Edição 358 | 18 Abril 2011

A política na condução do desenvolvimento sustentável

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Patricia Fachin e Graziela Wolfart | Tradução Benno Dischinger

O capital social pode ser utilizado para finalidades diversas, de acordo com o contexto no qual está inserido, assinala a socióloga Elena Battlaglini

“A política pode transformar o capital social em recursos positivos para o desenvolvimento sustentável de um território”, defende Elena Battlaglini, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo a socióloga italiana, a política desempenha um “papel crucial” ao mediar a relação entre sociedade e mercado “porque pode fornecer quadros de referência: a valoração de um escopo geral, de um sistema de valores e identitários, baseado na inclusão social”. Elena Battlaglini ressalta que é preciso não confundir a sociedade civil com o mercado e para isso, aconselha: “é necessário saber olhar longe, além dos termos eleitorais ou os lucros de curto prazo. E pensar no futuro das próximas gerações. Gerações às quais é preciso poder pelo menos fazer desfrutar dos recursos (já escassos) aos quais faziam referência os nossos pais.
PhD em Sociologia Ambiental, Elena leciona na Faculdade de Sociologia da Universidade de Roma La Sapienza e Faculdade de Arquitetura da Roma Tre.

Confira a entrevista.



IHU On-Line - O que se entende por sociologia do ambiente?

Elena Battaglini -
A sociologia do ambiente, na Itália como no resto do mundo, se desenvolve a partir da discussão dos paradigmas da mainstream sociology na trilha do debate sociopolítico sobre a crise ambiental. O nascimento da sociologia do ambiente está relacionado a dois artigos seminais de Catton e Dunlap (1978; Dunlap e Catton, 1980) dos quais se origina a teorização de um “novo paradigma ecológico” que se opõe àquele do “isencionalismo” ou “excecionalismo humano”.

Na Itália, os ecos deste debate chegarão mais tarde, uns 10 anos depois e se substanciarão na constituição de cátedras sobre a disciplina em algumas universidades italianas e numa série de estudos de cunho teórico, antes do que empírico.


IHU On-Line - Como se estabelece a interação (a relação) entre sistema social, ambiental e territorial?

Elena Battaglini -
A interação ente sistemas ambientais e sociais não se estabelece, se lê através de lentes interpretativas dos paradigmas (em sentido kuhniano) ou das teorias de referência (e nesta modalidade de resposta me coloco mais como socióloga construtivista do que estruturalista...).

No meu trabalho adoto, em particular, as perspectivas teóricas da sustentabilidade tridimensional (ambiente, economia e sociedade) pelo estudo do território; como aquelas da modernização ecológica para a análise de práticas de empresa que se enquadram em fenômenos de “alta via de inovação” para a análise da percepção social dos riscos, importante driver da demanda de bens materiais e imateriais de “qualidade”, principalmente nas sociedades industrializadas. E este último interesse-chave me constringe, como estudiosa, a encontrar novas sínteses nos debates entre estruturalistas e construtivistas que empenha há décadas a sociologia europeia.


IHU On-Line - Quais são os principais elementos da sociologia da produção e do consumo alimentar?

Elena Battaglini -
As tensões entre ator e estrutura, entre cultura e contexto e entre as polaridades simbólico e material que caracterizam o debate das ciências sociais, sobretudo na Europa, se refletem nas tensões teóricas entre produção e consumo, âmbito no qual se coloca a alimentação.

Em temas de alimentação, é necessário indagar as modalidades com as quais disciplinas como a economia ou a sociologia rural, de uma parte, e a sociologia da alimentação, de outra, tematizam o alimento, cada uma com linguagem própria e estatuto disciplinar. É este o desafio teórico no qual se coloca o meu trabalho e ao qual tenho tentado contribuir com o meu livro O Gosto Reflexivo. Para uma Sociologia da Produção e do Consumo alimentar.


IHU On-Line - Pode explicar-nos o conceito de capital social e como este poderia responder às críticas de “esquerda”, feitas a este conceito?

Elena Battaglini -
Sobre o conceito de capital social tem sido escritos rios de tinta a partir dos trabalhos de Bourdieu , Granovetter e Putnam. Pessoalmente, retenho que, principalmente nos estudos territoriais, este conceito seja útil se for considerada a relevância “situacional e dinâmica” (PISELLI, 2001). Como afirma um conhecido estudioso italiano: “o capital social pode ser utilizado para finalidades diversas, segundo os vínculos e as oportunidades determinadas do contexto institucional no qual está inserido. O uso se modifica no tempo ao mudar das exigências de adaptação dos atores com respeito ao contexto” (TRIGILIA, 2001). Como estudiosa devo afirmar que, lastimavelmente, o alcance semântico deste conceito não tem sido satisfatoriamente operacionalizado em nível empírico. Como pessoa de “esquerda” digo que, para os fins da sustentabilidade, é a política que pode transformar o capital social em recursos positivos para o desenvolvimento sustentável de um território. A política à qual assinalo tem um papel crucial no mediar a relação entre sociedade e mercado, visto que pode fornecer quadros de referência: a valoração de um escopo geral, de um sistema de valores e identitário, baseado na inclusão social (cf. GARIBALDO, 2003).


IHU On-Line - Qual é a importância das universidades em relação à formação de capital humano, um capital humano que não seja sujeito às flutuações do mercado?

Elena Battaglini -
Responder a esta pergunta, neste momento histórico, na Itália, me provoca uma dor pungente. Deixar de lado a emotividade de quem, como eu, junto a muitos outros, está assistindo ao desmantelamento de um sistema pedagógico que até poucos anos atrás constituía uma excelência na Europa, escusai-me, requer certo esforço. Considerado isso, o estudo universitário, a meu ver, deve contribuir para formar nos estudantes três aspectos:

— a consciência crítica: numa palavra, a curiosidade no lançar-se além das aparências e, conjuntamente, a paixão pelo rigor e o método de uma argumentação, verdadeiro parâmetro com que distinguir verdades científicas de afirmações subjetivas;

— o senso do relativo: o saber posicionar um fenômeno ou uma argumentação no contexto espaço-temporal do qual se faz expressão;

— a capacidade de captar os nós dos sistemas (complexos): objeto de estudo e, quem sabe, a vontade de analisar a direção causal dos liames entre estes.
Eis, um estudante que queira, digamo-lo assim, cavalgar as flutuações do mercado, e não ser, ao invés, atropelado por elas, deve poder adquirir estas competências.


IHU On-Line - Qual é o papel do capital social no atribuir valor ao território, principalmente quando falamos de sustentabilidade?

Elena Battaglini -
O papel do capital social em nível territorial se desempenha em termos de qualidades de dinâmicas relacionais entre os atores socioeconômicos e os cidadãos, na qualidade do patrimônio de conhecimentos, também tácitos e, enfim, na confiança entre sujeitos e entre estes e as instituições.


IHU On-Line - O que é preciso fazer para não confundir a sociedade civil com o mercado?

Elena Battaglini -
É necessário saber olhar longe, além dos termos eleitorais ou os lucros de curto prazo. E pensar no futuro das próximas gerações. Gerações às quais é preciso poder pelo menos fazer desfrutar dos recursos (já escassos) aos quais faziam referência os nossos pais.

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