteia a todos, sem privilegiar ninguém e de forma diversificada", sintetiza. Engenheiro italiano, Enrico Turrini e doutor em eletrotécnica e foi presidente da associação internacional Associação Europeia para as Energias Renováveis – Eurosolar, fundada em 1988 e dedicada à substituição das energias nuclear e fóssil por energias renováveis. Também é ex-presidente da Câmara de Recursos Físicos do Escritório Europeu de Patentes, de Munique, na Alemanha. Colabora atualmente com a ONG Cubasolar e com projetos de difusão de energias renováveis na Europa e em Cuba. É também ex-membro do comitê científico da Universidade Internacional das Instituições dos Povos pela Paz – Unip, na Itália, e militante dos movimentos pacifistas pelo desarmamento e pela solidariedade internacional. É autor, em português, de O Caminho do Sol: O Uso da Energia Solar (Ed. Vozes, 1993). Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais foram as motivações que o fizeram estudar e se especializar no setor de energia nuclear? Da sua experiência de vida, o que o levou a se convencer de que essa matriz energética é uma ameaça para a humanidade?

Enrico Turrini – Nasci no Norte da Itália, em 1938. Estudei engenharia com prazer e, em 1962, fiz o doutorado em eletrotécnica. Ofereceram-me depois uma atividade de pesquisa e trabalho relacionada com a segurança dos reatores nucleares. Comprometi-me por mais de dez anos nesse campo, primeiro na Itália, em Roma, e, depois, na Bélgica, em Bruxelas. Pensava que pudesse ser uma escolha energética válida. Essa atividade, todavia, permitiu que eu abrisse os olhos para os imensos perigos do uso da energia nuclear, e estou cada vez mais convencido disso, continuando ainda agora a me manter atualizado sobre os últimos desenvolvimentos dessa tecnologia. Trata-se, na verdade, de uma escolha energética em direção à morte e não à vida. De fato, pude me dar conta de que um reator, mesmo que se busque projetá-lo com sistemas avançados de segurança, jamais poderá dar garantias nesse campo.

Na reação em cadeia com os átomos de urânio 235, produz-se um forte calor que permite colocar em funcionamento uma turbina e, em seguida, um alternador para produzir energia elétrica, e formam-se grandes quantidades de dejetos que mantêm a radiatividade por dezenas de milhares de anos.

Essas sobras, mesmo que depositadas em contêineres subterrâneos isolados, em caso de guerras, de atentados ou de terremotos, podem espalhar doses de radiatividade elevadíssimas até a grandes distâncias, causando a morte das pessoas e da natureza. No caso de acidentes com os reatores, como ocorreu no terremoto do dia 11 de março no Japão, válvulas ou tubulações por onde escorre o refrigerante também podem facilmente se romper, e a radiatividade que se espalha na terra, no ar e no mar pode ser elevadíssima.

Durante o funcionamento normal, um reator nuclear também emite radiatividade em pequenas doses, que, porém, podem provocar tumores leucêmicos em seres vivos que, morando nas proximidades, permanecem a ela expostos por longos períodos. Além disso, um número elevado de mineradores que extraem o urânio do subsolo morrem de câncer nos pulmões. É perigosíssima, enfim, a ligação entre energia nuclear civil e energia nuclear militar, levando à disseminação das bombas atômicas.

Por sorte, encontrei depois uma nova atividade que me entusiasmou no Escritório Europeu das Invenções [Patentes], em Munique, na Alemanha, uma atividade no campo das fontes energéticas solares, ou seja, das fontes renováveis. Agora, aposentado, continuo empenhando-me nesse setor na pequena ilha de Cuba, onde se encontra um forte interesse nesse campo, em particular nas escolas e universidades.


IHU On-Line – O mundo está cada vez mais insaciável e voraz por fontes energéticas perigosas como as energias fósseis (carvão, petróleo, gás) e energias nucleares. É suficiente substituir a matriz energética não renovável por fontes renováveis? Ou o problema é mais profundo?

Enrico Turrini – É de fundamental importância passar das fontes energéticas convencionais fósseis e nucleares para as fontes renováveis, todas solares: solares diretas (fotoelétrica e térmica) e solares indiretas (vento, água, biomassa). Por quê? As fontes convencionais são fortemente poluidoras e, continuando nesse ritmo, está se destruindo a vida no Planeta. Além disso, estão concentradas em algumas regiões e caem com facilidade nas mãos dos poderosos, por exemplo, das multinacionais. São também exauríveis e terminarão no máximo em poucas centenas de anos.

As fontes solares, ao contrário, são totalmente limpas, distribuídas de forma diferenciada em todo o Planeta, superabundantes e inexauríveis, enquanto o Sol existir. Contudo, não podemos parar por aqui. É necessário utilizá-las de maneira correta, em harmonia com a Natureza e sem desperdício. É, também, fundamental não se deter no aspecto técnico, mas ter uma visão global do problema, tendo sempre presentes tanto os aspectos ambientais, quanto os aspectos sociais e políticos.


IHU On-Line – A crise energética pode também ser interpretada como uma crise ética? Por quê?

Enrico Turrini – Certamente. Jesus convida-nos de maneira clara a tomar o caminho do amor, do compartilhar a vida com os outros, longe de uma visão egoísta. Jesus nos propõe, portanto, escolhas de grande valor ético. As escolhas energéticas mais difundidas pelos grandes consumos e pela utilização das fontes fósseis e nucleares são fruto de uma visão desesperada de ter o poder nas próprias mãos, escravizando os povos e não pensando minimamente nos sofrimentos que são gerados hoje e que levam gradualmente ao desaparecimento das futuras gerações. Trata-se, portanto, de uma escolha totalmente contrária a uma visão ética de grande valor como o que Jesus nos propõe.


IHU On-Line – Os acontecimentos da usina nuclear de Fukushima, no Japão, um país com uma avançada pesquisa tecnológica, revelam as fragilidades da ciência? Que lições ecológicas ou sociais podemos ter a partir desse acidente nuclear?

Enrico Turrini – O que aconteceu no Japão, com relação à usina nuclear de Fukushima, mostra-nos a periculosidade dos acidentes nucleares com consequências catastróficas. Veja-se também o que foi enfatizado com relação à energia nuclear na resposta à primeira pergunta. O que ocorreu deve, portanto, nos ajudar a abrir os olhos e a compreender que até as tecnologias mais avançadas não podem eliminar os perigos e que devemos fazer escolhas energéticas de acordo com o que o Sol nos ensina, distribuindo as suas energias de vida por toda a parte e com equidade.

A escolha nuclear, além de ser uma escolha de morte, coloca os povos em um estado de insegurança, de ansiedade e de medo pelo que poderá ocorrer.


IHU On-Line – O que o senhor pensa sobre a crise climática? Superamos o ponto de retorno? A humanidade está se dirigindo ao seu fim ou ainda temos alguma chance?

Enrico Turrini – A crise climática é, sem dúvida, muito grave e está em um estágio já avançado. Os enormes danos a todos os seres vivos e ao ambiente pela energia nuclear já foram expressos anteriormente. No que diz respeito ao uso das energias fósseis, o efeito estufa, devido à liberação de dióxido de carbono (CO2), faz subir a temperatura média da atmosfera que circunda nosso Planeta, provocando desequilíbrios atmosféricos catastróficos como secas, furacões, aumento do nível dos oceanos por causa do descongelamento das geleiras nos polos Norte e Sul. Além disso, são produzidos grandes buracos subterrâneos para extrair os fósseis das jazidas, buracos que causam reassentamentos da crosta terrestre e, consequentemente, disseminam-se os terremotos.

Continuando assim, é provável que, no final do século, já não haja mais vida sobre o Planeta, sem falar das guerras com o objetivo de se apropriar das energias fósseis – veja-se, por exemplo, a guerra no Iraque e tudo o que está ocorrendo agora na Líbia.

Porém, seria errado perder a esperança. O importante é, ao contrário, empenhar-se para difundir sinais de renascimento e de esperança, procurando, pouco a pouco, que se tome o caminho correto nos vários países do mundo. Ainda temos, portanto, uma possibilidade. Não nos deixemos abater, mas demos todo o nosso empenho para a construção de um mundo em direção à vida.


IHU On-Line – O senhor defende o Sol como a energia do futuro da humanidade. Qual é o “caminho em direção ao Sol”? Como utilizar a sua energia conscientemente?

Enrico Turrini – O Sol nos ensina a nos encaminhar a um futuro que permite o renascimento da Natureza e da humanidade. Ele nos oferece toda a sua energia com amor, porque a presenteia a todos, sem privilegiar ninguém e de forma diversificada. Ele nos convida a nos encaminhar pelo caminho do Sol utilizando a sua energia direta para produzir eletricidade com os sistemas fotovoltaicos e para produzir calor com os coletores solares e utilizando a sua energia indireta de vários tipos.

Existe o vento, produzido pelas diferenças de temperatura na atmosfera, sempre devidas à sua energia que pode ser utilizada para produzir eletricidade por meio dos geradores eólicos, para extrair água dos poços, para destilar água etc.

Existe a água, que se desloca e produz energia. Como? A água dos mares evapora com a energia do Sol, produzem-se as nuvens que se deslocam com o vento e, depois, as chuvas que formam os rios, e, assim, a água retorna ao mar. A água, com seu movimento, pode acionar turbinas que produzem eletricidade; pode mover aríetes hidráulicos que lhe permitem elevar-se em tubulações de dezenas de metros e chegar a regiões onde não se encontra água etc.

Há vários tipos de biomassa. Os resíduos orgânicos, como os restos fecais, podem ser utilizados em instalações de biogás, que é utilizado para cozinhar, para refrigerar, para acionar motores, e, além disso, obtém-se um fertilizante orgânico completamente natural para campos agrícolas. Outro tipo de biomassa são as plantas que se desenvolvem sempre com a energia do Sol e servem-nos como alimento. Mas há também biomassas não alimentícias que nos dão energia para produzir combustível. Um exemplo é a Jatropha curcas [conhecida como pinhão manso no Nordeste brasileiro], que produz sementes não comestíveis das quais se extrai um óleo que serve como combustível para cozinhar ou pode-se produzir combustíveis para os motores de automóveis. Além disso, essa planta revitaliza terras áridas e, assim, no seu entorno podem ser cultivadas hortaliças.

O importante é utilizar essas fontes energéticas solares, ou seja, fontes renováveis, de maneira correta, como o Sol nos ensina. O que significa isso? Deve-se utilizá-las perto de onde elas se encontram, isto é, de forma descentralizada e em harmonia com o ambiente natural, não fazendo grandes usinas que destroem a Natureza ao invés de protegê-la (essa não é a mentalidade solar).

Há também diferentes modos para armazenar as fontes renováveis e poder, assim, utilizá-las continuamente. Deve-se, além disso, desenvolvê-las com o empenho de todos e construir as várias usinas adaptando-as às condições climáticas e culturais do lugar. Não se deve usar a biomassa que nos fornece alimentos preciosos, como, por exemplo, o milho, para produzir combustível. Naturalmente, é de fundamental importância que as fontes renováveis de energia não caiam nas mãos das multinacionais, mas permaneçam nas mãos dos povos. Essa escolha da energia solar dá, assim, vida digna e saudável a todos os povos, dá total independência a todos os países, e ajuda a fazer desaparecer gradualmente os perigos de ataques armados.


IHU On-Line – O Brasil, um país com luz solar o ano inteiro, investe em grandes usinas hidrelétricas, na exploração do pré-sal, na revitalização do programa de energia nuclear, na expansão da produção de etanol. Como o senhor vê essas escolhas?

Enrico Turrini – Infelizmente, trata-se de escolhas principalmente erradas. Será gravíssimo se o Brasil tomar o caminho da construção de centrais nucleares. É claro, acima de tudo, que o Brasil recebe muitíssima energia direta do Sol que poderia ser utilizada para ter à disposição energia elétrica e água quente em todas as casas e edifícios públicos.

Há também regiões ventosas em que podem ser instalados geradores eólicos. As grandes centrais hidrelétricas, embora produzam energia limpa, pertencem a uma escolha errada porque prejudicam a Natureza e frequentemente exigem o deslocamento dos habitantes do lugar, por causa do grande espaço necessário para criar lagos artificiais.

A produção de biocombustível, utilizando, como explicado anteriormente, biomassa que fornece alimentos, é totalmente errada. A escolha válida é a de usar plantas como a Jatropha curcas (vejam-se as explicações anteriores). Também é errada a tendência de desenvolver monoculturas que degradam o ambiente natural. É preciso procurar, no entanto, difundir a biodiversidade que permite que as plantas se ajudem reciprocamente.


IHU On-Line – O senhor diz que o Sol é também uma fonte de espiritualidade. Como ela se manifesta?

Enrico Turrini – Certamente, estou convencido de que o Sol é uma fonte de espiritualidade. De fato, o que ele nos oferece e o que ele nos ensina, isto é, o caminho do Sol, estão em plena concordância com o que Jesus nos propõe nos Evangelhos. É uma espiritualidade que se manifesta olhando para a Natureza que vive da energia do Sol. Todos os seres gozam dessa energia de formas diferentes e podem compartilhá-la. Uma planta se ajuda com a outra. Tudo é cíclico. No outono, as folhas caem sobre a terra, e, morrendo, na realidade, se transformam em terra fértil que dá vida a outras plantas. Por conseguinte, até a morte se transforma em vida.

Todos os seres recebem de formas diferentes o dom dessa energia solar de vida, e essa realidade nos ajuda a compreender que, se soubermos abandonar o egoísmo e não procurarmos nos apropriar das coisas que nos circundam, mas, ao contrário, vivermos pensando nos outros, comprometendo-nos com verdadeiro amor, cada instante da vida torna-se maravilhoso, porque se compreende o valor de uma espiritualidade verdadeira, que não significa viver no abstrato, sonhando, mas significa sim ir além dos interesses materiais e, deste modo, sentir a energia que nos vem do Sol como uma força que nos permite caminhar de mãos dadas uns com os outros, e ajudar-nos com um amor que, a cada instante, torna-se mais forte, mais solar.

 

Leia mais...

A IHU On-Line publicou uma edição especial sobre energia atômica. Confira:

A energia nuclear em debate. Edição Revista IHU On-Line 355, de 28-03-2011

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