Edição 359 | 02 Mai 2011

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Anelise Zanoni

Por mais batalhas que uma guerreira tenha no currículo, a luta pessoal, mesmo camuflada, é talvez a mais significante para a construção de uma vida. Para Ione Maria Ghislene Bentz, professora titular e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Design da Unisinos, mesmo com as grandes conquistas, a trajetória como mãe se sobrepõe às vitórias como profissional. Aos 70 anos, a beleza marcada por traços delicados e o sorriso constante denunciam a vida de uma mulher que se dedicou à carreira em uma época na qual as matriarcas eram obrigadas a ficar em casa cuidando da família. Mesmo com a decisão firme e o talento para os estudos, Ione considera o papel de mãe o mais importante e gratificante que escolheu.

“Durante muito tempo fui mãe, esposa e mulher, em uma época na qual precisávamos batalhar para estudar e conquistar nossos direitos. Enfrentava o primeiro round da libertação feminina, mas a maior experiência foi a de mãe: uma riqueza afetiva, pessoal e que não se compara a nada. Nós somos colocadas em um nicho especial, de plenitude”, afirma Ione.

Depois de viver em uma casa com quatro mulheres e de perder o pai aos 16 anos, ela construiu a própria vida com a vocação para o cuidado. Casou-se aos 20 anos com o atual marido, Fernando, e dividiu as rotinas domésticas com o nascimento da primeira filha, Cristina, hoje com 48 anos, e a missão de cuidar da mãe e da irmã.

“Por algum tempo tive de ser filha e marido de minha mãe, precisei assumir papéis importantes para a família”, lembra.

Enquanto concluía a faculdade de Letras na Fundação Universitária da Bagé, na década de 1960, a professora deparou-se com a segunda gestação. Chegou a Cláudia. Mais uma alegria que completaria o desejo de ter uma grande prole.

“Estava terminando o curso e engravidei. Mesmo com os compromissos, assumi diversas responsabilidades, como a de cuidar de uma irmã doente. Ainda assim, encontrava tempo para levar as meninas na pracinha e ser mãe de fato”, afirma.

Entre a vida de mãe malabarista e equilibistra, a pesquisadora foi, aos poucos, compreendendo a relação de plenitude proporcionada pela maternidade e pela doação. Nem mesmo os diplomas de mestre, doutora ou pós-doutora que recebeu pela Université de Paris IV (Paris-Sorbonne) ganham grandeza maior do que a experiência materna.

“Sempre abrimos mão de algumas coisas, faz parte de nossas escolhas e apostas. O sentimento de mãe, entretanto, não é comparado a outras coisas, tanto que os homens que vivem com as crianças e sabem o que é uma parte da maternidade compreendem, de fato, o que é esse sentimento.”

Se pudesse escolher, Ione teria mais filhos, para exacerbar o sentimento incondicional de amor e para dividir experiências. Como não os teve, enche-se de alegria por ver os três netos e as filhas assumindo o papel de matriarcas e questiona-se sobre os atuais estereótipos delegados às mulheres que trabalham e têm filhos.

“A relação mãe e mercado de trabalho é feita de estereótipos. Nossos papéis são múltiplos e os estereótipos são justificativas e desculpas, porque precisamos nos organizar dentro das próprias condições e é preciso avaliar se os filhos precisam mesmo vir depois.”

Há oito anos, Ione trouxe a própria mãe, que vivia no município de Estrela, Rio Grande do Sul, para morar na mesma casa. Precisava estar perto para zelar pela saúde dela. Ano passado, entretanto, aos 97 anos, a matriarca deixou a família.

“Perdê-la hoje me faz perceber o quanto ela foi boa e generosa, mesmo sendo autoritária, característica normal para a época”, avalia.

Ainda em luto, a pesquisadora convive hoje com outro desafio de doação: lidar com a doença do marido. Fernando sofre de Alzheimer, e a esposa assume o papel de mulher e cuidadora dedicada. Mesmo morando na mesma casa, pelo menos três vezes ao dia, ele faz ligações telefônicas a ela, para ouvir palavras de carinho que o acalmam.

“São grandes atos de amor e de realização pessoal que nos cercam. Mãe significa presença. Na casa precisamos do conceito de lar, onde não devemos passar correndo. Essa é a essência de tudo.”

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