Edição 355 | 28 Março 2011

Angra I, II e III. Empreendimentos nucleares desconsideram a população local

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Patricia Fachin

Cabe ao Ministério de Minas e Energia e ao governo federal brasileiro explicarem a política nuclear e alertar a população do perigo de um possível acidente e não à empresa pública responsável pela construção da usina, critica o conselheiro da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica – Sapê, José Rafael Ribeiro.

“A cidade de Angra dos Reis tem um perfil operário que não aparece nas imagens bonitas da TV, que focam as ilhas”, declara o ativista José Rafael Ribeiro ao comentar como é o cotidiano da população que reside no município. Segundo ele, no entorno da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, formada pelo conjunto das usinas de Angra I, Angra II e Angra III, surgiram bairros “os quais sofrem a completa ausência de urbanidade”.
Contrário às usinas nucleares do Rio, ele critica a ampliação proposta pelo governo federal e denuncia, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, a falta de preocupação das autoridades diante de um empreendimento nuclear que pode gerar riscos à saúde e à população.

Além do descaso governamental, ele lamenta a omissão da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que não fiscaliza os empreendimentos, e menciona o despreparo da população caso um acidente ocorra. “No ano passado, houve um disparo acidental da sirene da usina e ninguém foi para os pontos de reunião. Quer dizer, o disparo de uma sirene de alerta deveria ser um início para a mobilização das pessoas”, critica.
José Rafael Ribeiro é conselheiro da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica – Sapê e defende o fim das usinas nucleares no Rio de Janeiro. Confira a entrevista.


IHU On-Line - Quando começaram a circular informações sobre a explosão dos reatores na usina nuclear do Japão, alguns especialistas brasileiros se manifestaram dizendo que o Brasil não precisava se preocupar, mas voltaram atrás. Como o senhor vê a instalação de usinas nucleares no território brasileiro e os projetos de ampliação desse modelo energético?

José Rafael Ribeiro – Em primeiro lugar, questiono a necessidade de o Brasil construir usinas nucleares. Temos uma posição histórica de que o país não precisa desse tipo de energia. O Japão, por outro lado, tem poucas possibilidades energéticas. Entretanto, um modelo energético com o potencial de danos da energia nuclear é desaconselhável em qualquer região.
Criticamos os planos do governo de ampliar o parque nuclear porque os milhões investidos em uma energia obsoleta deveriam ser destinados a tecnologias alternativas, como está acontecendo em diversos países. Além disso, no Brasil, a energia nuclear tem um componente mais militar do que propriamente energético. Sabemos que isso não é dito claramente na política oficial, ainda que por vezes seja dito claramente como na recente declaração de um ministro, de que o Brasil queria, sim, construir uma bomba atômica. Portanto, a ampliação do programa nuclear brasileiro tem um componente político, de dominar a tecnologia, de ter os elementos de construção de armas nucleares, mais do que propriamente uma necessidade de prover energia desse tipo de fonte.

Outro aspecto que tem levado o governo a investir nesse modelo energético é o lobby nuclear que envolve as empreiteiras da construção civil, que se fartam na quantidade de recursos disponíveis para a construção de uma usina, e os vendedores de reatores, que não tem mais espaço para vender esses produtos nos países do hemisfério norte e ficam empurrando essas engenhocas para o Brasil.
Diria que a fala dos especialistas tem de levar em consideração o fato de que hoje existem grandes centros de pesquisa no Brasil que viraram clientes da Eletronuclear e estão perdendo a independência na sua manifestação.

IHU On-Line - Qual a eficiência das usinas nucleares? A relação custo/benefício justifica a manutenção desse modelo energético?

José Rafael Ribeiro – A energia nuclear é cara e envolve uma gama de fatores que poderíamos discutir. Sempre digo que a energia nuclear não se caracteriza pela poluição. No entanto, a questão que se coloca é se a população está disposta a enfrentar um potencial de risco tão devastador. A cidade do Rio de Janeiro está distante a pouco mais de 100km em linha reta das centrais nucleares de Angra. Se um acidente grave chega a ocorrer no parque de Angra dos Reis, parte do centro econômico, financeiro e político da nação ficaria gravemente afetado pela radiação, o que levaria ao deslocamento de milhares de pessoas e à paralisação de diversas atividades centrais para a economia do país.
Quando pensamos na relação custo/benefício, não podemos nos ater na relação de quanto se gasta e qual o custo financeiro. Mesmo nos atendo a essa relação específica, diria que é uma energia que não calcula o custo para armazenar devidamente o lixo nuclear que será produzido e os graves impactos socioambientais provocados.

Angra dos Reis foi marcada por uma tragédia há dois anos e centenas de famílias deveriam deixar suas casas porque estão em áreas de risco. Apesar desse contexto, o empreendimento nuclear está acarretando a transferência de outros trabalhadores para o município, sem que a cidade tenha áreas adequadas para habitação e um planejamento urbano que dê conta da sua população atual.

IHU On-Line - Como vive a população que mora no entorno da central nuclear de Angra dos Reis?
José Rafael Ribeiro – A usina tem um entorno imediato de bairros que cresceram em função da própria central, os quais sofrem a completa ausência de urbanidade. No mês passado, enchentes atingiram mais de 200 famílias que vivem no bairro Mambucaba, que fica a cerca de 10km da estrada da usina. O bairro Frade tem deficiências na área de educação, saúde, urbanismo.

A cidade de Angra tem um perfil operário que muitas vezes não aparece nas imagens bonitas da TV, que focam as ilhas. Um estudo feito pela Unicamp sobre a Análise Demográfica de Angra dos Reis aponta que a cidade, nas médias comparativas com o estado do Rio de Janeiro, tem níveis baixíssimos de educação, uma faixa salarial precária e uma perspectiva de vida bastante ruim porque se investe em empreendimentos que atraem um contingente vinculado à mão de obra da construção civil e não se investe na formação e educação da população. Tem uma tímida universidade pública instalada no município e não existem colégios técnicos.
As estradas que seriam as possíveis rotas de fuga em casos de acidente têm um trânsito pesado e há mais de dois anos sofrem cotidianamente com a queda de barreiras: nesta semana caiu uma pedra de 40 toneladas na rodovia Rio-Santos, próximo à usina. No ano passado, uma pedra de 80 toneladas caiu e fechou as duas vias acesso ao Rio de Janeiro. Há mais de cem pontos frágeis identificados ao longo das rotas de fuga.

Há um despreparo completo da população para reagir diante de um acidente. Além disso, não têm meios de transporte capazes de fazer um deslocamento em massa da população. A usina diz que trabalha em um raio de 15 quilômetros. Se um acidente ocorresse, teriam de deslocar cerca de 100 mil pessoas. Se esse raio for ampliado para 20 quilômetros, quase 200 mil pessoas serão atingidas. A pergunta que fica é: onde e como seria feito o deslocamento da população caso acontecesse um acidente? Para onde essas pessoas seriam deslocadas? Essas questões estão postas e, na semana passada, a Sapê, o Comitê de Defesa de Ilha Grande, o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais e outros grupos fizeram um ato simbólico em nome das vítimas do Japão e em repúdio à insegurança nuclear.

Sociedade despreparada

Se um acidente ocorresse hoje no Rio de Janeiro, seria um caos pela falta completa de infraestrutura e até de pílulas de iodo, que serviriam como um primeiro socorro básico, mas que sequer estão disponíveis. No ano passado, houve um disparo acidental da sirene da usina e ninguém foi para os pontos de reunião. Quer dizer, o disparo de uma sirene de alerta deveria ser um início para a mobilização das pessoas no sentido de saírem de suas casas e se deslocarem para um local seguro. Essa reação não ocorreu e é um claro indicativo de que a população não está preparada, não acredita e não reage.
O mais grave é a reação das autoridades brasileiras diante do acidente do Japão, dizendo que isso não acontecerá no Brasil. Esse tipo de explicação mostra que as autoridades de segurança não consideram a hipótese real de um acidente grave e, dessa forma, não se preparam para reagir no caso de ele vir a acontecer. Não desejo que isso aconteça, pois moro na região e sei que um acidente desta magnitude afetaria a todos. Mas, quando existe um empreendimento com um potencial de risco, ele tem de ser capaz de prover as medidas de segurança dos riscos e contaminações que por ventura possam gerar.

IHU On-Line – Não temos consciência do que significa uma central nuclear em uma área urbana. Em sua opinião, esse é um dos motivos que impede uma manifestação de massa contrária a esse modelo energético?

José Rafael Ribeiro – As manifestações de massa no Brasil estão bastante reduzidas. Vemos poucas mobilizações em função de uma série de fatores que vão desde o grau de educação da população até a satisfação de como as coisas estão acontecendo.
Não vi, no Sul e no Nordeste do país, grandes manifestações contrárias aos futuros projetos de usinas nucleares. Em Angra dos Reis já foram realizadas manifestações contrárias ao regime militar que, na época, fazia o empreendimento nuclear. Ultimamente, essas manifestações estão restritas a ativistas e pessoas ligadas ao movimento ambiental e menos à população. O acidente do Japão gerou uma inflexão nesse sentido. Percebemos que a população de Angra se preocupa, e sempre se preocupou, com as usinas nucleares. Entretanto, o acidente do Japão derrubou a máscara que vinha sendo construída nos últimos anos, de que a energia nuclear era limpa e segura. Isso foi vendido ao mundo todo pelo forte lobby da indústria nuclear.

O risco da energia nuclear nunca vai permitir que ela seja amplamente utilizada porque isso pode significar a condenação e prejuízos econômicos imensos.

IHU On-Line – Que medidas foram tomadas depois do acidente que ocorreu há dois em Angra II? A quem cabe a responsabilidade de fiscalizar as usinas nucleares?

José Rafael Ribeiro – Quando ocorreu o acidente em Angra, disseram que não houve nada. De objetivo, nada foi feito. Isso acontece porque o Brasil carece da independência de um sistema de fiscalização. A Comissão Nacional de Energia Nuclear tem uma dubiedade de atribuições: ao mesmo tempo em que estimula e fomenta a energia nuclear, é responsável por fazer a fiscalização e o controle. Só que ela não tem condições e recursos próprios, além de viver à custa da Eletronuclear. No Brasil, não há uma carreira independente para o fiscal nuclear. Por este motivo o trabalho é o de colocar “panos quentes” nos acontecimentos relacionados às usinas nucleares. Quando teve o acidente de Angra II, conseguimos trazer um representante da Comissão Nacional, que falou dos planos de revisão, do futuro, da necessidade de se buscar uma independência. Nada disso, porém, aconteceu.

Nunca conseguimos o contato e nem sabemos a identidade do trabalhador que foi contaminado no acidente que ocorreu há dois anos. Não sabemos da real condição de saúde dele.
Em minha opinião, a população é tratada com falta de seriedade. Praticamente fica delegada à empresa pública responsável por construir e operar as usinas o papel de divulgar a política nacional do setor energético, de falar da política de segurança, das necessidades do Brasil no campo energético. A Eletronuclear deveria apenas cumprir a função constitucional: produzir energia. O papel de falar sobre segurança nuclear seria da Comissão Nacional, que praticamente não se manifesta. A função de falar sobre política nuclear cabe ao Ministério de Minas e Energia e ao governo brasileiro. No entanto, a empresa faz isso de forma autoritária, não passa as informações à população, não trata com respeito os trabalhadores e omite fatos e problemas, sem que tenhamos nenhum tipo de controle social.

Há dois anos, juntamente com a Estação Ecológica de Tamoios, com o Instituto Chico Mendes e universidades, montamos um banco de dados ambiental e social da região sobre um conjunto de 29 ilhas que ficam no entorno da usina nuclear, na Baia de Angra, localizadas entre Angra e Paraty. Esse banco de dados foi montado a partir de um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Na ocasião, não conseguimos os dados da Eletronuclear, que diz fazer levantamentos frequentes da fauna, das condições do meio físico e da segurança. Os acompanhamentos que a empresa diz fazer poderiam gerar segurança à população. Entretanto, ela optou por um perfil fechado e autoritário ao não divulgar informações. Posturas como essa impedem que a indústria nuclear possa ser considerada segura.

IHU On-Line – Como o senhor vê o licenciamento das obras de Angra III e a postura do governo nesse sentido?

José Rafael Ribeiro – Neste momento, o mundo todo está rediscutindo os projetos nucleares. Não sei até que ponto a presidente Dilma será capaz de fazer uma reflexão mais profunda e abrir mão dos projetos militares que estão sendo criados junto com essa ideia de um Brasil grande, dominador e hegemônico.

Questionamos o licenciamento de Angra III, formulamos mais de noventa perguntas a partir de um trabalho voluntário para aqueles milionários que recebem as consultorias da Eletronuclear. Eles não tiveram o cuidado de responder seriamente às perguntas. As respostas foram evasivas e outras questões não foram respondidas.

IHU On-Line – Qual a relação direta dos moradores do entorno com a central nuclear de Angra dos Reis? Eles trabalham na usina?

José Rafael Ribeiro – Quando convivemos há mais de vinte anos próximo de uma indústria ou de uma usina nuclear, nos acostumamos com o risco e muitos moradores do entorno acabam trabalhando nesses locais. Os trabalhos das usinas de Angra são terceirizados porque a indústria nuclear envolve um alto grau de conhecimento técnico e Angra dos Reis não tem esse tipo de formação. Então, a população acaba se envolvendo em serviços de limpeza, em troca de combustível nuclear etc. Existe também um forte poder de coação da indústria nuclear sobre os seus trabalhadores.

Na semana passada, enquanto participávamos de uma manifestação pacífica, um movimento intitulado “Angra Sim”, que é composto por funcionários da Andrade Gutierrez, empresa responsável pelo canteiro de Angra III, veio para a praça fazer uma manifestação no mesmo horário, com uma clara demonstração de provocação e intimidação. Esse é outro aspecto da indústria nuclear: coage os trabalhadores, coopta movimentos sociais frágeis com recursos que ela não tem obrigação de doar para a municipalidade e transforma os investimentos em moeda de troca para políticos. Sem contar com potencial de corrupção que tem uma obra que atinge bilhões de dólares.

É inglório lutar contra uma indústria poderosa e com tantos recursos. O que mais nos impressiona é que os recursos utilizados para as obras são públicos e ainda assim a população não é informada sobre os riscos.
Esperamos que as reflexões por conta do acidente do Japão sejam suficientes para que se refaçam os planos de emergências da indústria nuclear de Angra e também da extração de urânio. Enquanto isso não é feito, o ideal é que se paralisem as obras e até mesmo o próprio programa nuclear.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

José Rafael Ribeiro – Nós, que participamos de movimentos sociais, sentimos falta de apoio das universidades, de pesquisadores independentes e capazes de gerar conhecimento à sociedade. Infelizmente, a indústria dos estudos de impacto ambiental e das consultorias tem levado dezenas de pesquisadores sérios a se comprometerem com projetos de impacto. Sabemos que estudos e relatórios de impacto ambiental têm um grave defeito: são encomendados pelas empresas com o resultado pré-definido.

Tenho curiosidade em saber quanto que o Coppe-UFRJ já consumiu de recursos da Eletronuclear e me pergunto até que ponto ele é independente para poder falar sobre Angra III. Vejo constantemente técnicos concedendo entrevistas em programas de televisão e assinando estudos de impactos ambientais de Angra III, os quais têm uma base científica correta e um malabarismo incorreto para chegar aos resultados previamente estabelecidos.
Nas universidades públicas, os professores têm liberdade para ministrar suas pesquisas. No entanto, a praga das consultorias tem determinado que importantes centros de pesquisas estejam comprometidos com empreendimentos de graves impactos, seja no caso das usinas nucleares, ou no caso de Belo Monte, da indústria do carvão etc. Infelizmente, estamos vendo pesquisadores renomados comprometidos com a indústria nuclear.

Certamente o acontecimento do Japão vai gerar alguns milhões de consultorias para instituições públicas e não sei se esses investimentos chegarão a Angra. As universidades não podem perder o ponto de vista de que o bem da sociedade é muito maior do que os interesses específicos, os quais podem contaminar toda a instituição.

Leia Mais...
José Rafael Ribeiro já concedeu outra entrevista à IHU On-Line.
•    Angra II: medo e insegurança. Entrevista publicada nas Notícias do Dia, em 12-06-2009. 

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